“É melhor você ir se acostumando ao plural das coisas.”
O passado, ele é cruel. Cobra, implacavelmente, os desavisados quanto a sua interminável potência na realidade de vidas que o deixaram pra trás, ignorando-o como um pedinte na calçada, esperando sua debandada. James Salter, veterano de guerra norte-americano, faz escrever sobre isso sobre a linha de um pretérito onipresente até o talo, influenciando com absoluta intimidade o desdobrar dos laços e relações humanas que se envergonham de pertencer ao ontem fadado as amantes de plantão. As cicatrizes desses personagens são latentes, e expostas, mostram-se tão incuráveis quanto fechadas, pois a dor é inevitável. Estamos falando aqui de personagens que dariam tudo para seguir em frente, mas ainda há muito a ser resolvido. Tudo, na verdade.
Última Noite e Outros Contos é uma celebração discreta e mansa, quase cínica, e elegante até a última estrofe de sua 14º história, talvez a mais perversa de todas, do papel que as nossas pegadas tem na concepção do que chamamos de presente, da vida que nos resta a ser vivida, encarada e aceita com seus desafios impulsionados pelas escolhas que fizemos, lá atrás. Por isso o uso, aqui, de homens e mulheres maduros que supostamente não devem nada mais a si mesmos, e quanto a isso, são verdadeiras contradições ambulantes. Salter então surfa no poder da herança, seja ela sentimental ou material, expondo a comédia involuntária ou a melancolia, sobretudo, da condição humana assombrada pela poética e a dureza das memórias sobressalentes, e que sempre dão um jeito de pularem, não-proposital ou por nosso intermédio, bem diante dos nossos olhos de espanto.
O que resta, então, em contos como “Os Olhos das Estrelas”, “Bangcoc”, “Platina” e “Palm Court”, é o prazer culpado de uma boa literatura que acompanha pessoas comuns tendo que lidar com reencontros por tanto tempo almejados, além de abraçarem, novamente, velhos cartões postais e desejos que nunca partiram, junto das antigas ambições e medos tão atemporais quanto o sol que regia o tempo asteca. Salter é ultrarrealista, cru ainda que charmoso em sua escrita, serena e branda por natureza, e se poupa os seus breves personagens conosco (exceto em “Akhnilo”, o irregular conto que abre esta curta coletânea e se destoa dos demais por seu caráter desesperado, e apressado), é porque o autor não deseja apelar para um sentimentalismo extremo ou surrealismos a bel prazer que desnorteariam a obra, facilmente, dando-a um outro tom.
A questão é: como fazer as pazes consigo mesmo? Cada caso, é um caso, e o que todos precisam aqui é de terapia, mas é difícil enxergar o óbvio quando o complicado é a única via de mão. Última Noite e Outros Contos, da famosa editora Companhia das Letras, no Brasil, transmite e debate com fôlego linear e empolgante, para muitos leitores, complexas sensações do ramo da saudade, do apego e da nostalgia, narradas aqui pelo grande charme já mencionado de Salter, e sem jamais parecer um livro mofado em suas intenções de evidenciar a importância da superação, em todos os âmbitos da nossa vida.
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