O dicionário Aurélio é coisa do passado. Chegou o dicionário de Luis Fernando Veríssimo, com Veríssimas verbetes que não perdoam nada, nem ninguém, muito menos aquela mãe que faz o filho calar a boca quando este a pergunta o que é sexo. O autor de Diálogos Impossíveis não só explica a versão mais clara possível para a pergunta, como nos faz rir com sua simplicidade e objetividade a questões tão difíceis e complicadas, popularmente, quanto a nossa doce e vã filosofia. Perguntemos isso, então, ao mestre gaúcho, e não a dicionários pretensiosos que a diriam ser ‘o ato de filosofar’, e ele com certeza atiraria, com poucas e eloquentes palavrinhas: “É tudo o que você diz com o olhar parado – a não ser que você esteja dando um pum”.
Notemos, também, que ‘Filosofia’ no dicionário de Veríssimas está bem ao lado de ‘Fragrâncias’, que por sua vez não tem nada a ver com o cheiro da bufa, e que para o escritor serve para dizer que o seu novo perfume, a colônia ‘Lenhador’ não funciona com as senhoritas, mas atrai castores que é uma beleza. Rindo da vida, e assim ele segue, como se não houvesse aposta mais ousada que essa, Veríssimo constrói uma coletânea a prova de rabugice e pessimismo de toda espécie. Inspirado pelas próprias noções acerca do zodíaco, corrupção, sexo, reencarnação e futebol, o escritor zomba do ridículo estrutural de algumas coisas, e da seriedade frágil de outras em pequenas pílulas de jocosidade e que não passam de opiniões fundadas em grandes e pequenas verdades de botequim – sua reflexão acerca dos taxistas é imperdível.
De brinde, Veríssimo, como se para nos comprar mais ainda, nos entrega entre as letras do seu dicionário todo particular, que de particular não tem nada, mais de trinta desenhos e cartuns seus para situações surreais que mereciam passar pelo crivo irônico e/ou sarcástico do autor de A Mesa Voadora, Diálogos Impossíveis e de outros exercícios de linguagem contemporâneos imperdíveis – todos muito bem sucessos, no geral. Nada escapa das sacadas dele, para a nossa sorte e prazer, sendo este aliás outro conceito, ou melhor, outra desculpa para outra análise bastante pertinente, aqui: escrever não dá prazer, mas ter escrito sim. Concordo plenamente, quem não concorda? E se algum(a) escritor(a) descordar, que esse(a) faça sua própria versão do que lhe dá prazer. Se constar nessa lista o ato de escrever, que lhe sumam todas as palavras da ponta dos dedos. Seria merecido, e se só quem nunca escreveu nem uma cartinha de amor discorda disso.
Com mais de 800 verbetes listados nesta ilustre publicação da editora Objetiva, todos retirados de textos, livros e entrevistas do próprio escritor ao longo da prolífera carreira, eis outra de suas obras feita para nos lembrar do lado bom da vida, pois nele habita um tipo de inteligência e sagacidade ímpares que o lado ruim não consegue corromper – mas inveja, em suma. Veríssimo gosta de ser brasileiro, do Brasil, ele ri e nos faz rir disso, mas não evita tampouco em destacar os problemas e contradições da nossa gente, evidenciando que patriotismo quando exagerado é sempre predatório – mas que quando falta, nos faz vender até as nossas roupas. Temos aqui um autor comprometido com o bem-estar do seu leitor, mas que ao ser sarcástico, consegue ser tão afiado quanto seus próprios desenhos instigantes, complementos bem-vindos e jocosos as palavras na nobre arte de fazer rir, e refletir, ao mesmo tempo. E que tempo.
Compre: Veríssimas – Luis Fernando Veríssimo.