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  • Resenha | Detective Conan

    Resenha | Detective Conan

    Jovem prodígio, filho de escritor de romances policiais, é conhecido por seu brilhante poder dedutivo e de observação. Chamado algumas vezes para ajudar a polícia a solucionar alguns casos de assassinatos, este é Shinichi Kudo. Certa vez, levado pela sua curiosidade, ele investiga um ato suspeito de dois homens de preto e é emboscado. Na emboscada, dão a ele um veneno que supostamente iria matá-lo, mas na verdade apenas faz com que ele fique parecendo um garoto de 7 anos.

    Essa é a premissa básica de Detective Conan – ou Case Closed, como é conhecido nos EUA -, mangá de Gosho Aoyama. Com isso, ele leva a história de Shinichi se passando por uma criança de 7 anos, que ele nomeou de Conan Edogawa (nome baseado em Arthur Conan Doyle), na casa de sua melhor amiga Ran Mouri, por quem é apaixonado. Ele conta com a ajuda do Dr. Agasa, cientista inventor que tenta descobrir como reverter o veneno. O pai de Ran, Kogoro Mouri, é um detetive, o que vem a ser muito útil para a história.

    O estilo da história é algo meio que seriado, um caso por vez, geralmente durando cerca de 10 capítulos. Na maioria das vezes os casos são de assassinatos, sendo sempre desvendados por Conan, que quando vai contar o que/como descobriu usa um invento que modifica sua voz para parecer a de alguém mais velho que está desacordado no momento, geralmente Kogoro.

    Este estilo é bom no inicio, mas tende a cansar conforme passa o tempo; chega a ser enfadonho você passar de caso a caso e nunca mudar nada, sempre retornando ao mesmo ponto. Há poucos momentos de excitação: são os capítulos que ele usa para investigar a tal Black Organization (nessa hora todos estão pensando em criminosos com afro na cabeça), que foi quem o transformou em criança. Pois é nesses capítulos que esperamos um avanço na história. Só que esses são BEM RAROS, deixando a maioria com casos de assassinatos e, assim, um mangá chato (o que me fez largar o mangá, e olha que eu sou uma pessoa bem resistente nesse quesito, vi os 10 episódios de The Cape, Heroes até o final e afins…).

    Outros pontos divertidos são quando ele encontra seu “rival” em termos de habilidades de detetive, Heiji Hattori, e eles ficam disputando. Também quando aparece o Phantom Thief Kid, que é um ladrão que Shinichi tenta pegar e falha. Esses são outros bons momentos na história, mas um pouco raros.

    Outra coisa que contribui muito para a história ser cansativa é o famoso “assassinato do quarto fechado”, um gênero raro de assassinato onde a pessoa é morta num local trancado por dentro. O primeiro você acha legal, é algo novo, mas isso acaba se tornando algo tão comum que você se pergunta como pode ser chamado de raro se todo mundo consegue bolar um.

    O traço é bem comum, nada de extraordinário, não atrapalha nem ajuda. Não é rico em detalhes, mas não deixa a desejar. Num mangá com a premissa deste, que seria a de detetive, se esperava que o principal não fosse o traço, e sim os casos.

    Detective Conan é um mangá divertido no início, mas tende a cansar conforme você o lê. É antigo, então tem muitos capítulos até você chegar ao que está saindo atualmente, e isso é mais um ponto de desânimo. Mas faz um tremendo sucesso no Japão e alguns casos são realmente interessantes, já aprendi várias novas maneiras de matar alguém e tentar despistar a perícia. Eu larguei mas pretendo voltar, um dia. Quem quiser ler vá por conta e risco.

    Texto de autoria de André Kirano.

  • Crítica | Duro de Matar

    Crítica | Duro de Matar

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    Yippie Ki-Yay. O ano é 88 e o cinema de ação brucutu, com seus heróis de grandes feitos quase imortais, era um sucesso de bilheteria que duraria até meados da década seguinte. Dentro do panteão de personagens cheios de músculos que atiram primeiro e perguntam depois, Duro de Matar introduziria um inovador elemento primordial que hoje se tornou comum nas produções do estilo. No elemento humano chamado John McClaine, Bruce Willis e o diretor John McTiernan criavam um clássico do cinema de ação e, sem nenhuma dúvida, um dos melhores filmes natalinos de todos os tempos.

    A premissa de Duro de Matar não poderia ser mais simples. Apoiada em uma época em que não eram necessárias personagens profundas e reviravoltas para se fazer um bom roteiro, o policial de Los Angeles John McClaine visita a família no Natal e tem o azar de estar na empresa da mulher no momento em que um atentado está em andamento. A trama se passa em um ambiente isolado, um grande prédio comercial de que conhecemos poucos andares. Com quase nenhum armamento, sem ideia do que realmente acontece e sem sapatos, a personagem faz o que pode para defender sua esposa.

    O roteiro introduz um estilo novo de personagem durão indo além do perfil físico. McClaine é irônico, mal-humorado e, acima de tudo, humano. Não possui força descomunal e inteligência acima da média. É um homem defendendo a família, tentando cumprir seu dever, com um certo senso de treinamento e que sangra demasiadamente. O elemento humano acaba se perdendo nas sequências, mas aqui é uma das qualidades mais significativas que o perpetuaram como um dos melhores filmes do gênero.

    A personagem composta por Willis é carismática e desde este filme primordial identifica um de seus famosos tiques faciais de projetar a boca, parecendo que em algumas cenas o ator faz um pequeno biquinho. Independente do cacoete, foi aqui que sua fama se fez como um querido herói de ação que até hoje mantém sua carreira funcional interpretando o mesmo tipo de personagem, quando não o próprio McClaine.

    Os elementos inovadores do filme foram responsáveis por um novo protocolo no estilo de ação que, à procura de heróis mais humanos, causou um declínio dos grandes na década de noventa e que, no início da década passada, fez com que personagens não necessariamente dotados de qualidades físicas visíveis se tornassem a estrela principal do gênero.

    Se ainda atualmente temos personagens de ação resmungonas que alcançam seu objetivo de maneira dolorida e mais humana, devemos estes fatores a John McClaine. O homem errado na hora errada.

  • Crítica | Anna Karenina

    Crítica | Anna Karenina

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    Joe Wright é famoso por suas adaptações literárias: nos últimos anos ele dirigiu Orgulho e Preconeito, Desejo e Reparação e agora Anna Karenina.

    Adaptado do clássico de Tolstoi, o filme conta a história de Anna, uma mulher casada da alta sociedade de São Petersburgo que se apaixona por um jovem militar e acaba sendo levada a ruína. O romance se estende por mais de 800 páginas e é quase um tratado sobre o amor, a felicidade doméstica e os costumes da Rússia do século XIX.

    O primeiro acerto de Wright é abandonar essas pretensões e condensar a história: ele reduz ao mínimo a importância dos personagens secundários e das histórias laterais e se foca na relação de Anna e Vronsky. Uma sensualidade explícita, ausente do original, e o bom trabalho de atuação dos protagonistas confere intensidade ao que já é uma das histórias de amor mais emblemáticas da literatura mundial.

    Na verdade, boa parte da eficiência do filme se deve a adequação dos atores: embora nenhuma atuação seja excepcional (talvez o maior destaque seja para Aaron Taylor-Johnson como Vronsky) eles encarnam bem seus personagens e aquilo que eles representam na história.

    Além do foco no casal principal, Wright torna Anna Karenina mais adaptável ao abrir mão de qualquer naturalismo. A trama se passa em um palco e a movimentação dos atores é teatral e coreografada. Não se trata mais de uma análise da natureza humana ou uma investigação sobre o casamento, é uma história de amor, épica, trágica e fantástica. Essa impressão é reforçada pelos figurinos e pela direção de arte, que criam uma Rússia quase de contos de fadas, uma terra distante, fria e maravilhosa.

    No entanto, por mais que o diretor se esforce em fazer a narrativa caber no filme, Anna Karenina tem problemas de ritmo: a ação é corrida e a narrativa acaba cheia de pontas soltas. A rapidez também acaba tornando raso o desespero final da personagem e seu suicídio parece quase gratuito.

    No final, Anna Karenina é um bom filme e uma boa adaptação, Wright confia em seus atores e na riqueza visual e tenta contornar as nuances psicológicas (que são justamente o problema em seu Desejo e Reparação). Não é uma obra prima, mas é uma história de amor bem contada, intensa e comovente e um filme visualmente impressionante.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | Os Contos de Meigan: A Fúria dos Cártagos – Roberta Spindler e Oriana Comesanha

    Resenha | Os Contos de Meigan: A Fúria dos Cártagos – Roberta Spindler e Oriana Comesanha

    Contos de Meigan.inddAo ver o livro em uma livraria, ele certamente chamará sua atenção pela capa e pelo tamanho ocupado na prateleira. Porém, não é apenas em sua aparência que ele irá te surpreender. Contos de Meigan é uma prova do quanto a literatura brasileira está crescendo em mundos fantásticos que o levam em uma aventura extraordinária através de universos desconhecidos. Com uma narrativa constante, sua leitura flui e o tempo passa sem que você perceba, e sua trama bem desenvolvida, com uma sequência de acontecimentos coesos, faz com que Contos de Meigan seja uma leitura recomendada a todos.

    Honestamente, a primeira coisa que me fez realmente querer ler o livro foi o seu prólogo. Nele há uma explicação em formato de relato sobre o mundo onde a história ocorre e, basicamente, sobre todos os conflitos que ocorreram até o momento em que conhecemos a protagonista e embarcamos em sua aventura. Nele consta todo o desenvolvimento da civilização de magis e seu relacionamento com os humanos, que, ao fim da primeira guerra, foram exilados de Meigan e enviados para um local onde eles seriam incapazes de voltar a Meigan: a Terra.

    O começo da história se desenvolve em um cenário caótico de guerra, quando a protagonista volta após viver três anos na Terra como uma humana comum. É inegável a habilidade que as autoras têm ao descrever a maneira como as batalhas aconteciam e também toda a carnificina que ocorria por onde a protagonista passava, tentando voltar para sua casa. Até mesmo o uso dos poderes – mantares, como são chamados – de controlar elementos não contêm aquela característica sensação de overpower, deixando claras as vantagens e desvantagens de cada uma das habilidades e dos métodos de luta. Como disse, no quesito aventura e trama, esse livro é excelente. O que nos leva ao primeiro ponto negativo do livro: os personagens.

    Maya Muskaf, a protagonista, é uma menininha mimada sem amor nenhum à própria vida e ao título que viria a herdar quando sua mãe morresse, de líder da cidade. Em grande parte do livro, você sente muita raiva dessa personagem imprudente, impetuosa e explosiva. Porém, ao passar da raiva inicial, a princípio você começa a entender o motivo de determinadas burradas que ela sem querer comete. Contudo, errar uma vez é normal, errar duas até vai, mas errar toda vez é sacanagem, correto? Ela não dá uma bola dentro no livro todo, sempre contando com a ajuda de outros personagens para conseguir sobreviver ou ser um pouquinho útil.

    Dito isso para a protagonista, você pode pensar que – como geralmente ocorre – exista algum personagem secundário que roube o brilho. Bem, não há. Não pelo menos até você alcançar 90% do livro, quando a história de um dos personagens é contada e você o entende um pouco mais, mesmo ele tendo sido sem graça o livro todo e, só então, parecer um pouco mais digno de respeito. O Guardião que a protege é outro que poderia muito bem ser um dos melhores e mais fodásticos personagens, mas peca pela falta de profundidade que as autoras não deram tanto na questão de suas crenças quanto de suas vontades. O único pelo qual desde o princípio você cria respeito é, vejam só, o antagonista. Contudo, não se empolgue; este, mesmo tendo as melhores cenas de luta, ainda não tem aquele chã que faz com que você simplesmente adore o personagem e torça por ele.

    Na verdade – eu, pelo menos -, você não torce para ninguém. É como ficar preso em uma imparcialidade, apenas observando o que acontece e querendo saber o que vai ver depois. Não acho que seja o ideal para um livro. Porém, contudo e entretanto, por esse ser o primeiro do que acredito ser uma série – porque o final fica absurdamente aberto para uma continuação -, tenho fé de que foi uma boa jogada essa sensação que o livro passa: de não ter para quem torcer.

    Resumindo: leia o livro pelo que acontece e pelo mundo em si, mas não crie expectativas sobre os personagens. Divirta-se com essa aventura fantástica e tente não se irritar muito com a inutilidade da personagem. Olhe só, pelo menos não há muito drama desnecessário, o que é definitivamente um ponto positivo para não abandonar a leitura. De fato, recomendo muito.

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    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Resenha | Segredo de Família

    Resenha | Segredo de Família

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    Segredo de Família, de Eric Heuvel, holandês e um dos grandes cartunistas e ilustradores da atualidade, chega ao Brasil pelas mãos da Quadrinhos na Cia. Heuvel tem formação em história e suas obras são conhecidas pela caráter educativo e o contexto histórico onde costuma retratar um pedaço da história da humanidade, e essa graphic novel trata exatamente disso.

    Na trama, conhecemos Jeroen, um jovem que vai até a casa de sua avó procurando objetos que possam ser vendidos no Mercado de Pulgas do Dia da Rainha, um evento especial na Holanda em que a população sai às ruas para aproveitar a música ao vivo, comes e bebes, além do próprio comércio de mercadorias usadas que são vendidas no mencionado Comércio de Pulgas.

    No meio das coisas de sua avó, Jeroen descobre um antigo uniforme policial holandês, uma estrela judia de tecidos, antigas fotografias e um álbum de recortes. Essa descoberta desperta uma série de lembranças e leva a avó de Jeroen a narrar a história de sua juventude em Amsterdam durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.

    O roteiro de Heuvel traça um paralelo com a história de Anne Frank, adolescente alemã de origem judaica, que morreu aos quinze anos no campo de concentração de Auschwitz, vítima do holocausto. Apesar de alemã, Anne se mudou para Amsterdam em 1933, fugindo da ascensão nazista que crescia cada dia mais. Em Segredo de Família, a avó de Jeroen tem como sua melhor amiga Esther, uma judia alemã que também se muda para Amsterdam fugindo da Alemanha antes do início da grande guerra.

    Os pontos fortes da graphic novel são os relatos de acontecimentos históricos e os papéis que cada personagem desempenha nessa grande catástrofe mundial. Heuvel procura se abster de julgar as atitudes de cada um deles, evitando julgamentos morais. O traço cartunesco do autor é muito similar ao do belga Hergé (Tintim), o que não deve ser mera coincidência.

    Um grande trabalho que tem como tema central o holocausto; no entanto, deixa muito a desejar se comparado a obras como Maus.

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  • Crítica | O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy

    Crítica | O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy

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    Mesmo depois da tragédia de Os Candidatos, resolvi ver outro filme do Will Ferrell. Dessa vez, O Âncora, que não poucas pessoas disseram que era bom. Realmente, é melhor que Os Candidatos, mas se só isso não diz muito, O Âncora falha em ter exatamente muitos dos elementos de que não gostei no anterior.

    A ideia é excelente. Ferrell interpreta Ron Burgundy, um jornalista local de San Diego, famoso na cidade, juntamente com sua equipe, por comandar o jornal de liderança no horário, durante a machista década de 70, quando o movimento feminista começava a sair das universidades e dos protestos nas ruas para engrossar a luta diária das mulheres no dia a dia por melhores condições, igualdade e, principalmente, respeito e reconhecimento no ambiente de trabalho e na sociedade. Nesse aspecto o filme é primoroso, pois, se as mulheres reclamam de como são tratadas hoje, nessa época era absurdamente pior, e soa ridículo vermos hoje como os personagens da época as tratavam – mas não soa de modo algum irreal, o que transforma algumas situações engraçadas, mas aquele engraçado que incomoda, no bom sentido.

    Também há a boa ridicularização do papel da mídia na sociedade, que sempre se desvia de histórias relevantes, mas que poderia desestabilizar o status quo para cobrir eventos com gatos fantasiados e partos de animais em zoológicos que são tratados como a maior notícia do mundo, sem a menor cerimônia. Além, é claro, de tirar um sarro do ego enorme de jornalistas da TV que se acham o centro do universo por terem 30 minutos diários de aparição.

    No entanto, o outro lado, o do riso forçado, das esquetes fora de contexto e dos exageros, não me pegam. Ainda não entendo porque Steve Carrell é tratado a toda hora como gênio do humor, já que parece interpretar o mesmo personagem, do mesmo jeito, em todo filme, com as mesmas caras, bocas, frases e trejeitos. Sua única exceção parece ter sido no excelente Pequena Miss Sunshine, quando justamente saiu do seu estereótipo.

    Do final não daria para esperarmos muito, nem sei se o filme deveria tentar algo além do desfecho onde inimigos fazem as pazes e resolve os conflitos nesse tipo de filme justamente pela proposta de satirizar o  gênero, mas seria interessante ver uma elaboração mais inteligente do que essa.

    Como resumo da obra, O Âncora é um filme redondo, que funciona para a plateia certa, mas cansa o espectador que exija algo a mais. Possui bons momentos, e deixa a profundidade que poderia alcançar ser atrapalhada pelo humor raso que tenta forçar a todo instante.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Hospedeira

    Crítica | A Hospedeira

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    Sem dúvida, uma parcela do público será atraída ao cinema pelo simples fato de que o filme é baseado no livro homônimo de Stephenie Meyer. Essa parcela, caso vá esperando ver algo minimamente próximo a Crepúsculo, terá as expectativas ligeiramente frustradas. Não totalmente, já que a porção “romance” está presente. Contudo, diferente da estória de Bella e Edward, não é o foco principal, apesar de ser importante para o desenvolvimento da trama. Sobre a relação livro/filme, apenas mais uma observação. Espera-se de adaptações de livros que o filme se sustente per se, isto é, o roteiro não deve pressupor que quem está assistindo já leu o livro. E neste sentido, a adaptação foi bem sucedida. Não há necessidade de conhecimento prévio da obra, nem ficam faltando detalhes essenciais (ou não) que apenas os leitores teriam conhecimento.

    Diferente de outras estórias que versam sobre invasão alienígena, esta não se prende ao início da invasão – os primeiros humanos “infectados”, a percepção dos demais sobre o que está ocorrendo e a luta contra os invasores. Nesta, a invasão já está consumada, os alienígenas já estão entre os humanos ou, mais especificamente, dentro deles, assumindo o controle do corpo e sobrepujando a mente, tomando o lugar do “eu” de cada um. E a trama se volta para os focos de resistência, os humanos reminiscentes, os “não invadidos”, como Melanie (a princípio) e Jared.

    O modus operandi da invasão levanta um questionamento interessante: como reagem ou devem reagir os 100% humanos ao se deparar com um hospedeiro conhecido? O corpo é o da pessoa que se conhecia. Suas feições, seu modo de andar, seu jeito de falar continuam os mesmos. Ainda é a pessoa com que se convivia. Mas ao mesmo tempo, não é mais, ao menos na maioria dos casos. Melanie é uma hospedeira que resiste à invasão. Ela e a invasora, Peregrina (Peg), “brigam” pelo controle do corpo de Melanie, o que gera algumas situações engraçadas quando Mel se irrita com alguma ação de Peregrina.

    É uma pena que o roteiro não tenha dado mais ênfase à faceta sci-fi do filme, certamente para tentar agradar aos fãs oriundos de Crepúsculo. Contudo, essa não é a maior falha do roteiro, já que quem não leu o livro não faz ideia que esse enfoque é bem mais explorado. Apesar de Niccol ter conseguido eliminar a maioria dos excessos do livro – cenas desnecessárias e estórias paralelas que pouco ou nada acrescentavam – o ritmo da narrativa é extremamente lento, quase sonolento em alguns trechos. É uma pena que Niccol, responsável pelos roteiros de Gattaca, O show de Truman e O senhor das armas – todos acima da média – tenha conduzido a trama dessa forma. E o que resta ao espectador é acompanhar Mel/Peg tentando ganhar a confiança dos demais e o triângulo – ou quadrado – amoroso em que ela se envolve, ou seja, situações clichês em filmes para adolescentes.

    O elenco está bem, nenhuma atuação surpreendente ou fora do comum. Saoirse Ronan poderia ter se dedicado um pouco mais a diferenciar a personalidade de Mel e Peg, mas a voz em off de Mel dá conta do recado. Diane Kruger encarna de modo convincente a fria, calculista e (aparentemente) insensível Buscadora. E William Hurt, no papel de Tio Jeb, está em sua zona de conforto representando o chefe do grupo, detentor de sabedoria.

    Apesar das paisagens chamativas, da premissa interessante e do roteirista/diretor merecidamente premiado, o filme não chega a ser memorável. Talvez o espectador se lembre dele apenas quando anunciarem a sequência – o final do filme dá brecha para essa especulação, e a própria Stephenie Meyer cogita escrever mais livros sobre o tema.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Jack: O Caçador de Gigantes

    Crítica | Jack: O Caçador de Gigantes

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    Mais um filme que revisita uma estória infantil, o conto de fadas inglês “João e o pé de feijão”. E ainda na onda do politicamente correto, desta vez, João (ou Jack) deixa de ser um ladrãozinho – que surrupia primeiro moedas de ouro, depois a galinha dos ovos de ouro e por último a harpa de ouro – para se tornar um jovem destemido que luta para defender seu mundo dos gigantes “malvados”. Porém, o cerne da estória – o garoto ludibriado numa troca que volta para casa com um saquinho de feijões ao invés de moedas – foi mantido, com alguns adendos na tentativa de enriquecer a trama.

    A aventura infanto-juvenil lembra bastante os filmes de fantasia dos anos 80 – Krull, A lenda, História sem fim – com valentes cavaleiros, donzelas em perigo, lutas de capa e espada, apenas com efeitos especiais mais elaborados, com menos maquiagem, maquetes e fantasias e mais computação gráfica. Contada de modo convencional e pouco inventiva, a trama não chega a entusiasmar, mas também não entedia o espectador. Com algumas pitadas de feminismo e tiradas de humor – bem ao estilo de Piratas do Caribe – entretém, mas está longe de causar empolgação. Tem-se a impressão de que o investimento foi grande na concepção dos efeitos especiais e pequeno na concepção do roteiro. Esperava-se bem mais de Christopher McQuarrie, o roteirista responsável pelo excelente Os Suspeitos.

    O elenco está bem, apesar dos personagens terem pouca ou quase nenhuma complexidade. São todos estereotipados: Jack (Nicholas Hoult) é o rapaz honrado, Isabelle é a moça (quase) rebelde, Elmont é o cavaleiro valente, Roderick (Stanley Tucci) é o conselheiro ardiloso. Aliás, enquanto o Elmont de Ewan McGregor vai ficando mais carismático à medida que o filme avança, a princesa Isabelle (Eleanor Tomlinson) parece cada vez mais apenas um elemento decorativo.

    Ao contrário do que aparentavam tanto nos trailers quanto nos anúncios, os efeitos de computação gráfica em combinação com a filmagem 3D deram um bom resultado final, exceto por uma ou outra falha pouco perceptível. Apesar de o 3D não acrescentar muito ao filme, também não chega a atrapalhar como ocorre em alguns casos, principalmente quando o filme é convertido de 2D para 3D. Vale destacar o pé de feijão que simplesmente enche a tela (e os olhos) com sua grandiosidade e riqueza de detalhes. E não se pode reclamar da aparência dos gigantes, já que eles são tão verossímeis quanto um personagem de conto de fadas pode ser. Sobre os gigantes, atenção especial para o “chefe” de duas cabeças, General Fallon, dublado pelo inconfundível Bill Nighy.

    Contudo, nem só de efeitos especiais sobrevive um filme. No máximo, este talvez seja lembrado como “aquele em que Ewan McGregor quase virou petisco de gigante”.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Review | Botanicula

    Review | Botanicula

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    Certa vez um amigo me perguntou porque eu ainda gostava tanto de jogos adventure point and click, já que eles eram tão datados e com jogabilidade engessada típica de uma era dos computadores que ficou no passado. A conversa veio à tona enquanto eu falava de Back to the Future: The Game. Na época não soube explicar, talvez porque o último jogo não tenha sido nenhuma obra-prima. Hoje porém, eu sei responder e esse review dará o tom da minha resposta.

    Botanicula é desenvolvido pela mesma produtora de Machinarium, e não vejo melhor maneira de começar esse review do que falando sobre o visual do jogo, todo desenhado a mão, com uma paleta de cores muito baseada em verde, amarelo e marrom, com desenhos belíssimos e detalhados, que têm papel fundamental na criação da atmosfera do jogo, num universo próprio, que não obedece às nossas lógicas, tampouco todas as leis da física do nosso mundo.

    Além do próprio visual, os personagens são fundamentais na imersão do jogo, você controla na maior parte do tempo um grupo, mas há situações em que as ações são tomadas individualmente. O grupo é formado por cinco personagens: um tipo de galho, uma pena, um vegetal que não consigo definir o que é, o mais próximo que cheguei foi uma castanha. Tem também um tipo de cogumelo e um botão de flor. Cada um deles tem uma personalidade definida e o grupo completo é muito carismático, elemento fundamental para a experiência quando, por exemplo, um deles deve salvar todos os seus amigos.

    Além dos personagens controláveis, o jogo conta com uma enorme quantidade de “NPCs”, vilões ou aliados, em formatos e desenhos mais criativos e variados. Toda essa união de visuais de cenários e personagens já fariam por si só, um jogo memorável, porém não é só nesse ponto em que ele brilha.

    A trilha sonora composta por DVA, um grupo folk da Republica Checa, faz uma mistura inusitada entre instrumentos tradicionais e típicos de seu país, com o uso de vocais não falados mas também como instrumentos, finalizando com uma pitada de elementos eletrônicos sutis.

    Com tudo isso, as músicas são ao mesmo tempo inusitadas afinal, quem conhece folk Tcheco? Compondo perfeita sintonia com aquele universo único do jogo. Além disso, a trilha é corajosa, e caminha muito bem pela linha fina que existe entre um som fora do comum, exótico, e o irritante, por ser diferente demais e parar de fazer sentido aos ouvidos. Ainda na parte sonora, todos os efeitos do jogo são baseados em sons feitos com a boca, dando um toque ainda mais natural, formando um dos trabalhos sonoros mais atraentes e exóticos que já pude conferir nos games.

    Assim como Machinarium, Botanicula não tem uma linha de diálogo, seja falado ou escrito. Toda a história é baseada em pequenas cutscenes ou imagens e elementos visuais espalhados pelo jogo. A trama é simples, basicamente você precisa salvar esse mundo molecular e vegetal de inimigos parecidos com uma mistura entre aranhas e sentinelas de Matrix. Tudo que eles tocam se torna morto e transparente. Você então, tem que descobrir um jeito de colocar de volta a luz no mundo, para combater a escuridão dessa ameaça. O jogo também faz um bom trabalho colocando em contraste o tom feliz e colorido daquele mundo normal, com o que ele se tornará se não for possível conter seus inimigos, fazendo com que o jogador se envolva com a história e passe a se importar e querer defender do mal aqueles pequenos galhos, flores e etc.

    Sobre a jogabilidade há pouco o que se comentar em um jogo point and click, mas é importante notar que Botanicula está mais para um jogo de exploração, do que um adventure propriamente. Já que os puzzles na maioria das vezes são mais baseados em observação visual do cenário e coleta de itens espalhados do que realmente um quebra cabeça que lhe deixará horas e horas empacado a pensar no que deve ser feito. Mas o que não significa que tudo é extremamente fácil e desinteressante, há sim boas sacadas, com alguma dificuldade, que lhe faram ao menos pensar um pouco diferente.

    O game ainda usa tomadas de câmeras que referenciam à outros clássicos do point and click, como The Dig, além de outras referências a jogos da própria empresa e a clássicos da cultura geral como Da Terra à Lua de Meliès. Com tudo isso, Botanicula é mais um jogaço dessa boa safra de independentes que vivemos, em que as boas idéias e criatividade, suplantam o orçamento ilimitado e a primazia técnica. Seus únicos problemas são: a baixa resolução que deixará bordas pretas no entorno de monitores maiores, além de alguns puzzles pensados claramente para telas touchscreen, geram algum incomodo usando o mouse. Nada que desabone a obra como um todo, mas que deve ser lembrado.

    Botanicula foi lançado em Abril de 2012, criado e distribuído pela Amanita Design, está disponível para PC, Mac e Linux, através do site oficial, ou em plataformas de distribuição como Steam.

  • Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Crítica | Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Sete Psicopatas e um Shih Tzu

    Depois do excelente Na Mira do Chefe o diretor e roteirista Martin McDonagh volta às telas com Sete Psicopatas e um Shih Tzu. Apesar do primeiro ainda ser melhor, esse segundo ainda cai bem como uma comédia de humor negro e metalinguagem a respeito do cinema e violência, que lembra os bons tempos de Guy Ritchie com Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes.

    Com um excelente elenco, que junta Colin Farrell, Sam Rockwell, Christopher Walken, Woody Harrelson e outros, o filme começa com o escritor Martin (Farrell) tentando bolar uma ideia a respeito de Sete Psicopatas com histórias interessantes de vida, e com a ajuda de amigos (Rockwell e depois Walken), vai acrescentando em seu bloco de notas um psicopata com uma história mais interessante e exótica que outra.

    Porém, conforme vai passando, podemos ver que a conversa dos personagens dentro do filme é cada vez mais metalinguística, e cada vez mais referencial ao próprio filme e ao que está acontecendo, subvertendo totalmente a experiência inicial do longa, que nos levava para um caminho tradicional do filme de “máfia-com-perseguição-e-vingança” (e que o próprio filme tira sarro de sua escolha).

    Quando é finalizada a subversão e a história vira totalmente auto referencial e se preocupa somente com isso, um pouco da mágica e da graça acabam, tornando tudo uma paródia dos filmes violentos de Hollywood, com seus finais grandiloquentes e redenções ainda mais carregadas de emoções milimetricamente construídas. Outro ponto positivo é que em momento algum os personagens são tratados como arquétipos tradicionais de “mafioso” ou “psicopata”, o que dá espaço a piadas e situações muito boas, principalmente com Woody Harrelson, cada vez melhor.

    A intenção da sátira é louvável, mas seu resultado acaba fazendo o filme perder um pouco da graça e da intenção original, apesar de garantir algumas risadas, porém, mais pela graça do escândalo do que pela inteligência da construção do clímax.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Os Miseráveis (2012)

    Crítica | Os Miseráveis (2012)

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    Em 2001, com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, os musicais ganhavam novamente destaque nas produções Hollywoodianas, com uma história amorosa que inovava no estilo cinematográfico e ainda era repleto de referências ao pop. Talvez não seja exagero afirmar que, ao lado do Western, é o gênero que mantém suas características próprias, sem diluir-se em uma mistura de gêneros que normalmente situam-se as produções contemporâneas que sempre dão espaço para o humor, ao drama, a ação, perdendo parte dos referenciais de outrora.

    Embora muitos não apreciem o gênero, parte da Era de Ouro do cinema americana foi fundamentada em torno de musicais. O Mágico de Oz, primeiro filme colorido, é uma aventura musical, um exemplo entre tantos outros filmes que transformaram suas canções em sucessos, ganhando força além deles.

    O musical é o gênero mais teatral. Quebra a ideia da verossimilhança a favor da arte. A procura de uma maneira de se expressar com maior intensidade, além da interpretação física e da modulação da fala prosódica. Ao utilizar a música como representação, o público reconhece o distanciamento da vida real, mas, por sua força, aproxima-o pelo elemento emotivo.

    Dirigido por Tom Hooper, do vencedor do Oscar de Melhor Filme Discurso do Rei, Os Miseráveis traz ao cinema a versão do musical da Broadway do romance do francês Victor Hugo. Um dos maiores sucesso do famoso teatro trouxe um conceito inédito ao se filmar o gênero. É o primeiro em que as canções foram realizadas direto da cena, sem a gravação prévia em um estúdio. As interpretações das canções mantem-se a favor da emoção das personagens e do desejo dos atores, mas falham se o ator não possui um bom gogó para conseguir refletir o que sente.

    Na trama, acompanhamos o ladrão Jean Valjean, que após roubar um pão e ser preso, decide redimir os erros de sua vida. Mas aos olhos da lei e do inspetor Javert, nenhuma mudança transformaria sua marginalidade. O que faz o inspetor persegui-lo durante a vida toda. Mesmo tornando-se um homem melhor, Valjean não reconhece o sofrimento de uma de suas trabalhadoras que cai em desgraça após ser demitida. É um novo sinal para recuperar sua crença e prometer que cuidará de sua filha, Cosette.

    A história trabalha, em toda sua magnitude que abrange o século XIX como um todo, o viés do tempo e das mudanças históricas. Acompanhando a vida de personagens que foram marginalizados tanto pelas misérias da vida como pela situação da França como país, aqui situado entre a grande batalha de Waterloo e a Revolução.

    Críticas mencionaram o exagero dramático da produção, mas é necessário pontuar desde já que um musical potencializa as ações representadas com maior intensidade e o próprio romance de Victor Hugo é uma narrativa romântica por sua construção sensível e representação crítica da sociedade.

    O grande pecado do filme é não saber diferenciar que o teatro tem formato diferente do cinema. No espetáculo da Broadway, pode ser funcional uma história de 160 minutos em que quase todas as falas são ditas de maneira cantada. No filme, o efeito soa artificial como se as personagens estivessem obrigadas a dizer suas falas somente dessa maneira. Até os musicais mais antigos se pautavam de maneira equilibrada entre números de dança ou voz e partes faladas que dão sequência a ação. Em uma história que permanece demais sequenciando canção após canção, a força das mesmas se perde. Ainda mais quando a gravação foi feita no decorrer da cena, evidenciando quem tem talento e quem fez aulas específicas para as filmagens.

    O astro da produção é seu protagonista, Hugh Jackman, que expõe seu talento vindo da tradição do teatro e, portanto, familiarizado com o estilo. O algoz da personagem, Russell Crowe, parece desconfortável em cantar, ainda que realize uma boa canção solo. O Oscar dado a Anne Hathaway é uma das premiações que se valeu de sua intensa cena solo, da canção mais famosa da trama, I Dream a Dream. Nas outras personagens coadjuvantes, Sacha Baron Cohen, em seu segundo filme musical, demonstra segurança tanto na interpretação como na voz e parece diferenciar sua carreira entre as produções próprias com personagens excêntricos  e aquelas mais tradicionalista que realiza com outros diretores.

    Tentando manter a fidelidade com o musical da Broadway, mesmo não sendo um espetáculo filmado, Os Miseráveis perde parte de sua alma como uma produção cinematográfica. A inovação de cantar do próprio estúdio não salva excessos que poderiam ser evitados se a adaptação não se apoiasse somente no espetáculo teatral, esquecendo que a sétima arte tem um formato diferente.

  • Resenha | Preacher

    Resenha | Preacher

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    Criada por Garth Ennis e Steve Dillon, escrita pelo primeiro e desenhada pelo segundo, além das capas feitas por Gleen FabryPreacher se tornou rapidamente uma das publicações da Vertigo mais famosas dos anos 90 devido ao seu estilo cínico, cheio de ação e de críticas a religião e a sociedade ocidental como poucas da época.

    Os 66 números se tornam uma leitura relativamente rápida, mesmo com pouco tempo disponível é possível ler sem maiores problemas uma média de 4 ou mais números por dia, ou a metade de um dos 9 arcos da história, e concluí-la em menos de 1 mês. A série tem as suas metáforas e reflexões interessantes, mas também tem muita ação, o que a faz ter um equilíbrio para quem busca algo a mais em uma HQ de leitura rápida.

    Sinopse: o reverendo Jesse Custer foi possuído por uma entidade que lhe confere a voz de Deus, super poder este que faz com que qualquer um lhe obedeça. Juntam-se a ele sua ex-namorada Tulipa e o vampiro irlandês porra-louca Cassidy. Devido a explosão da igreja onde estava na hora em que recebeu o poder, os três são caçados pelo governo americano e pelo Santo dos Assassinos enquanto ajudam Jesse em sua busca pelo paradeiro de Deus no meio de duas grandes conspirações, uma envolvendo a política celeste e a outra o Santo Graal.

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    Os três protagonistas: Jesse Custer, Tulip O’ Hare e Cassidy

    A história em si, apesar de regular, inova pouco dentro da narrativa de super-herói, todas as convenções do gênero estão lá. O que Garth Ennis faz é subvertê-la de forma interessante: o super poder do protagonista é pouco utilizado (ele é até esquecido às vezes, como no número 33), todos sabem a identidade secreta do (super-herói) pregador, ele tem uma namorada e um melhor amigo, sua galeria de vilões são todos regionais (específicos de locais por onde os protagonistas passam), com exceção do super vilão Herr Starr, que o persegue o tempo todo, além de que um importante personagem morre e retorna no número seguinte.

    A premissa de Preacher é a crítica ferrenha aos valores cristãos-católicos, na figura do ex-pregador que vai acertar as contas com Deus. Sendo mostrado o tempo todo de forma patética por fugir do céu e evitar o confronto com Jesse, Deus e as criaturas celestiais na história tem tantas falhas quanto os humanos, sendo movido pelos seus interesses pessoais, acima do bem comum, conspirando e assassinando, ao invés de promover o amor e a tolerância entre os humanos, como também salvar a humanidade.

    Onde esta Deus

    Jesse pergunta pelo todo poderoso…Preacher cena mais interessante

    …e finalmente o encontra em um dos melhores momentos da série.

    Ao longo da trama, Garth Ennis trabalhou bastante os protagonistas da série da Vertigo. Jesse e Tulipa, no entanto, tiveram poucas mudanças de caráter e de personalidade. Jesse começa e termina a história com seu senso moral de fazer o que acha certo a sua maneira, querendo acertar as contas com Deus, e enquanto isso não acontece se mete em brigas com quem quer que cruze o seu caminho.

    Tulipa como uma assassina de aluguel cheia de vida ainda é a namorada perdidamente apaixonada por Jesse e o segue até o fim. Ela tem dúvidas e incertezas quando posta de lado por ele algumas vezes, mas sempre são contornáveis no final das contas. Seu momento mais marcante de mudança de personalidade é quando fica de luto, e é aí que o autor lhe confere a qualidade mais interessante: ficar em depressão profunda.

    amar ate o fim do mundo

    O casal apaixonado

    Cassidy, por outra vez, se torna de longe o personagem mais tridimensional e o mais interessante. O alter ego irlandês do autor é dúbio, tem falha de caráter e o seu passado é um dos mais ricos de todos. Talvez por ser a mais extensa (já que ele é um vampiro de quase 100 anos), é a que melhor detalha a mudança de personalidade de Cassidy com situações que mostram a sua essência: ele te seduz sendo um bom amigo que faz tudo por você até se tornar um filho da mãe que te esfaqueia pelas costas. Ele te usa, e quando você não tem mais serventia, te joga fora. Em suma, pode-se dizer que é um vampiro social.

    Cassidy

    Cassidy saboreando a carne depois de amaciá-la em uma briga

    Um dos pontos altos na obra é o cinismo de Garth Ennis. Todas as grandes sacadas da narrativa envolvem mostrar situações onde algum personagem respeitável está fazendo algo condenável moralmente, ou quando sofre ou morre de forma esdrúxula. O mais curioso é que isso não se restringe somente aos protagonistas: todos os que fazem parte da história em algum momento caem nas armadilhas preparadas pelo autor, mostrando o quão patéticos eles são naqueles momentos. É aí que o leitor será surpreendido, quando o esquisito, o grotesco se apresenta.

    D'Aronique

     O Grande pai D’Aronique golfando, já que sofre de bulimia

    advogada do quincannon

    Senhorita Oatlash, a advogada de Odin Quincannon dando em cima de Jesse

    preacher_28_08Herr Starr escolhendo uma peruca

    Pai da Tulipa

    Pai da Tulipa morto por caçadores de forma patética: cagando no mato

    Outro ponto alto são os diálogos, que são sempre mostrados de forma a fornecer ao leitor mais sobre as particularidades dos personagens, como também de dar mais informações a cerca do universo que os circunda. Bem escritos, soam críveis na maioria das vezes, tendo uma ou outra escorregada aceitável.

    A série é muito violenta e a violência é apresentada de forma crua, sendo que a sugestão dela poucas vezes ocorre. O gore praticamente dá as caras o tempo todo quando pessoas são mortas por armas de diversas formas possíveis. Pode ser um incômodo para quem tem problemas com tamanha exposição, mas para quem gosta é um prato cheio.

    Violencia preacher

    O desenho de Steve Dillon no geral é interessante. Os personagens comuns são retratados de forma usual, mas o seu melhor se encontra nos personagens bizarros como Santo dos Assassinos, Cara-de-Cu, Herr Starr, Marie L’Angell, o grande pai D’Aronique, Odin Quincannon, entre outros. No traço de Dillon eles se tornam tão característicos e enigmáticos que são reconhecíveis facilmente inclusive quando mal aparecem em cena.

    Odin Quincannon

    Odin Quincannon, um dos vilões mais bizarros

    Sua caracterização de ambientes e cenários também é satisfatória, dando ao leitor a fácil capacidade de se ambientar no meio de tantas andanças que ocorrem ao longo da série.

    Mas seu traço também tem um problema que incomoda: o rosto das personagens femininas são quase sempre iguais. Isso só não torna mais difícil a caracterização para o pelo leitor pois as cores bem usadas das roupas e cabelos diferentes permite a identificação, mas ainda assim deixa a história mais pobre.

    Mulheres iguais

    As duas personagens femininas e seus traços muito parecidos

    As capas de Gleen Fabry são um espetáculo a parte. De uma forma mais realista, as ilustrações tentam elevar os personagens desenhados por Dillon um patamar diferenciado.

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    Preacher vale a pena? Definitivamente pela relevância alcançada que tem no mundo dos quadrinhos alternativos dos anos 90. Ennis conseguiu atingir um nível superior de qualidade entre o auge das histórias com heróis super fortes e cor digital da Image e as fracas tramas de quedas de heróis da DC/Marvel. Junto com Grant Morrison, Neil Gaiman liderou a vanguarda alternativa do selo Vertigo, e se tornando uma alternativa interessante para uma época que o tempo mostrou ser relevante até hoje.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Resenha | Frostbite: Um Romance de Lobisomem – David Wellington

    Resenha | Frostbite: Um Romance de Lobisomem – David Wellington

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    Para falar a verdade, nunca fui muito fã de lobisomens. Até hoje, não conheço um filme decente que faça jus às criaturas místicas que são uma mistura grotesca de homem e lobo e mais poderosas e ferozes do que qualquer outro predador. No entanto, alguns livros atualmente sobre lobisomens os trazem de uma maneira diferente, não havendo um meio termo: nasceu a lua cheia, são lobos. Lobos de verdade, e não os híbridos bizarros. Esse é o caso de Frostbite e, apesar de eu preferir o modo trash lobisomem de ser, esse livro está entre os melhores relatos desses monstros que eu já tive o prazer de ler. Com personagens atormentados e uma sequência frenética de acontecimentos, essa é uma leitura indispensável para todos aqueles que buscam por sangue e um ritmo caótico.

    Narrado em terceira pessoa, essa mesma narrativa se divide em dois momentos: quando Chey, a protagonista, está em sua forma humana, e outro enquanto ela está em sua forma de lobo. É evidente a mudança que ocorre mesmo no modo de contar a história quando esses dois momentos mudam. Quando humana, tudo se desenrola de acordo com os sentimentos da protagonista, seja quando está com raiva, com medo ou com a certeza de que vai morrer. Quando loba, tudo que quer é sangue e morte, dando assim um ar tenebroso para aquela protagonista que, mesmo forte, não parecia ter essa maldade dentro dela.

    Sim, tem um casal protagonista de lobisomens (own). Porém, não há drama e não há meninices nessa parte. Você torce por eles por serem parecidos (veja bem, no primeiro encontro deles como humanos, ele tenta matá-la com um machado. No primeiro encontro deles como lobos, ela tenta arrancar a jugular dele com os dentes, não é o casal perfeito?) e combinarem. Porém, desde o princípio fica evidente que a protagonista tem um segredo que a levou até ali. E é o que nos leva ao outro ponto forte do livro: os personagens.

    A protagonista não é uma donzela indefesa. No entanto, ela também não é a personagem mais útil do livro enquanto humana. Não porque ela não pensa no que faz, mas sim porque os outros são simplesmente muito mais habilidosos e mais treinados do que ela. Porém, ela tenta, e ganha respeito por não desistir mesmo quando tudo parece dar errado e ela está, literalmente, toda quebrada em algum canto da floresta. O outro, Powell, que é o lobo que a transformou, também merece ser mencionado por condizer o tempo todo com a impressão inicial que passa ao leitor. Ele não muda aquilo em que acredita e não contém sua raiva quando certas coisas acontecem. Powell é, acima de tudo, um predador.

    Existem, é claro, alguns personagens babacas, como o namorado de Chey, que não o é por ser um personagem mal criado, mas por ser criado tão bem em suas manias que é simplesmente um babaca completo. Todos os personagens são únicos e bem feitos. E agora vamos ao melhor personagem do livro: Dzo.

    – Eu sei. O engraçado é que não estou com tanto medo de ser morta como estou de falar com Powell novamente. Mas você não entederia isso.

    Ele ergueu as mãos em desculpas fracas.

    – Talvez você morra entes de ir tão longe – sugeriu ele.

    – É – Ela começou a andar novamente – Obrigada, Dzo.

    Ele não se importa com o que você pensa, como você aparenta ou quem diabos você é. Dzo é a criatura mais pacífica e mais despreocupada que você poderia conhecer em toda sua vida. Suas palavras de sabedoria (como visto ali em cima) são indispensáveis para você manter foco no seu objetivo. Como a pessoa que me emprestou o livro disse: todo mundo deveria ter um amigo como o Dzo, e eu concordo com ela. É um personagem cativante que permanece uma incógnita até o final do livro. Apenas capaz de entender frases literais, é digno dos melhores diálogos presentes no livro.

    Por último: as transformações. Diferente dos seriados, filmes etc., a transformação que David Wellington narra é muito mais poética do que a grotesca quebra de ossos e dores absurdas. A luz da lua toca o lobisomem e seu corpo se desfaz, como se nunca houvesse existido, e em seu lugar o lobo se materializa. Foi uma surpresa agradável – apesar de preferir as transformações dolorosas e repletas de gritos – ter uma visão de como ele quis colocar os lobisomens: como se lobo e homem fossem duas entidades diferentes com duas consciencias distintas.

    Portanto, apesar do final um pouquinho frustrante – afinal, era desejável que a protagonista arrancasse a cabeça dos antagonistas a dentadas -, o autor criou e desenvolveu uma excelente história de lobisomens e recomendo a leitura até mesmo para quem nunca foi, assim como eu, um grande fã dessas criaturas.

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    Texto de autoria de Thiago Suniga.

  • Crítica | O Amante da Rainha

    Crítica | O Amante da Rainha

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    Nikolaj Arcel foi roteirista da versão sueca de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, mas seu novo filme como diretor tem pouco em comum com o romance policial. O Amante da Rainha, indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro pela Dinamarca, é um drama de época, clássico, embora violento a sua maneira.

    Caroline é uma adolescente inglesa enviada à Dinamarca para se casar com o jovem rei, o instável Christian. Entre a loucura de Christian  e a constante vigilância da corte, Caroline, ainda uma menina, vive infeliz e solitária até conhecer Johann Struensee o novo médico real. Excêntrico, Johann consegue se aproximar do rei e ajuda-lo a exercer realmente seu poder,de forma humana e moderna, além de começar um caso com a rainha. Mas O Amante da Rainha é uma tragédia e no final tanto o plano de uma nova Dinamarca quanto o romance do casal desmoronam.

    O fio condutor da narrativa é uma carta que Caroline escreve aos filhos no leito de morte e é a voz dela que guia os acontecimentos. Quase todo o filme se passa dentro do palácio, ricamente decorado, mas claustrofóbico, o único momento em que há luz e ar é quando Caroline se aproxima de Johann. Essa oposição entre ambientes fechados e abertos, iluminação dourada e cinzenta, marca de forma muito clara  as partes do filme: a solidão inicial de Caroline, o idílio com Johann e o sonho de uma Dinamarca iluminista e o drama final.

    Da mesma forma o filme opõe iluminismo e religião: a juventude de Caroline, Johann e Christian à velhice dos membros do conselho, suas roupas claras ao preto deles e inclusive a luz com que os personagens são iluminados. A discussão de Arcel sobre o peso da religião na política e os interesses do jogo político são extremamente atuais, ainda que ele cite filósofos do século XVIII.

    O Amante da Rainha se parece com uma tragédia grega, ou de Shakespeare: é a paixão dos personagens que os destrói no fim e desde o início o diretor anuncia isso. O espectador vê , devagar, o poder subindo a cabeça de Johann e Caroline se tornando menos cautelosa em esconder sua traição. O filme é tenso porque envolve o espectador no destino dos personagens, o faz gostar e torcer por eles, mesmo sabendo desde o início que o final não pode ser bom.

    Arcel fez um filme clássico, em termos de cinema e dramaturgia, extremamente minuncioso e bem feito. Mads Mikkelsen (aparentemente o ator nacional da Dinamarca) dá nuances variadas ao seu Johann, mas é Alicia Vikander que brilha no filme: o sofrimento de sua Caroline é real e pungente e ela é igualmente frágil e ousada.

    O Amante da Rainha é um filme longo e de pouca ação. Mas é bem filmado, muito bem atuado e angustiante como as melhores tragédias.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Resenha | Batman: Vitória Sombria

    Resenha | Batman: Vitória Sombria

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    De tempos em tempos, alguns artistas se sobressaem dentre os demais, entregando grandes histórias que certamente serão lembradas por muitos leitores. Vitória Sombria é um desses casos, recebendo um merecido Eisner Award de melhor álbum republicado em 2002.

    Com texto de Jeph Loeb e arte de Tim Sale, Vitória Sombria foi lançada originalmente em treze edições como uma sequência direta de O Longo Dia das Bruxas, da mesma dupla de artistas. O lançamento nacional demorou a ocorrer, sendo anunciado pela Abril Comics por duas vezes, mas chegando ao Brasil apenas em 2003 nas mãos da Panini Comics. Quase dez anos depois, chega às livrarias uma edição reunindo a minissérie em um merecido encadernado de luxo.

    A história se passa logo depois do fim de sua antecessora, e mostra um pouco do que a cidade de Gotham se tornou com a morte do chefão Carmine Falcone e a prisão de seu filho, Alberto, descoberto como o assassino Feriado em O Longo Dia das Bruxas. O crime organizado está desmantelado e todos os “vilões-aberração” do Morcego estão no Arkham.

    O cenário parece promissor; no entanto, uma nova promotora chega à cidade e consegue a libertação de Feriado, alegando que a prisão teria sido ilegal, já que violou seus direitos civis com o uso excessivo de força por parte de Batman. Além disso, uma rebelião eclode dentro do Asilo Arkham, libertando seus principais internos. No meio disso tudo, o chefe de polícia aparece enforcado, trazendo um bizarro jogo da forca que será repetido em outras vítimas, todas policiais, ao longo da narrativa. Se isso já não fosse o bastante, Batman não aceita bem o fato de Harvey Dent ter se tornado o Duas-Caras e se isola cada vez mais na escuridão.

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    Estas tramas paralelas vão se encaixando umas nas outras a cada capítulo e dando forma ao quebra-cabeça proposto pelo autor. Loeb conduz um thriller policial com extrema competência, suscitando diversas dúvidas no leitor sobre quem está por trás dessas mortes. Os inúmeros personagens colocados na trama são bem desenvolvidos, tendo importância direta nela. As nuances contidas em cada personagem são extremamente bem desenvolvidas, deixando exposto o quão falíveis são cada um deles, como é o caso de Gordon, Dent e o próprio Batman. Algo que serviu de influência para o que veríamos em O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, em 2008.

    Assim como grandes obras do cinema que mostram o seio de uma organização mafiosa, como é o caso de O Poderoso Chefão, Vitória Sombria não deixa nada a desejar, trazendo várias semelhanças entre elas, nada propositais, de acordo com os autores. Loeb leva a decadência da cidade de Gotham às últimas consequências, assim como Coppola faz o mesmo em O Poderoso Chefão 2. A arte de Tim Sale expressa esse submundo como ninguém, com um apreço ao trabalho de sombras, e, claro, as cores de Gregory Wright.

    Vitória Sombria está no rol de grandes histórias do Morcego. A construção narrativa e o desenvolvimento de personagens de Loeb, aliados ao traço de Tim Sale, tornam esta HQ imprescindível para os amantes de quadrinhos e de romances policiais.

  • Crítica | Amanhecer Violento

    Crítica | Amanhecer Violento

    Amanhecer-Violento

    A cena inicial tem um estilo de documentário. São mostradas, em rápida sucessão, imagens jornalísticas (muitas delas reais) situando um conturbado cenário internacional. Crise econômica na Europa gerando protestos civis; o Oriente Médio em crescente agitação, o que exige maior participação militar norte-americana; a Rússia de alguma forma envolvida em tudo isso; e, principalmente, a Coreia do Norte assumindo uma postura cada vez mais belicosa, deixando os analistas políticos do mundo inteiro perplexos e apreensivos. Tal abertura parece indicar uma preocupação em ser realista, ou ao menos apresentar uma extrapolação crível da nossa realidade… “só que não” elevado à enésima potência. Amanhecer Violento é, mais que um filme, um ode à inverossimilhança.

    Um belo dia, os moradores da pequena cidade de Spokane, localizada próxima a Seattle, têm sua tranquilidade quebrada ao acordar e ver o céu cheio de aviões e para-quedas inimigos. Norte-coreanos. Exatamente: a Coreia do Norte está empreendendo uma invasão em larga escala aos Estados Unidos. Com as forças da Lei rapidamente dominadas, cabe a um grupo de adolescentes formar uma resistência contra os invasores. Liderados pelo deus do trovão, Thor (quer dizer, Jed, um jovem soldado interpretado por Chris Hemsworth), eles vão assumir o nome do time de futebol local, os Wolverines, e do dia para a noite vão virar mestres na arte da guerrilha.

    A direção do estreante Dan Bradley não é das mais inspiradas, as atuações são todas sofríveis (em especial a de Josh Peck vivendo o rebelde Matt, irmão de Jed), mas deixa isso pra lá. Muito mais divertido é analisar a coleção de furos desse inacreditável roteiro. Vamos considerar que os norte-coreanos enlouquecessem de vez e declarassem guerra aberta aos EUA. Bombardeios intensos seriam uma opção mais lógica do que uma invasão. Porém, o filme sugere que o interesse dos orientais não é destruir o inimigo, nem roubar seus recursos naturais, e sim algo como “tornar o país um lugar melhor para as pessoas que vivem lá, libertando-as do capitalismo maligno etc”. Fingindo que isso tem um resquício de sentido para podermos ir em frente, surge a pergunta natural: de onde a Coreia do Norte tirou os recursos (humanos, inclusive) pra fazer isso? Pois é dito no filme que a ocupação está acontecendo no país inteiro, não apenas nos grandes centros. Ah, os russos ajudaram fornecendo tecnologia, equipamentos? Tudo explicado, então.

    E quanto a todo o poderio bélico americano, que não dá as caras mesmo passando-se várias semanas desde a invasão? Sério mesmo que devemos aceitar que uma movimentação militar desse tamanho passou despercebida, ou talvez que TODO o contingente dos EUA estivesse no exterior? Quando, próximo ao final, a coisa adquire ares de ficção científica (é sugerido que os invasores têm uma nova superarma elétrica que desliga todas as máquinas inimigas), o filme se torna nada além de risível. Aliás, o fato de se levar totalmente a sério, o tempo todo, também contribui muito pra isso.

    Amanhecer Violento é na verdade um remake. No original, de 1984, os invasores eram soviéticos. Já era algo forçado, mas perdoável, dada a ameaça mais palpável da Guerra Fria e a ingenuidade geral que ainda havia na época. Esta nova versão foi filmada em 2009, e o atraso em seu lançamento deve-se a dois fatores. A gigantesca crise pela qual passou o estúdio MGM, e outra que adiciona uma nova camada de ridículo: originalmente o inimigo era a CHINA (o que até faria o filme ter um pouco mais de sentido, mas só um pouquinho mesmo). Como os chineses estâo entre os maiores investidores de Hollywood, além de um mercado consumidor altamente lucrativo, há uma diretriz de não mais colocá-los como vilões. Amanhecer Violento optou por simplesmente alterar falas e algumas imagens na pós-produção, e magicamente “China” virou “Coreia do Norte”. Asiáticos são todos iguais mesmo, afinal. Sabendo disso, fica hilário notar que permaneceram no filme vários cartazes em vermelho e amarelo, com mensagens comunistas.

    Depois de tudo isso, não há necessidade (ou mesmo vontade) de analisar os aspectos mais práticos da produção. Como a narrativa péssima, personagens rasos, sem carisma nem desenvolvimento, ou a fotografia e cenas de ação… vá lá, razoáveis. Amanhecer Violento merece ser lembrado como um dos filmes mais ERRADOS de todos tempos, perdendo por muito pouco para o inigualável Imortais.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Resenha | Red Luna: A Biblioteca do Czar – Gabriel Morato e Marcos Inoue

    Resenha | Red Luna: A Biblioteca do Czar – Gabriel Morato e Marcos Inoue

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    Red Luna é um projeto transmídia (entenda aqui o que é isso) cuja etapa inicial é a publicação de uma série de três livros, dos quais A biblioteca do Czar é o primeiro. Além dos livros, a princípio, haverá também a publicação de quadrinhos que complementarão o universo criado pela equipe de escritores, roteiristas e ilustradores.

    Universo Red Luna
    Três raças de vampiros, ou Hollows, lutam entre si desde tempos imemoriais: os Devas, os Varnis e os Auras. Suas origens estão envoltas em mistério, e o ódio que sentem uns pelos outros só cresceu ao longo dos tempos. No meio desse fogo cruzado, está a Humanidade, de quem se alimentam.
    A cada ascensão e declínio de um império vampírico, novas peças são acrescentadas a uma épica e milenar partida de xadrez. As histórias de Red Luna relatam como cada um desses clãs surgiu e como a inimizade entre eles começou.
    Cada livro focaliza um protagonista diferente, com seus conflitos únicos e em determinado período da História, mas todas as tramas acabarão por se entrelaçar numa batalha pela Terra Prometida dos Hollows: Red Luna
    (fonte: primeira orelha do livro)

    O leitor acompanha as aventuras de Miguel, um rapaz morador de uma cidade costeira no País Basco que, junto com uma cigana, cuida da taverna deixada pelo tio que partiu em viagens. Em circunstâncias inesperadas, Miguel descobre que o tio talvez esteja em perigo e, com o auxílio de Alisa, uma princesa Varni, parte em viagem para a Rússia a fim de localizá-lo.

    Apesar de o texto ser escrito em terceira pessoa, o narrador não é onisciente. O narrador observa e relata os fatos do ponto de vista de Miguel. Sendo assim, não revela o que acontece aos demais personagens quando não estão com ele. Se, por um lado, é interessante ao criar uma identificação do leitor com o personagem – já que o que Miguel (não) sabe, o leitor (não) sabe; por outro, dá a impressão em alguns momentos de que a narrativa está incompleta. Porém, mesmo essa aparente falta de informações é benéfica, já que instiga o leitor a ir procurar em outras fontes o que “falta” – nos quadrinhos, no site, ou qualquer outra mídia que esteja compondo o universo Red Luna.

    O livro é voltado ao público infanto-juvenil, o que minimiza o efeito negativo de a história lembrar muito – muito mesmo – o roteiro de Indiana Jones e a Última Cruzada. O tio de Miguel, Lasko, é dado como desaparecido, assim como o pai de Indiana. Miguel encontra-se em posse de um caderno com anotações de Lasko; em certo ponto da trama, ele deve enfrentar desafios cujas pistas para a solução estão no caderno de Lasko; e o último obstáculo é um obstáculo de fé, assim como o “leap of faith” do filme. Enfim, para quem cresceu assistindo aos filmes de Indiana na Sessão da Tarde, e que não é o público-alvo deste livro, essa sensação de déjà-vu pode atrapalhar a imersão na estória. Contudo, o público infanto-juvenil certamente não tem essa referência tão fortemente arraigada e deve se deixar conquistar pela escrita fluida do autor.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Hitchcock

    Crítica | Hitchcock

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    Desde a fundação da sétima arte, alguns profissionais – sejam produtores, diretores ou atores – desenvolvem uma carreira tão ímpar, muitas vezes com talento destacado, que transformam-se também em personagens para futuras histórias, de criador para criatura.

    Retratar uma personalidade em um filme biográfico, apresentando sua vida em totalidade, sempre é uma missão ingrata. Algumas produções vêm optando por apresentar parte da história, em um momento significativo que apresenta o cerne do biografado de forma que seja possível compreendê-lo – Sete Dias Com Marilyn e Capote utilizaram-se deste estilo.

    Hitchcock abrange o período de criação de Psicose, uma das obras mais significativas do mestre do suspense. Prestigiado desde a época, o diretor sofria leve pressão da crítica e do público, que aguardavam ansiosos por um novo e excelente projeto, questionando se a idade não teria amenizado Hitchcock. Em meio as incertezas, Hitch investe em um romance recém-lançado de Robert Bloch, uma narrativa inspirada no serial killer Ed Gein – homicida, ladrão de lápides que utilizava cadáveres como troféus – que nenhum outro estúdio se atreveu a utilizar.

    A trama inicia-se em uma representação da história de Gein, emulando o programa de televisão “Hitchcock apresenta”, em que o diretor era mestre de cerimônia. Dialogando com o público, Hitch justifica que, se não houvesse a horrenda história do assassino, sua obra-prima não viria à tona.

    Filmar uma história real, violenta ao extremo, em época moralista e com censura cinematográfica era um processo difícil. O diretor teve que investir dinheiro do próprio bolso para a realização, já que a Paramount Pictures, com que tinha um contrato, aceitou somente distribuir a produção.

    Dono de um perfil genial e genioso, dedicado aos prazeres da comida, romântico ao se apaixonar por cada uma de suas estrelas loiras, boa parte da sustentação de Hitchcock vinha de sua esposa, Alma Reville, roteirista e editora que teve um papel fundamental na conclusão de Psicose mas que, durante a produção, sente-se negligenciada pelo marido.

    A problemática profissional e pessoal parece eclodir em Psicose, dando corpo à loucura da personagem e ao genialismo de Hitchcock, ciente de que a censura negaria a distribuição do filme e trabalhando de maneira minuciosa para produzir cenas que sugerissem as ideias mais agressivas, sem de fato mostrá-las, como a famosa cena do chuveiro, que se tornaria um marco cinematográfico.

    O desenvolvimento desta biografia consegue apresentar os bastidores de uma grande obra sem cair no fetichismo da curiosidade de revelar a história por trás da história. Sustenta-se principalmente pela composição das personagens, com Anthony Hopkins incorporando o diretor com pesada maquiagem, desafiando a imagem de um homem genial o tempo todo, também carente de atenção e estranhamente encantado por suas atrizes. E Helen Mirren sempre em atuações pontuais como a esposa porto seguro que compreende as limitações do marido sem nunca deixar de amá-lo.

    Foi um dos filmes mais grandiosos da carreira de Hitchcock e sua composição tornou-se exemplo para outros filmes que viriam. Nesse longa biográfico com direta homenagem a ele, com maquiagem indicada ao Oscar, a trama mistura-se à história do cinema para apontar como uma lenda se transforma em lenda.

    O roteiro foi baseado no livro Alfred Hitchcock e Os Bastidores de Psicose de Stephen Rebello, lançado no país pela Intrínseca, com tradução de Rogério Durst (Clique aqui para comprar). A história do diretor também gerou uma produção da HBO Films com a BBC, intitulada The Girl.

  • Crítica | O Voo

    Crítica | O Voo

    o voo - poster

    Robert Zemeckis há muito tempo abandonou a direção de filmes live-action para trabalhar com animações, tendo um papel fundamental na evolução de técnicas como a captura de movimento, como visto em seus últimos trabalhos – O Expresso Polar, A Lenda de Beowulf e Os Fantasmas de Scrooge. Contudo, essa escolha o deixou bem pouco presente na grande mídia. Doze anos depois de Náufrago – último live-action do diretor -, Zemeckis retorna de onde parou e entrega um grande filme.

    O Voo conta a história de Whip Whitaker (Denzel Washington), um talentoso piloto de aviões comerciais, alcoólatra e usuário de drogas. A história se desenvolve como numa manhã qualquer na vida desse piloto. Whip acorda num quarto de hotel, acompanhado de uma de suas comissárias de bordo, ainda sob efeito de álcool da noite anterior, cheira cocaína para cortar o efeito da bebida e parte para mais um dia de trabalho rotineiro. No entanto, após uma falha técnica em sua aeronave, Whip é obrigado a realizar um pouso forçado de forma pouco usual e acaba salvando a vida de boa parte dos passageiros: 96 dos 102 que estavam a bordo sobrevivem.

    Após salvar praticamente toda a tripulação da morte iminente, Whip é celebrado como herói. Contudo, sua vida começa a sair do controle quando descobre que a FAA (Federal Aviation Administration) está realizando uma investigação e que exames de sangue já foram coletados comprovando o consumo de álcool e drogas antes de o avião decolar, fato que poderia comprometer toda sua carreira e colocá-lo na prisão.

    Com os aspectos centrais da trama colocados em seus devidos lugares, Zemeckis desenvolve sua narrativa, tirando o foco do acontecimento alimentado de modo sensacionalista pela mídia para acompanhar os dilemas éticos de seu protagonista. Whip é autodestrutivo, afastando todos ao seu redor, sua família, amigos e até mesmo seu novo laço afetivo, Nicole (Kelly Reilly), uma ex-viciada.

    O grande mérito do filme é não escolher lados em seus temas, e este é também um de seus maiores problemas. O Voo deixa claro que seu protagonista é um alcoólatra funcional, sugerindo que talvez ele mesmo não tivesse realizado o pouso de forma tão eficaz se não estivesse sob efeitos de álcool e outras drogas. Essa figura questionável não o isenta de suas responsabilidades, assim como também não o redime. Contudo, em seu desfecho só soa extremamente moralista e melodramático, jogando fora boa parte da narrativa que havia construído até então para se tornar um dos contos de superação que inundam Hollywood ano após ano.

    A composição de personagem de Denzel Washington é um show à parte. Pouco a pouco se vê na tela a decadência de um homem sem horizonte, que tenta em vão vencer seus vícios em uma interpretação minuciosa, que foge da obviedade de seus papéis anteriores. Os trejeitos e olhares com os quais o personagem pede uma bebida em dado momento do filme imprimem o quão frágil seu personagem é, numa atuação intensa que demonstra toda sua angústia através de pequenos gestos corporais de suas mãos e boca, assim como sua confiança parece retornar após tomar o líquido tão esperado ou inalar cocaína, se tornando novamente o sujeito arrogante e cheio de si. O elenco coajuvante é interessante, principalmente as participações de John Goodman e Don Cheadle, trazendo debates ou cenas interessantes para a trama; no entanto, a personagem de Reilly parece ter saído de não sei onde para ir para lugar algum, tamanha a importância e a forma abrupta com a qual é utilizada.

    O Voo, apesar de extremamente didático em seu desfecho, traz uma das melhores performances de Denzel Washington nos últimos anos, além de trazer o retorno de Zemeckis na direção live-action. Uma pena pecar em ousadia.

  • Agenda Cultural 50 | Miseráveis, Hitchcock e um filme Duro de Assistir

    Agenda Cultural 50 | Miseráveis, Hitchcock e um filme Duro de Assistir

    agenda50

    Bem vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Rafael Moreira (@_rmc), Carlos Brito, Jackson Good (@jacksgood) e o convidado chapa-branca Carlos Tourinho (@touroman), do Pauta Livre News e Iradex, se reúnem em mais uma edição da Agenda Cultural trazendo dicas de literatura, quadrinhos, música e cinema. Enjoy it.

    Duração: 101 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Rafael Moreira

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    Comentados na Edição

    Literatura

    A Cidade Inteira Dorme e Outros Contos Breves – Ray Bradbury (compre aqui)
    A Espetacular Vida da Morte – MJ Macedo (compre aqui)
    Série A Torre Negra – Stephen King (compre aqui)

    Quadrinhos

    Segredo de Família – Eric Heuvel (compre aqui)

    Música

    David Bowie – The Next Day
    Eric Clapton – Old Socks
    Bon Jovi – What About Now

    Cinema

    Crítica Os Miseráveis
    Crítica O Voo
    Crítica A Hora Mais Escura
    Crítica Duro de Matar: Um Bom Dia para Morrer
    Crítica Amanhecer Violento
    Crítica Indomável Sonhadora
    Crítica Hitchcock

  • Resenha | Holy Avenger: Edição Definitiva – Vol. 1

    Resenha | Holy Avenger: Edição Definitiva – Vol. 1

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    “Lisandra. Criada por animais em uma ilha selvagem, esta jovem vivia feliz em seu mundo puro… Até que os sonhos vieram. Sonhos sobre o Paladino, um herói com o poder do Panteão. Sobre como ele havia sido derrotado por forças malignas. E sobre como Lisandra poderia ressuscitá-lo se encontrasse suas gemas divinas — os vinte Rubis da Virtude. Para ajudar Lisandra surgem Sandro, filho do maior ladrão do Reinado, Niele, a bela e maluca arquimaga élfica, e Tork, o troglodita anão.”

    Holy Avenger surgiu em 1998 dentro da revista Dragão Brasil, revista brasileira especializada em RPG (role playing game) e possúia um grande destaque à época. A história apresenta 40 edições que foram lançadas à época e, hoje, podemos conferir uma das HQs mais relevantes do mercado nacional sendo publicada em um material de luxo que agrada aos olhos de qualquer fã.

    O roteiro simples, porém cativante de Marcelo Cassaro não deixa a desejar. A história de Holy Avenger tem personagens carismáticos e uma narrativa envolvente. Soma-se a isso a arte de Erica Awano, uma expoente da arte em mangá no Brasil, com traços sutis, porém significativos, as quais podem ser visualizadas em um formato maior do que antigamente graças a essa edição definitiva.

    O material de luxo é de encher os olhos de qualquer pessoa que encontra o encadernado em uma livraria, porém possui um problema que incomoda qualquer um que acompanhava a série antigamente. Nas edições antigas sempre haviam algumas poucas páginas coloridas no começo das revistas. Estas, porém, foram simplesmente negligenciadas e esquecidas na edição definitiva. Isso pode parecer pouco, mas é um erro bastante grave considerando que a edição definitiva deveria possuir o ápice de qualidade em sua publicação – isso se aliando ao fato de que as páginas coloridas eram de excelente qualidade-, ainda mais considerando o preço “salgado” que está sendo comercializado, representando um certo descaso por parte da editora com o público.

    Pois bem, tirando  o problema da ausência de algumas páginas coloridas que simplesmente sumiram da edição, o material é de qualidade e poder relembrar as histórias de Lisandra e seu grupo de aventureiros  é sempre uma excelente pedida, ainda mais se você for fã de jogos de RPG e afins.

    Compre aqui.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.