Bilhetes é um quadrinho independente que tem como premissa uma interação diferenciada com seu leitor, exibindo seis mensagens anônimas, cujo objetivo é descobrir quem escreveu cada um dos tais bilhetes. Todo esse esquema interativo é muito bem explicado em um pequeno texto, que vem logo após o prefácio se Sidney Gusman, e cada uma das mensagens tem seu próprio espírito e caráter.
O primeiro segmento mostra um trabalhador a beira de um suicídio, seu nome é Claudiney, e ele faz um pedido a uma colega de trabalho para que entregue sua mensagem de despedida. A história é curta, não faz praticamente introdução nenhuma de personagens, e isso somado a abordagem direta e crua, dá a existência de Claudiney uma condição-ate aqui ao menos, sem saber o conteúdo da carta – de universalidade. Mesmo em sua simplicidade, há uma riqueza na exploração dos personagens mostrados nas curtas passagens.
Este primeiro, Harakiri Kamikazi tem arte do idealizador do projeto Paulo Borges, com roteiros de Marcelo Marchi, que segue escrevendo todos os outros textos.. Os outros desenhistas são Jean Diaz, Laudo Ferreira, Marco A. Cortez, Augusto Minighitti e Julius Ohta. A Rainha da Penitenciária, com arte de Minighitti tem traços característicos dos quadrinhos dos Estados Unidos mais adultos, com hachuras nos corpos dos surrados personagens e com um trabalho de sombra belíssimo, que lembra um pouco o trabalho de Frank Miller em Sin City, embora não seja muito semelhante. Aliás , o material gráfico ressalta bem o trabalho do desenhista, que não abdica de pessoalidade e personalidade mesmo sem ter cor. Este segundo capitulo também é curto e é visceral, conseguindo traduzir bem o ambiente das penitenciarias para o publico médio.
Tanto Na Pista, com desenhos de Ohta quanto Hora da Saída de Laudo Ferreira não são tão inspiradas quanto as primeiras, mas o resultado em Bichas é surpreendente, ainda mais por conta do tom macabro, que difere muito do traço estilizado de Marco Antonio Cortez. Caso se aprecie as imagens sem a leitura dos balões há a falsa impressão de se tratar de uma história fofa, no entanto, essa deve ser mais cruel delas.
A última história é Santa Clausura, um conto de vingança que inverte expectativas sobre mitos natalinos, violento e misterioso, pontuado pelo traço característico de Jean Diaz. Essa quebra de expectativa serve bem ao compilado e fecha bem esses especial financiado coletivamente. Por mais que um dos motivos para esse Bilhete seja apreciado more no mistério em associar os bilhetes as historias, os pequenos capítulos tem uma leitura bem desenvolvida, com alguns momentos não tão bons e outros excelentes, resultando em um trabalho de coletânea cuja leitura é fluida e repleta de discussões bastante profundas, apesar de não ter tantas páginas em sua composição.
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