Anos 90, o auge da Rob Liefeldização dos quadrinhos. Antes da Image, antes da era da escrotidão reinar, o “Jack Kirby” que a modernidade merece traria à luz um mutante sem poderes, cuja habilidade incluía a capacidade de mastigar (e viver) com pelo menos 68 dentes por arcada, ombreiras gigantes e claro, bolsos ad eternum. Cable, o líder da reformulada equipe X-Force, antes denominada Novos Mutantes, ganhou notoriedade e fama, obviamente merecida graças aos seus préstimos. No ano de 1996, data de publicação da aventura solo do filho de Ciclope, o portentoso criador ainda estava na editora número 3, cabendo a tarefa de trazer à tona Sangue e Metal pelo texto de Fabián Nicieza e lápis de contestado (ainda não estrelado) John Romita Júnior. A estética empregada na aventura não poderia ser mais filha do meio: todo o registro visual era tirado do clichê noventista, o que por si só já justifica 90% dos erros na arte.
O argentino Fabián Nicieza já trabalhava na Marvel desde o final dos anos 1980, escrevendo para os títulos dos Novos Guerreiros (vindo a trabalhar com o futuro artista de Transmetropolitan, Darick Robertson), Deadpool (a segunda criação mais famosa do “Mestre”) e a ótima As Aventuras de Capitão América, resgatando o ideário do personagem com temática diretamente relacionada ao início da década de 40. JRJR por sua vez já estava mais cascudo, após trabalhos em Amazing Spiderman, no Demolidor (pelo qual ganhou um prêmio Eisner) até atuando ao lado de Frank Miller e claro, já desenhara um arco maravilhosamente ilustrado do Homem de Ferro, mas o seu currículo não foi o suficiente para que ele não fosse obrigado a enquadrar seu lápis a praxe da época. A arte lembra muito a de Justiça Extrema e Youngblood, era Marvel tentando angariar seu público perdido imitando os artistas que perdera para a cooperativa Image.
O mutante grisalho é, aparentemente, o líder de uma força tarefa que intervém numa questão de imbróglio no Irã, envolvendo mais uma vez a questão intervencionista americana, contendo no texto um discurso bastante pró-capitalismo. A missão na verdade seria a de parar um grupo chamado Frente de Libertação Mutante, de cunho terrorista. O engraçado é que a Frente é formada por personagens muito distintos entre si, alguns levando até estereótipos nacionais, como o sino-adiposo Sumô. O contraste entre eles e o grupo de heróis é notório, especialmente porque fora Dominó, os capangas de Cable parecem versões menos portentosas suas, não há variação nem de design e poderio armamentista, e há pouco quanto a personalidade dos personagens.
As cores de Brad Vancata pontua alguns dos bons momentos de Romitinha, o uso da colorização digital era uma novidade na época, mas em alguns pontos ela peca horrorosamente, dando a obra um ar genérico, semelhante visualmente a Stormwatch, que Jim Lee iniciara alguns anos antes.
O grupelho, antes chamado de Comando Selvagem muda de alcunha, para o revolucionário nome de Matilha, e prossegue fazendo justiça com seus enormes trabucos e bombinhas de fumaça. Não há aprofundamento dos personagens, até porque essa não é a ideia da mini-série. Os vilões, Conflyto e Holograma além de não representarem qualquer perigo aos protagonistas, carecem de carisma e substância.
O segundo número vem com a tag de A Maior Batalha de Cable que evidencia algo estranho, talvez uma arrogância que não condiz com o nível da revista ou a baixa expectativa em relação às histórias do telepata grisalho. A Matilha é como uma equipe da Shield, mas de baixo escalão. O combate final é fraco e anti-climático demais e é condizente com o resto da obra. O grande problema da história é mesmo o cunho de propaganda enganosa, pois a maior batalha de um personagem deveria ter ao menos um bocadinho de ousadia, e a história de Nicieza não o tem, é igual a tudo o que já fora feito para o herdeiro bastardo dos Summers, portanto é extremamente dispensável.