Imagine um diálogo, com Superman dizendo: “Eu comecei tudo isso”, e o Fantasma, hoje esquecido pela cultura pop, dividida entre DC e Marvel, respondendo: “Eu sou uma piada pra você?”. Em 1936, um dos primeiros “heróis” dos quadrinhos surgiu, quase cem anos antes de vermos Hollywood ser salva (literalmente) pelo mundo das HQ’s. Assim, o Fantasma pode ser encarado como um fóssil dessas aventuras de pessoas estilizadas que lutam pelo bem, a justiça e o patriotismo (algo inserido dois anos depois na figura do Super Homem, 100% americano). Quando a realidade bateu na porta, e as pessoas perceberam que uma guerra, na década de 30, poderia de fato afetar o mundo todo, criou-se então o desejo de medo, de salvação. Não pelos militares, mas pelos novos deuses do homem moderno. Saiu o Hércules, veio o 21º representante dos Fantasmas da Ilha da Caveira.
E bem antes do Cabeça de Teia, e cia. Os cartunistas Lee Falk e Sy Barry criaram o arquétipo que iria definir, para sempre, o salvador dos oprimidos. Homem forte, inteligente e rápido, e que sempre vence os vilões antes de beijar sua amada, no final das histórias – nada previsíveis, acredite. O Fantasma vem de uma linhagem antiga de outros heróis do mesmo nome, e que ao habitarem a Ilha da Caveira pelos últimos quatrocentos anos, passaram o manto um para o outro, protegendo o lugar de perigos inimagináveis que o assolam. Assim, nota-se que a criação de Falk e Barry é inseparável da sua mitologia, tal qual Flash Gordon, mas algo diferente do Batman. A própria ilha do Fantasma, seus aborígenes, suas criaturas lendárias e seus desafios são intrínsecos a quem o personagem é, algo que mestres como Stan Lee evitaram de fazer com o Thor, por exemplo. O Deus do Trovão funciona muito bem lutando em Nova York, algo difícil de imaginar com o simpático e um tanto inocente Guardião da Caveira.
Entenda: O Fantasma – Casamento e Lua de Mel simboliza tempos mais simples, quando a pós-verdade era um conceito distante. No ano da publicação era OK dialogar sobre trágico de drogas, fanatismo religioso e totalitarismo político numa publicação para as crianças, e a polêmica talvez em torno disso poderia ser nula – principalmente devido ao talento de Falk e Barry em traduzir assuntos pesados através da ação, e do viés de uma jornada gostosa e descompromissada do herói. Ao explorar, no início dos primórdios dos quadrinhos de massa, arcos leves e muito expressivos envolvendo o Fantasma e a sua noiva Diana (uma mistura de Jane e Lois Lane) contra ditadores orientais, um deus do mundo antigo, e traficantes malucos escondidos na Ilha, torna-se irresistível acompanhar os triunfos e derrotas de um marco das HQ’s e que clama por ser resgatado para as novas gerações.