Crítica | Indomável Sonhadora
Indicado ao Oscar de melhor filme e melhor atriz, Indomável Sonhadora, do diretor Benh Zeitlin, é uma daquelas produções pequenas que aos poucos vai conquistando seu espaço dentro da indústria, e que talvez sirva para que mais uma enxurrada de produções similares venha na esteira.
Misturando ficção, realidade e a mais pura imaginação, a história passada durante o furacão Katrina, em 2005 no sul dos EUA, nos mostra um lado deste país que raramente vemos no cinema, o que às vezes até nos leva a duvidar se aquilo é realmente um retrato de sua realidade. Durante boa parte do início da história, não seria surpresa se algum espectador desavisado pensasse que aquela história fosse passada em um local que não existisse de fato.
Mas ele existe, e nele vive uma pequena população que se recusa em integrar-se a “sociedade moderna” e vive do seu jeito, ao melhor estilo “bom selvagem”, com suas regras, códigos de conduta e aprendizagem, que nos faz a todo tempo sentir raiva e compaixão por eles, que por vezes agem como animais, totalmente irracionais frente a obviedades que o estudo da ciência nos proporciona, mas que ao mesmo tempo sabem desfrutar melhor do que qualquer “civilizado” os momentos simples que a natureza pode dar.
Em meio ao apocalipse criado pelo Katrina, passamos a conhecer Hushpuppy, uma criança que só conhece aquele mundo e o entende através das alegorias às quais foi apresentada, como uma história a respeito dos homens das cavernas e como eles se relacionavam com os animais que caçavam, o que daí gera na personagem uma série de questionamentos sobre as relações dos homens e da natureza.
A história é basicamente a visão de Hushpuppy a respeito de tudo o que está acontecendo, portanto devemos deixar o nosso “vício da realidade” um pouco de lado para absorvermos todo o espectro da imaginação da criança, que por ter sua única fonte de conhecimento um pai por vezes ignorante e alguns amigos sem instrução, acaba por interpretar de seu jeito a realidade que vê e fazer sentido em tudo o que acontece, como faríamos todos em seu lugar. O próprio título original, “bestas do sul selvagem”, nos traz uma alegoria que remete tanto aos moradores deste sul remoto, quanto aos animais que Hushpuppy vê, e como ambos se relacionam.
Brutalmente simples e sem glorificar, santificar ou usar a pobreza como panfleto político, “Indomável Sonhadora” nos traz diversas mensagens, que cada pessoa, com sua bagagem, poderá interpretar de um jeito. Mas acredito que a mensagem principal é a de que as relações humanas e nossas formas de pensar são universais, de que nossas crianças são as mesmas, independentemente se estão abandonadas no meio de um grande centro urbano ou em uma vila de pescadores, e sempre tentarão interpretar a realidade de uma forma mágica, buscando elementos em seu contexto, interpretando-os de sua forma para criar sua própria realidade a fim de facilitar a dura experiência do cotidiano.
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Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.