Crítica | The Culture High
A despeito de toda a tranquilidade proveniente do uso da cannabis sativa, o filme de Brett Harvey começa violento ao mostrar uma incursão policial na casa de um possível traficante, truculento como se espera do braço duro da lei, abraçado o comportamento hostil pela parcela mais conservadora, que não teme em se desinformar e veicular mensagens sem qualquer cunho verídico ou embasamento científico. O tema central de Culture High é discutir a demonização da maconha, analisando a propaganda anti-drogas dos EUA que, em essência, não é muito diferente da vista no Brasil.
O caráter do filme não é escondido em momento algum. Logo se abre uma discussão aberta, exacerbadamente didática, com números, demonstrações de inverdades ditas tradicionalmente e, claro, através exposição do sofisma inserido na discussão entre saúde e drogas legalizadas e não legalizadas, mostrando que o discurso lúcido passa longe de ser o principal fator na discussão. Principalmente da parte de quem condena o uso pela simples fama do que representa um “baseado”.
Não há qualquer cerimônia para execrar o sistema autoritário de fiscalização dos EUA, além da completa ignorância por parte dos políticos responsáveis, tanto sobre os efeitos das drogas – especialmente a maconha – como com a quantidade de dinheiro que o tráfico ilegal levanta. A força das autoridades, que punem severamente qualquer participação dentro do processo de chegada das substâncias no país. O aumento da violência não dá qualquer garantia de diminuição, tanto em lucro quanto em quantidade de material interceptado. O único fator realmente alcançado é o temor total de quem é policiado por quem o policia.
A análise prossegue revelando a mercantilização da vida, mostrando não em números, mas em exemplos práticos, como funciona o mercado de encarceramento de pessoas, e como uma parte substancial do orçamento governamental, e que é o dinheiro do contribuinte, que mantém isto vivo. Por precisar de pessoas na cadeia que mesmo pequenas posses são tratadas como pecadores demoníacos, para justificar um sistema falido, que destrói exclusivamente os mais carentes, os que não podem pagar altas fortunas para se defender.
Mas é o aspecto médico o mais lamentado ao longo da fita, uma vez que o uso da sativa seria muito mais barato que a enorme fama de produtos farmacêuticos que substituiria. Uma opção de Harvey em mostrar a história de um menino epiléptico, que viveu seus primeiros cinco anos tomando toda sorte de remédios, 25 mil ao todo, sem perder os tremores, contrações e alucinação. Jayden só melhorou ao usar maconha medicinal ainda em testes iniciais, com o sonho de seu pai de que se desenvolvam maiores avanços para solucionar não só o agravo de seu filho, mas também o de muitas outras crianças.
Como em Sicko: S.O.S. Saúde de Michael Moore, há uma forte denúncia tanto da propaganda da indústria farmacêutica quanto do apoio incondicional das autoridades, demonstrando um círculo vicioso, de tráfico de influência mais escuso que qualquer uma das contraindicações. A cortina de fumaça montada em torno da bifurcação política no país piora tudo isso, fazendo com que pautas de legalizações sejam sempre postas de lado em nome de um jogo antigo, que em nada acrescenta tanto em discussões sobre rumos políticos, interna e externamente, quanto na desmoralização da face farmacêutica, por exemplo. A administração de Barack Obama, que supostamente jogaria uma luz sobre a questão por ser esta uma das plataformas de sua campanha, reverteu-se por completo e provou-se uma enorme decepção. Um governo ainda mais perseguidor que nas épocas de George W. Bush e Bill Clinton, que, mesmo em suas hipocrisias de ex-usuários, não faziam tanta força para perseguir os estudiosos da maconha medicinal.
A realização opta por focar seus últimos momentos para glorificar a alternativa de informação e base de dados presente na internet, onde ainda não há uma presença tão forte de selecionador de audiência ou conteúdo, adotando-se o inverso da coação através da popularidade e a larga exploração na atualidade e pela tradição.
Segundo os entrevistados, é uma questão de tempo para ocorrer a legalização. Para alguns, o otimismo não é grande, pois há o conhecimento das forças que controlam este tipo de comércio. Mas a palavra unânime é a de apelo ao término da vergonha da proibição e da completa ignorância das vidas alheias, que sofrem todos os dias com o drama da “vida bandida” causada pelo consumo da droga.