Resenha | Batman: Gotham City 1889
Gotham City 1889 foi lançada pela editora Abril em 1990, se tornando a primeira história publicada pelo selo Elseworlds (Túnel do Tempo), conhecido por colocar seus personagens clássicos em outras realidades. E que personagem melhor do que Batman para inaugurar essas histórias? Ainda mais se tratando de uma trama ambientada na Inglaterra Vitoriana que trouxe como vilão ninguém menos que o maior serial-killer que o mundo já teve: Jack, o Estripador. Por que não colocar o maior detetive do mundo para enfrentá-lo?
Essa foi a ideia de Brian Augustyn, roteirista de 1889, ao desenvolver essa história. Apesar do argumentoter potencial para se tornar extraordinário, o roteiro poderia ter se utilizado melhor de fontes do universo policial literário como Conan Doyle, Allan Poe, Simenon ou Agatha Christie para melhor compô-la, ainda assim Augustyn consegue escrever uma plot “redonda”, com um ótimo argumento e colocando o Homem-Morcego em um ambiente propício para suas histórias investigativas, ainda que não a desenvolva com todo o potencial que merecia.
A trama relata um período logo após os assassinatos cometidos por “Jack”, o serial killer assombrou Londres em 1988 com seus assassinatos, e que após sair impune de todos eles decide buscar outro local para cometer suas atrocidades cruzando o Atlântico, onde encontra Gotham City. Uma cidade decadente, o cenário perfeito para sua sede por sangue e vísceras.
No mesmo ano, 1889, conhecemos uma figura mítica que se veste como um morcego e se torna o alvo dos noticiários junto com o assassino. A grande sacada do roteiro é justamente essa, traçar uma analogia entre essas figuras e como os habitantes de Gotham e a imprensa os vê, já que ambos são confundidos como uma única figura. Não demora muito para que inocentes sejam colocados no meio deste embate.
Temos um roteiro simples mas muito bem amarrado por Brian Augustyn, que além de tudo inunda o roteiro de influências steampunk, da própria mitologia do morcegão e da época em que foi ambientada, o que só ajuda a enriquecer a obra.
E o que falar da arte?
Mike Mignola, ainda um iniciante no mercado de quadrinhos mas já mostrando a que veio, faz um trabalho gráfico de elevar esta HQ a um novo patamar, que sem dúvida seria muito inferior sem a narrativa visual dele. Para os leitores de comics, não tem quem não conheça o traço de Mignola hoje em dia, mas na época o único grande trabalho dele era Odisséia Cósmica, mas com Gotham 1889 foi onde o devido reconhecimento chegou. A ambientação da história colabora e muito para Mignola deixar sua assinatura soturna com seus traços firmes e composição sóbria de seus personagens e da arquitetura gótica de Gotham. É claro que seu trabalho não seria o mesmo sem a arte-final de Craig Russel e as cores de David Hornung, que deixam aquela “cereja no bolo”, abusando de tons frios em toda HQ, casando perfeitamente com o estilo do desenhista.
Batman parece estar em seu habitat natural, e ao ler a HQ chegamos a pensar se ele não deveria continuar no século 19 em vez dos tempos atuais. A combinação do personagem, tempo em que vive e a própria cidade é tão forte, que as suas histórias atuais simplesmente deixam de fazer sentido se comparadas (essa é a hora em que as pedras são jogadas) com a ambientação de 1889.
Um ponto que deve ser comentado é a tradução da história, já que enquanto lá fora a obra foi lançada como Gaslight, traduzindo seria ”à luz de gás”, e por aqui chegou como Gotham City 1889. A tradução não é ruim, mas perde outra sutileza que a obra teria, Gaslight é como são conhecidos alguns romances do gênero Steampunk, e apesar de não ser uma história que faz referência direta a essa vertente (pois não temos uma tecnologia típica do gênero na obra), toda a ambientação típica está lá, e não podemos esquecer que sua continuação Batman: Mestre do Futuro já bebe 100% nessa fonte, mas isto é outra estória.
Se toda série Elseworlds tivesse acertado como aqui, estaríamos repletos de boas histórias, uma pena que nem sempre temos artistas talentosos como é o caso de 1889.