Crítica | Delícias da Tarde
A inquietação de Rachel (Kathryn Hahn) em seu próprio carro, enquanto o veículo passa pelo lava a jato, resume o enfado que existe em sua rotina, presente na vida de muitas mulheres de meia-idade. Suas primeiras falas destacam o seu estado de ócio e a culpa em sentir-se vazia, por não ter muitas emoções além de sua vida acostumada ao ordinário. A análise com sua terapeuta, Doutora Lenora (Jane Lynch), deveria servir para ela contar a verdade, mas assumir suas derrotas é demasiado vergonhoso. Ao finalmente acatar a sinceridade, a protagonista revela uma rotina na qual sua vida sexual é praticamente nula, mais uma vez reafirmando o drama de algumas mulheres que veem que a segurança de um belo lar suburbano não é o bastante.
A abordagem escolhida pela diretora Jill Soloway arranha a imagem da mulher julgada pelo machismo. Propositalmente, é claro, visto que a realizadora tem uma experiência com o seriado protagonizado por Toni Colette, United States of Tara. As personagens da película são bastante reais, cada uma simbolizando uma faceta do universo feminino, elevando o conceito do seriado a um nível mais especulativo, não literal.
O farsesco da comédia brinca com o grotesco inerente ao ser humano, quando envelhecer nem sempre é um exercício digno ou edificante. O mundo conflituoso da mulher de mais idade é invadido pela vontade de quebrar a rotina. As tentativas de reavivar a vida sexual do casamento da protagonista com Jeff (Josh Radnor), como a visita a um strip club, somente a assustam, não servem para reavivar nada além do asco comum aos seus dias solitários. Além disso, a primeira experiência com uma stripper de 19 anos, McKenna (Juno Temple), só a deixa mais tensa e insegura.
A completa falta de perspectiva faz com que a dona de casa busque se aproximar da stripper, fazendo uso de outro nome, Sophia, numa busca por ser outro indivíduo. O destino das duas se entrelaça a ponto de McKenna ir morar na casa do casal. De repente, o lar ultra conservador é invadido por uma mulher que ganha a vida na maior parte do tempo sem roupa alguma. O diálogo travado entre as duas exibe realidades muito distantes umas das outras, uma em que a carência afetiva resulta no tédio, e outra resulta no ganho de vida através da prostituição.
O principal fator para que as duas personagens focadas sejam diferentes é a maturidade, ainda que ambos os dramas sejam, numa análise fria, os mesmos. A empatia entre ambas ocorre sem maiores esforços, com Rachel se afeiçoando pela dramática história de vida de McKenna, sentindo pena pelo trabalho que ela se vê obrigada a fazer, uma vez que sua “família” precisa de dinheiro. A comiseração se confunde com identificação, por parte de Rachel.
Ao acompanhar a jovem em seu trabalho, Rachel se depara com uma realidade inconveniente: por um lado, assiste à degradação de sua protegida; ao mesmo tempo, o cliente consegue atingir pontos que seu marido não alcança, metas simples, como olhar para ela enquanto chega ao clímax.
Após o fatídico acontecimento, a cortina cai, e as mulheres percebem que não há como conviver harmoniosamente, a despeito da dependência mútua que um dia existiu. A quebra de confiança resulta na mágoa de ambas, pondo para fora o respectivo veneno que as duas tanto guardavam, usando estes como mecanismos de defesa em um ataque mútuo.
Rachel se torna factualmente o arquétipo a que sempre sentiu pertencer. Era uma pária, um evento da entropia, orbitando um espaço galáctico longe demais de onde deveria (e queria) estar. Aos poucos, até os papéis de carente e ouvinte são trocados em seu cotidiano. Sua queixas param, seus problemas são superados através da comunicação com seu marido, que antes não funcionava. Apesar da clara evolução, o caráter do final da mensagem pode ser encarado como um viés de conformidade, aceitação de seu destino, distante do começo inquieto, mas resignado. A felicidade finalmente paira na vida da mulher, provando que a solução óbvia, longe das reclamações constantes, pode ser a melhor opção para uma vida plena.