Resenha | Big Baby
Big Baby é uma celebração apaixonada ao imaginário infantil, fértil ao infinito e irrepreensível perante a realidade escabrosa do mundo adulto. Um mundo este cheio de violência, doenças, polícia e até mortes misteriosas que dão o tom do que o consiste. Um mundo aqui decifrado, aos trancos e barrancos, na alegria e na dor, pelo jovem Tony, típico garotinho norte-americano de classe-média que vive rodeado de brinquedos, ideias malucas e, de vez em quando, um contato mais sério com a realidade que o assombra – em todos os sentidos.
Publicado em preto e branco como se para nos transmitir, visualmente, a constante quebra da ingenuidade colorida pelos dilemas adultos que se infiltram, cada vez mais, na vida de Tony, Big Baby propõe um deleite a parte a seus leitores mais maduros: voltar a encarar certas situações com aquele olhar de dez anos de idade que, inevitavelmente, acabamos perdendo ao longo da vida junto de nossas horas livres para brincar, sem culpa, sem vergonha. Até mesmo o título do livro, que junta três histórias inspirados nesse encanto juvenil, remete ao fato de Tony já ser considerado um “bebezão” por quem já perdeu esse encantamento faz muito tempo, já.
Como já mencionado, são três histórias a desdobrar com tremendo dinamismo e sedução também proporcionada pelo traço surreal, e inconfundível de Charles Burns, o choque entre a realidade implacável da violência doméstica, por exemplo, e a realidade ainda que imaginária de um menino que filtra tudo pelo viés do fantástico, pela perspectiva doce (e sem desculpas) do incrível dia a dia dos detetives de fundo de quintal. Em “A Maldição dos Toupeiras”, a primeira história do livro, os abusos de um marido alcoólatra com sua esposa indefesa perturbam Tony que assiste tudo pela janela do seu quarto, até que em “Peste Juvenil” podemos notar que os monstros da primeira história criados pela mente do garoto dependem da gravidade dos problemas reais para assustá-lo, mais ainda.
Já “Clube de Sangue” consegue ser o conto mais inspirado e marcante dos três publicados num belo compêndio narrativo, no Brasil, pela Editora Darkside, com capa dura e tratamento gráfico impecável. Para terminar, Tony vai para um isolado acampamento de férias onde um grande mistério sobrenatural encontra-se em seu caminho, levando a desdobramentos muito além dos seus mais delirantes devaneios pueris. Burns é um grande contador de histórias, algo que já tinha nos sido provado na espetacular graphic novel Black Hole, de 1995.
Assim, o que era para ser apenas uma história condenada a tirinhas de jornais, durante os prolíficos anos 1980 e 1990, é compilada em 2019 em três histórias a servir como um lembrete sensível, afinal de contas, de como toda essa liberdade e leveza do ser é impagável, nos conectando a quem realmente fomos no início das nossas vidas, principalmente se o leitor já passou dos vinte e cinco anos. Caminho sem volta de retorno possível, agora, com Big Baby. Só não vale ficar nostálgico demais.
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