Crítica | Fidel (2002)
Cinebiografias compõem um filão que guarda uma miríade de produtos ruins, “chapa-brancas” e que miram as premiações da Academia. O caso de Fidel, tele-filme de David Attwood não é um desses. O longa-metragem é baseado em dois livros, Guerrilla Prince, de Georgie Anne Geyer, e Fidel Castro, de Robert E. Quirk, e começa de modo curioso, com a bela música de John Altman embalando a ida de dois turistas a uma cadillac de Fulgencio Batista, que na verdade era um táxi cujo carro era mais simplório, remetendo já no início a ideia que parte do pensamento estrangeiro tinha sobre a ilha da America Central.
O roteiro de Stephen Tolkin brinca com a linha temporal, mostrando nos créditos iniciais a caminhada de Castro (Victor Huggo Martin) já envelhecido e uniformizado, com a câmera atrás de sua cabeça emulando os seus olhos sobre o caminho que percorre. Logo, o jovem Fidel é mostrado como um ativista contra a corrupção endêmica no seu país. Nesse ponto, o filme chega a ser até um pouco piegas, uma vez que mostra um romantismo distante demais do pragmatismo que seria utilizado pelo futuro comandante, evocando uma época em que se pensava mais com o coração do que com a mente.
Aos poucos essas ideias de que haveria como implantar a revolução através somente do discurso vai morrendo, iniciando ali um embrião de guerrilha, ainda muito diferente do que se sucederia. Quando finalmente viaja para o México Castro encontra pela primeira vez o argentino Ernesto Guevara, vivido por Gael Garcia Bernal, que repetiria o papel em Diários de Motocicleta. A partir desse ponto a parceria entre os dois passaria a de ser apenas conhecidos para algo maior e mais íntimo, como companheiros de um viés revolucionário.
No início, Martin aparenta ser um garoto que tenta provar ao mundo os seus ideais progressistas, mas com o decorrer do filme nota-se uma evolução não só do personagem como também de performance dramatúrgica, mais sóbria, segura e resoluta. Apesar de ser uma produção norte-americana, produzida para o mercado interno e falada em língua inglesa, há um cuidado em não ignorar os feitos de Castro, fugindo da possibilidade de ser partidário em qualquer ponto contra a figura controversa do futuro governante cubano.
Tanto a versão estendida quanto a menor passam muito rapidamente por alguns momentos históricos importantes, sobretudo a mais curta, que comprime os momentos pós tomada de poder em 1959. Attwood e Tolkin não ignoram passagens polêmicas da biografia do objeto de análise, ao contrário, mostram as baixas da guerra travada entre as forças guerrilheiras e os defensores de Fulgencio Batista. Também se demonstra bem questões chave, como a aproximação da União Soviética e a temeridade em lidar com opositores ao seu pensamento e modo de governo.
A linguagem televisiva de Fidel cobra seu preço, apresentando alguns dos eventos sob um cunho demasiado didático, mas os fatos discutidos são bem apresentados e condizentes com a realidade, fato que se torna ainda mais interessante por ser produzido no mesmo país onde o embargo à ilha caribenha começou. Dentre os documentais sobre a figura de Castro, há o filme homônimo Fidel, lançado um ano antes (2001) e dirigido por Estela Bravo, onde há uma exibição de muito material até então inédito, e o especialmente pessoal Comandante, de Oliver Stone, lançado em 2003 e bastante íntimo. É curioso que essa trinca de filmes tenha sido exibida na mesma época, pouco depois dos quarenta anos do início da revolução.
Há um cuidado em grafar também a diferença ideológica entre Che e Fidel, com o argentino deixando claro que seu ideal seria romper com ambas forças que julgava como imperialista, tanto os estadunidenses quanto os soviéticos tendo é claro seus pensamentos freados pelos aliados de Castro, que lembravam o óbvio uma vez que sem a União Soviético não haveria mercado consumidor para Cuba, em contraponto com os ideais do soberano cubano, que distinguia muito bem os dois polos de potencia. A ida de Ernesto pelo mundo, a busca de um internacionalismo tão comum entre socialistas e comunistas, culminaria em seu triste fim, e um grande pesar do povo cubano e de Castro.
Os últimos momentos se dedicam a fazer um balanço do governo de Castro, mostrando o personagem já envelhecido e munido de uma maquiagem pesada e realista, passeando pelo palácio, enquanto se ouve noticiários dos Estados Unidos sobre os motivos que fizeram a economia do país decair, pondo em perspectiva não só a queda da URSS como o cruel embargo econômico. O monólogo do homem faz justificar seus atos e relembrar a promessa que fez quando estava próximo a sua esposa que estava prestes a morrer, de que não se afastaria do povo, tampouco seria um ditador e de que (principalmente) não largaria o viés, discurso e ação revolucionária. Em atenção a estes últimos momentos, Fidel se trata de um filme respeitoso e que consegue se aprofundar em algumas questões pontuais da vida de seu reverenciado, sem deixar com que este seja apenas um personagem caricato e sem nuances, mas sim humano até a última de suas atitudes.