Crítica | Mortal Kombat (2021)
A nova versão cinematográfica de Mortal Kombat teve uma recepção negativa pela crítica e por boa parte do público médio. Apesar de alguns tropeços, não é o equívoco completo. O filme é conduzido por um iniciante, Simon McQuoid, e roteirizado por Greg Russo com auxílio de Dave Callaham. Para não ter tanta interferência do estúdio, a equipe aceitou um orçamento pequeno e isso influencia diretamente a direção de arte e o departamento de efeitos visuais.
O início estabelece o quão bom será o nível das lutas com uma sequência sensacional situada no Japão de 1617 em cena já exibida em prévias para imprensa e espectadores. Nela é estabelecida a rivalidade entre dois dos mais populares personagens da franquia, Sub-Zero e Scorpion, os “ninjas” coloridos (aqui sem cores tão vivas com um visual semelhante ao reboot de Mortal Kombat (2011) do que nos primeiros jogos para arcade), como a base da história dessa trama.
No presente, o filme cai na tolice de utilizar um personagem novo para desenvolver a trama. O Cole Young de Lewis Tan é apresentado como a esperança do filme. Tan tem alguma experiência em filmes voltados para o público nerd, foi Shatterstar em Deadpool 2, mas isso não se traduz nem em bom desempenho dramático, em carisma ou qualquer coisa que o valha. O mesmo pode se dizer também de Chin Han como Shang Tsung. Até parece imponente em sua cena de introdução, mas resulta numa promessa não cumprida. Ele mal luta, tem uma motivação terrível e sem sentido, que resulta na preparação dos guerreiros adversários antes do torneio onde as forças de Outworld estão em vantagem.
Os jogos de Mortal Kombat mudaram bastante desde o primeiro game. Por mais que exista uma historia que se tornou até um modo de jogo, na época do auge nos fliperamas as pessoas só se interessavam pelas batalhas e pelo sangue jorrando. No filme as lutas poderiam ser mais expandidas. Tudo é muito posado. O longa tenciona pegar elementos de Merantau, Operação Invasão ou da saga de Tony Jaa iniciada em Ong Bak, mas não tem lutas tão bem elaboradas.
Outro incomodo são as habilidades arcanas, condição mística dada aos combatentes da Terra como uma dádiva dos Deuses Ancestrais (conhecidos como Elder Gods) e que justifica as habilidades e poderes dos personagens. Isso não tem absolutamente nada a ver com o que se entende por Mortal Kombat, ainda mais se levar em conta o arco de Jax Briggs. Se era para abrir mão de história, como ocorre em Godzilla vs Kong, era melhor dar pouca visibilidade e espaço para isso. Faltou equilíbrio.
A caracterização do personagens também é estranha. O Kano de Josh Lawson até tem alguns bons momentos, mas irrita por ser um cuspidor de referências populares da Warner e não parece o vilão da Red Dragon. Liu Kang, Kung Lao, Rayden, Kabal, Reiko e Myleena são diferentes demais, além de sub aproveitados. Em um jogo que tem quase uma centena de personagens, é natural que ao tentar traduzi-los em tela não haja tempo para todos eles. Nesse ponto, Paul W. S. Anderson acertou em Mortal Kombat (1995) com poucos participantes, sem o mesmo problema que tanto essa produção e Mortal Kombat: Aniquilação possuem, com a maior parte dos personagens entrando em cena somente para agradar os fãs.
O clímax do filme envolve uma grande batalha simultânea com várias lutas ocorrendo ao mesmo tempo, como já havia sido com Aniquilação. Ao menos há representação de alguns fatalitys. A questão realmente incômoda é a importância dada a Cole Young e a desvalorização de vários personagens clássicos, a exemplo do Príncipe Goro que nem parece ser um antigo campeão do torneio. Fora isso, a história é muito corrida. Além de Cole e um pouco dos membros das Forças Especiais quase não se trabalha o passado e histórico dos personagens. A maioria é mera representação gráfica dos lutadores do jogo. E por mais que haja um sem número de fan services, não compensa a falta de conteúdo.
A recepção para Mortal Kombat seria certamente mais positiva caso fosse apenas um filme de luta como os clássicos trash de Jean-Claude Van Damme como Kickboxer e O Grande Dragão Branco que inspiraram Ed Boon e John Tobias na criação dos jogos. É preciso um torneio qualquer, uma desculpa para as pessoas brigarem e pronto. Aqui, sequer há o torneio. Ao menos há violência gráfica como jamais visto nos materiais oficiais da franquia. O maior dos erros certamente é a pretensão de contar a história de vários personagens em uma única obra. Por mais que o filme tenha seus momentos divertidos, uma reformulação de equipe criativa seria bem vinda para futuras sequências. Não que a fidelidade da história ou o visual seja imprescindível. Mas ao menos a ação precisa ser boa. As lutas precisam empolgar e, como não faltam personagens, seria bom que os acréscimos de elenco fosse de atores com mais experiência em filmes de artes marciais, valorizando aspectos positivos de Mortal Kombat além da sanguinolência.