Crítica | Simplesmente Acontece
Relacionamentos amorosos comumente nascem de amizades profundas, especialmente entre conhecidos desde a infância. A história de Rosie Dunne (Lily Collins) passa por esse estigma. O modo como Christian Ditter filma essa situação é prodigiosa. Antes mesmo de dar nome aos seus personagens, o realizador trata de inserir o espectador dentro do micro mundo dos dois inseparáveis confidentes, exibindo Alex (Sam Caflin) se aproximando perigosamente dos lábios da heroína da fita.
Os belos aspectos visuais, típicos da juventude, são registrados primeiro ao modo das comédias descerebradas, de estilo semelhante ao de Porkys, da franquia American Pie e do recente Finalmente 18, quando as barreiras morais e sexuais de Rosie caem em nome da dita maioridade e a obrigatoriedade do alvorecer sexual e do enfrentamento de seus medos, entre eles o receio de ver seu grande amigo como possível cara-metade. O começo da possível atração entre o casal começa na tensão que envolvia os ciúmes mútuos, negados pela garota e levados adiante por ele.
A guerra dos sexos segue padrões estereotipados, mas de modo fluido, uma vez que a fase da adolescência é normalmente vivida a partir de reproduções de arquétipos normativos, onde a margem de erro é pequena.
A recusa resultante da teimosia do par perfeito ocasiona uma situação cômica com a pobre menina. Patética, apesar de completamente entrópica, cujas consequências poderiam ser sérias, fazendo separar os apaixonados inconfessos eternamente. Logo, outros fatores somam-se à louca equação que envolve a rotina de Rosie, como a possibilidade de estudar na América, longe de sua tradicional família britânica. Ao chegar a sua admissão na Universidade de Boston, logo é anunciado que seus planos de fuga se aproximavam de um êxito.
Logo a malfadada transa da protagonista ganha os contornos da dura realidade que vive, prendendo-a em seu destino de origem, enquanto observa seu amado se afastar, formando enfim a sinopse do livro de Cecelia Ahern. A inevitabilidade do romance e o carisma dos personagens fazem lembrar a literatura de Nicholas Sparks, ainda que esta obra seja bem menos açucarada, e os dramas clichês, tratados com maior maturidade. O mote altera-se e o roteiro acompanha bem a trama, apresentando uma nova gama de possibilidades e de amores a explorar.
Aos poucos, os amigos crescem, vivem suas vidas intercontinentais completamente diversas, com parceiros sexuais e afetivos diferentes, assistindo ao amadurecimento da pequena Katie, sendo a pequenina amada até por seu “padrinho” à distância, a despeito do casamento da mãe com um colega de faculdade.
A ignorância de Alex o fez se afastar geograficamente e emocionalmente através da dificuldade em dar vazão aos próprios sentimentos e ao amor mútuo entre os enamorados frustrados. O papel de vitimado insiste em passar pelo seu comportamento, mas o modus operandi não se sustenta, já que, em cada ação que faz, o personagem transparece culpa e remorso, mas sem se arrepender o suficiente para resultar em uma confissão de amor.
Os meandros por onde o roteiro passeia são lotados de reviravoltas, que escondem a obviedade latente de um romance que sempre se anunciou que não daria certo, apesar de todas pinturas cor de rosas e intermináveis tentativas de fazer dar certo.
A convenção dos livros de amor juvenis praticamente obriga que um final feliz seja ensaiado pelo autor. A fuga para o paradigma, contrariando a essência do romance anterior de Ahern, P. S. Eu Te Amo, não consegue ser plena em Simplesmente Acontece, apelando para um fim que reforça não só os bordões típicos do gênero, como também reforça o discurso machista de que a felicidade da mulher deve prioritariamente passar pela presença de um sujeito do sexo oposto. Apesar da mensagem um pouco simpática e do bom começo da abordagem, falta liga e maior apuro com o texto final para que a película seja redonda.