Crítica | Desajustados
Fúsi é o cara mais dócil nesse mundo. É a antítese de Travis Bickle no épico do caos Táxi Driver, e neto de Umberto Domenico, no clássico italiano de De Sica. Seus dias, contados através de miniaturas e um auto-vitimismo por sua condição social, pessoal e psicológica. Como o próprio título do filme diz (provavelmente presente em vários cursos de psicologia, por seu mergulho na personalidade de seus desajustados, no futuro), Desajustados não é, mas são vários filmes em um só; pessoas comuns que de surreal levam apenas a vida que ostentam, humildemente, no brasão emocional que, aos poucos, expõe como qualquer filme sueco pós-Mônica e o Desejo e pré-O Cidadão do Ano – filmes que resumem duas épocas do velho continente com maestria.
E de repente você começa a torcer por Fúsi. Mágica. Quando ele arruma amizades, quando seus amigos subestimam sua integridade (por ser diferente), quando uma mulher volta a ele seu olhar numa noite fria, na neve. Questão de empatia, numa fantástica atuação de Gunnar Jónsson, um ator que também ganhou espaço em 2015 em A Ovelha Negra – dois filmes díspares, rumo a direções opostas na vastidão heterogênea de sentidos que habitam. Em Desajustados, Gunnar interpreta uma espécie de Sheldon Cooper profundo, ainda que introvertido, beirando o autismo, mas deixando sua complexidade nas mãos do espectador que ousar enxergá-la, sem as caras e bocas de The Big Bang Theory para provar seu carisma e seu lado mais adorável, na tela. O diretor Dagur Kári conduz o espetáculo no maior estilo Jean Cocteau, merecendo (em parte) a comparação por exercer a mais nobre das artes no Cinema: sugerir mais do que mostrar, tal o mestre francês fazia, mesmo contando com tantos elementos fantásticos e simbólicos para explorar.
Um filme de condições. Sobre o pertencer ao mundo, enquanto sua ética e sua vida, não. Um filme de cortinas fechadas, tal os famosos Carol e Phoenix, mas que se inicia quando os primeiros raios de sol começam a perfurar nossa visão e invadir a escuridão existencial que permeia nossos primeiros pontos de vista. Um dos melhores estudos de personagem do Cinema recente baseado em All You Need Is Love, dos Beatles, num cenário moderno em que uma criança de 40 anos não pode brincar com uma criança de 12 ou é taxado de pedófilo, e onde uma montanha virgem de 100 quilos pode guardar tudo dentro de si, menos a capacidade de amar. Mentira, claro. Pois que seja, então: Desajustados é um belo (e inofensivo) tratado sobre mentiras e aparências, mas só as que são contadas da porta pra fora, aqui, na Dinamarca ou em qualquer parte do globo! Por dentro, afinal, tudo é mais simples.