Review | Californication – 7ª Temporada
“A eterna busca pela felicidade”. Falando de uma forma bastante simplista este pode ser o resumo da vida de muitas pessoas. No caso da trajetória de Hank Moody (David Duchovny), a história não é exatamente esta. Ainda mais se levarmos em conta a fantasia da personagem, em frente da casa de sua amada, em que se agarram de modo voluptuoso e apaixonado. Um reencontro que acontece de fato e é igualmente surpreendente para Karen (Natascha McElholme), especialmente quando seu ex encara seu novo “par de encontro”, uma situação que faz Moody destilar toda a sua escrotidão. A essência de Californication parece ter voltado a tona nesta sétima temporada para um último vislumbre digno da trajetória do Bukowski do novo século.
A realidade cai em cima da cabeça de Charlie (Evan Handler) e Hank. A fonte secou, não há mais trabalho, nem em televisão, musicais, meios literários ou cinematográficos. O ego gigante e a falta de tato da personagem finalmente renderam os frutos de rejeição que tanto plantou. A única oportunidade que apareceu em seu caminho seria uma adaptação de Santa Monic Cop, do mesmo filme que não foi finalizado na quinta temporada. Um pretexto para reinserir personagens carismáticos, como Stu Beggs (Stephen Tobolowsky), para rir de si mesmo e, claro, introduzir o produtor de TV Rick Rath (Michael Imperioli). Sem interesse nas brincadeiras de Moody, o produtor aceita incluí-lo no projeto após uma longa conversa redentora e um imprevisto de criatividade da emissora. Quando tudo começa a entrar nos trilhos, uma nova questão surge e espalha merda para todo o lado – outra vez – com a esperada questão de um filho bastardo, travestido em um fã adolescente entrevistador.
A inserção de Levon (Oliver Cooper) é mais um fator que estragaria os planos de Hank em retornar ao seu oásis – leia-se os braços de sua amada. O rapaz é o inverso de seu alegado pai: inábil com as mulheres, maniqueísta, bidimensional, incapaz de captar ironia. Isso ajuda o genitor incomodado a aumentar a sua recusa ao bastardo. O chamado a aventura ocorre sem que ele saiba que ver seu herdeiro inesperado é uma arapuca para encontrar Julia (Heather Graham), a tal ex-amante de Hank. O encontro promovido entre as “mães” é como o esperado: catastrófico.
Após algum tempo, Hank se afeiçoa a Levon, iniciando uma relação paternal que, obviamente, reaproxima-o de Julia, O perigo segue espreitando a sua existência mas ambos consideram a ideia ruim e deixam qualquer possibilidade de intimidade de lado. Uma das poucas semelhanças entre pai e filho é o pouco freio da língua. No caso do menino, se manifesta pela falta de tato. A volúpia é algo que une os dois “Moodys”, e o pai proporciona ao filho um momento singelo, onde ele perde sua virgindade através de uma profissional do amor, gerando muitas broncas de praticamente todas as mulheres a sua volta.
Hank faz um pedido-quase-um-clamor para Karen. Pede que não desista da ligação que há entre eles. É sua persona que está em jogo e sua figura icônica que mantém o seriado de pé. Assim, o clamor se estende ao público, como uma desesperada intimação para que mantenha a demanda fiel e os olhos ainda em tela, apesar de todos os erros cometidos nas temporadas anteriores.
Em meio a todo o caos de sua vida pessoal, Hank vê lembranças correrem seus olhos que, aos poucos, ficam marejados ao perceber o quanto foi responsável pela distância entre Karen e ele. O acidente que a ex-esposa sofre apressa esse processo, o fazendo lembrar os momentos antes da “primeira” separação deles, no momento em que iam para uma terapia de casal discutir os problemas.Os flashbacks são fotografados num tom azulado, remetendo a melancolia presente na música (blues), destacando as sensações agridoces presentes em suas escolhas que tornaram sua vida miserável aos seus olhos.
A primeira tentativa de tentar consertar a história com sua alma gêmea falha miseravelmente. Hank arquiteta um jantar romântico com Karen que miseravelmente fracassa com uma sucessão de visitas ao palácio dos Runkles (onde ele residia no momento). Situações que envolvem os coadjuvantes mais carismáticos da temporada e se torna mais uma das encarnações constrangedoras das reuniões sociais perturbadas da série. O que gera mais uma discussão do protagonista com sua musa e que, mais uma vez, demonstra a ausência de um lugar para Karen dentro do caos e do mundo dionisíaco em que vive o escritor.
O piloto de Santa Monica Cop é mal recebido pela audiência e o seriado é cancelado. Hank se vê novamente sem um sustento, até que Hard sugere que escreva sua própria série, sobre suas vivências, sobre suas mulheres e sobre como sobrevive as suas próprias trapalhadas. O que Moody tentou a todo custo postergar finalmente acontece e Becca (Madeleine Martin) conhece Levon. Lidar com a decepção de sua filha é algo que o faz sentir uma autocomiseração grande. Ao invés de culpa ou qualquer sentimento ligado a arrependimento. Becca chega com a novidade de que irá se casar e não deixa seu pai sequer opinar sobre assunto, desprezando as naturais irresponsabilidades do escritor. A notícia mais importante da vida da filha é ultrapassada por (mais) um fantasma do passado de seu pai.
No series finale, Becca viaja para conhecer os pais do noivo em companhia de Karen e Hank se vê isolado em LA. Levon é preso por transar com prostitutas, o que obriga Moody a agir como pai do menino, ensinando-o a como conquistar garotas. Tal ato serve como rito de passagem, uma demonstração de que o escritor quer amadurecer e ser um homem de família respeitável, ou o mais próximo disso possível, até recusando sexo em mais de uma oportunidade.
Hank escreve uma última carta, reconhecendo que quando abre a boca acaba estragando tudo. Karen afirma que não quer ler nada dele mas, espirituosamente, em meio a um avião repleto de gente, ele declama seus versos, logo depois de arrumar as coisas com o casal Runkle, resolver seu imbróglio com Julia e finalmente abandonar seu Porsche de farol quebrado. As portas que estavam ao seu alcance foram fechadas. Moody assume que é ruim com finais felizes, e seu desfecho é voltar em definitivo para o lugar onde tudo funcionava, onde eles eram felizes, onde o casal era um só. Após a emocionante cena, há um misto de recordatório com a trilha repetida de Rocket Man, de Elton John, semelhante ao que ocorreu na terceira temporada, quando Hank ia preso e seria impedido de mudar-se com Karen. O final da temporada condiz com o andamento da jornada, pois o que o escritor poderia querer para si no final era retornar ao simples estado alegria ou contentamento, talvez inalcançável, mas um motivo para continuar lutando.
Abaixo, a carta do inspirado autor para a sua musa:
– “Querida, Karen…
Estive pensando em Nós (É com “N” maiúsculo, ele diz).
Nossa história, como vou resumir? Tem sido perfeita? Dificilmente. Qualquer história comigo no centro nunca será nada menos que uma confusão engraçada. Mas o que tenho certeza é: nosso tempo ao sol foi absolutamente lindo. Os pesadelos, ressacas, sexo e as porradas (fucking and punch, título de um dos livros). A loucura maravilhosa da nossa cidade,onde por anos, acordava, fazia merda, dizia que sentia muito, desmaiava e fazia tudo de novo.
Como escritor, sou péssimo para finais felizes.
O cara fica com a garota.
Ela o salva dele mesmo… E fim.
Como um cara que ama uma garota, percebi que não há nada como isso.
Não há por do sol.
Só há o agora e nós dois, o que pode ser assustador demais às vezes. Mas, se fechar os olhos e ouvir o sussurro de seu coração, se continuar tentando e nunca desistir, não importa quantas vezes entenda errado. Até o começo e fim virarem algo chamado:
‘Até nos reencontrarmos’.”
O resgate que Tom Kapinos queria para a sua série é finalmente alcançado com um desfecho digno. Hank não soube como terminar a carta ainda mais se considerarmos que a história de seu amor não acabou. É aberta, é infinita e emocional, como a sua literatura.