Crítica | A Montanha de Matterhorn
Solitário, Fred, personagem de Ton Kas segue viagem de ônibus, por paragens esmas, praticamente inabitadas, até o seu destino. O ônibus vazio age como um agente de premonição, que evidencia o estado de espírito dele, como um ser que prefere o isolamento e o silêncio da introspecção, que só é interrompida pelo canto lírico que ele tanto aprecia.
A Montanha de Matterhorn trata da convivência forçada de um par de homens, sendo um deles um sujeito metódico, religioso e tradicional, e outro tresloucado, dionisíaco e completamente avesso a rotina, além de não se comunicar por meio de palavras. Theo, vivido por René van ‘t Hof só rompe o silêncio para sentenças curtas, com frases lacônicas e monossilábicas. Em comum há o fato de que os dois cavalheiros estão incomodados com a presença um do outro.
A normatividade e a paciência de Fred são testadas a todo momento, uma vez que Theo é inábil de muitas maneiras diferentes, seja nos modos a mesa, nas rezas ao Senhor, no trato às pessoas e até na prática do futebol. O desafio dessa comunhão é enorme, mas guarda momentos ótimos, como toda a loucura que envolve a simples rotina da dupla. Até as idas à mercearia são épicas, com Theo imitando ovelhas em meio aos corredores dos mercados cheios de transeuntes e compradores. Até a ranzinzice de Fred parece aos poucos ceder, diante da alma atribulada de seu parceiro, aos seus olhos, um sujeito carente.
Pouco a pouco, Fred se permite sentir mais do que está previsto sentir. Ele defende sua contra-parte do bullying de crianças “mal intencionadas”, sob o pretexto de não permitir que ele se acostume a deixar as crianças tratá-lo como um idiota, já que o trabalho da dupla é animar festas infantis, lugares repletos de criaturas assim. O envolvimento de Fred com seu parceiro é visto com maus olhos pela comunidade que o cerca, quase toda formada por calvinistas (como mesmo ele é), e até a sua mente é confundida, já que o sentimento de paternidade pelo atrasado homem se torna em algo maior.
A abordagem do iniciante diretor e roteirista (ao menos em longas para o cinema) Diederik Ebbinge mostra uma parcela conservadora da população holandesa, formada por pessoas excludentes e julgadoras, que atiram pedras naqueles que são diferentes aos seus olhos. Os pares decidem dar vazão aos seus sentimentos, planejando uma viagem a Suíça (ao Monte Matterhorn) e um casamento. Indagado sobre o que Deus pensaria disso, Fred solta o grito preso em sua garganta, murmúrio que por tanto tempo escondeu, de que a Divindade nada fez por ele, jamais se preocupou de verdade com o seu bem estar, rompendo assim uma secular relação de servo e senhor.
O nonsense permeia todo o modo de abordar os temas espinhosos provenientes da fita. Depois de uma difícil jornada, após beber de fontes antes desconhecidas, regadas a luzes neon, lantejoulas e afetação, Fred e Theo finalmente sobem a montanha, num esforço hercúleo por sua libertação, sem fazer qualquer apelo, sem cenas explícitas, sem panfletarismo visto a uma primeira olhada. Ao contrário, chega até a ser sutil para o expectador pouco atento, apesar de ser muito flagrante para o bom observador. A Montanha de Matterhorn é um dos poucos momentos em que forma e conteúdo conseguem convergir perfeitamente, cuja importância entre os dois é dividida de igual para igual.