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  • É Tudo Verdade 2021 | Balanço Geral – Parte 1

    É Tudo Verdade 2021 | Balanço Geral – Parte 1

    Desta vez o É Tudo Verdade foi inteiramente exibido online, com transmissões via streaming da Mostra Competitiva e algumas retrospectivas, envolvendo o cantor Caetano Veloso e o diretor Ruy Guerra. Confira um pouco do melhor que ocorreu no festival.

    Fuga (Jonas Poher Rasmussen, 2021)

    Filme de abertura do Festival, Fuga é um documentário animado bastante bonito, que conta a história de um refugiado afegão que tem que lidar com o truculento modo de pensar e governar de seu país. Rasmussen faz uma bela viagem pela cultura, credo e contradições de um país conservador, e que infelizmente encontra ecos em tantos outras cenários, fazendo isso através da ternura da visão e depoimento de uma testemunha anônima.

    Coração Vagabundo (Fernando Grostein Andrade, 2008)

    Esse foi um documentário famoso da década passada. O Filme acompanha Caetano durante a turnê do disco A Foreign Sound, de 2004, por São Paulo, Nova York, Tóquio e Quioto. É bem íntimo, mostra a vida de Caetano enquanto criador e trabalhador, indispensável para quem gosta do personagem.

    Eu e o Líder da Seita (Atsushi Sakahara, 2020)

    Trata da seita apocalíptica Aum Shinrikyo, de Tóquio, secto-religioso que cometeu o maior ato terrorista do Japão. O diretor, Sakahara estava em um dos trens e sofreu danos permanentes no sistema nervoso por conta do ataque, e diante desse trauma, decidiu falar com Araki, o atual líder do grupo, onde travam uma conversa sobre liberdade religiosa e terrorismo. O filme é parado, um bocado morno, mas toca em assuntos bastante pesados.

    Glória a Rainha (Tatia Skhirtladze, 2020)

    Documentário sobre um quarteto de mulheres enxadristas que fizeram história na União Soviética, Glória a Rainha é um filme diferenciado especialmente graças ao seu formato. A partir dele é fácil notar a diferença cultural do Leste Europeu com a ocidental. O filme destaca como Nona GaprindashviliNana AlexandriaMaia Chiburdanidze e Nana Ioseliani inauguraram uma nova tradição de competições esportivas na Rússia e demais países da União Soviética, mesmo que atualmente hajam menos mulheres jogando xadrez de forma competitiva.

    Charlie Chaplin, o Gênio da Liberdade (Yves Jeuland, 2020)

    Apesar de estar fora da Mostra Competitiva, o documentário francês é de suma importância dentro da curadoria. Jeuland traça todo um perfil do gênio do cinema Charlie Chaplin, contando seus primórdios nas artes cênicas até o ingresso dele como realizador do cinema. O filme esteve em mostras do Festival de Cannes, e é uma boa parte de entrada para quem não conhece a obra do cineasta.

    Máquina do Desejo (Lucas Weglinski e Joaquim Castro, 2021)

    Documentário sobre a Companhia Teatro Oficina, esse é um filme bastante lúdico, que varia entre peças filmadas, comerciais, imagens de arquivo com Zé Celso e outros personagens históricos do Teatro Oficina e outros momentos marcantes do lugar. Essa imagens ajudam a contar a história do lendário palco e  i filme mira ser um objeto ensaístico, mas não acerta em sua tentativa de entreter.

    Mil Cortes (Ramon S. Diaz, 2020)

    Impressiona assistir o cenário político das Filipinas a partir da subida ao poder do reacionário presidente Rodrigo Duderte. O presidente, cuja plataforma era famosa pela briga contra das drogas bastante intensa, fez a imprensa ser perseguida, presa, ameaçada via internet e pessoalmente. O retrato do país não é muito diferente dos desmandos e loucuras do governo atual  brasileiro comandado por Jair Bolsonaro, fato que torna esse possivelmente em uma obra profética.

    Dois Tempos (Pablo Francischelli, 2021)

    Documentário sobre dois violonistas, o argentino Lucio Yanel, e seu pupilo brasileiro Yamandu Costa. É um filme sobre relações sentimentais de admiração e de transa artística, a trilha sonora é belíssima, embalada pelo trabalho dos dois instrumentistas, que em meio a virtuosidade de seus personagens, revela uma franca sintonia repleta de admiração mútua e sentimentos familiares. Uma verdadeira ode a música de seis cordas.

    Paulo César Pinheiro- Letra e Alma (Cleisson Vidal e Andrea Prates, 2021)

    Outro belo documentário sobre musicistas. Dessa vez o foco é no compositor popular Paulo Pinheiro, que narra sua própria história e jornada como interprete e compositor da cena da MPB nas décadas de 60, 70 e 80 principalmente. A trilha que Pinheiro fez em sua vida beira a poesia, e o resgate dos vídeos de arquivo é  sensacional, o longa faz um bom trabalho em dar voz ao cantor que encanta com seus causos. Pinheiro é um personagem sagaz, inteligente, sarcástico, especialmente quando  fala das dificuldades que tinha para trabalhar na época da Ditadura Militar.

    Zimba (Joel Pizzini, 2021)

    Documentário sobre Ziembinski, o ator e diretor de teatro polonês radicado no Brasil, famoso por adaptar Vestido de Noiva de Nelson Rodrigues, mas também por inspirar e ensinar boa parte do corpo de atores do Brasil como um todo. Os depoimentos de atores e atrizes que trabalharam com Zimba, alguns já em memória, dão conta do quão importante e impreterível Ziembinski era para a construção do que se entende por teatro e por trabalho dramático, que se alastrou por toda a gama de arte encenada em frente as pessoas ou ao audiovisual.

    Os Arrependidos (Ricardo Calil e Armando Antenore, 2021)

    Baseado no livro O Terror Renegado de Alessandra Gasparotto, Os Arrependidos é de rasgar o coração, o filme mostra o estranho movimento de ex-guerrilheiros que durante a Ditadura Militar no Brasil, se entregaram para afirmar junto a imprensa que se arrependiam da luta armada. Calil e Antenore conversam abertamente com alguns desses “arrependidos”, que não tem pudor em assumir que fizeram aquilo sob tortura, que mentiram de maneira deslavada e que todas essas versões causaram marcas terríveis em moral e pensamento da vida de cada um daqueles jovens.

    Edna (Eryk Rocha, 2021)

    O filme de Eryk Rocha fala com uma senhora, que mora à beira da rodovia Transbrasiliana. O relato mistura elementos reais da vida de Edna com escritos de um diário que ela mantém por toda vida, que não apenas a realidade, mas também seus sonhos e anseios. Apesar da premissa  curiosa, o filme resulta em algo que chama atenção por sua forma mais do que pelo conteúdo. Rocha já fez bons filmes, como Cinema  Novo e Campo de Jogo que dentro das suas propostas, conseguem conversar melhor com o espectador que este Edna.

    9 Dias em Raqqa (Xavier de Lauzanne, 2020)

    Mostra a dura repressão politico-religiosa sobre o povo da Síria, tomando  como exemplo a cidade de Raqqa, um lugar destruído e repleto de cinzas. A câmera acompanha Leila Mustapha, prefeita da cidade que tenta resgatar a glória de outros tempos sobre o lugar. Cada capítulo do filme mira um dia, e impressiona a facilidade com que tanques e veículos de guerra transitam facilmente sobre a cidade e sobre outros lugares do país que tem intimidade com os jihadistas. O final do filme é até otimista, dada a condição desse cenário, no entanto o maior legado do filme dele é mostrar uma realidade tangível e ignorada por boa parte do mundo, involuntária ou deliberadamente.

  • Crítica | Gorbachev.céu

    Crítica | Gorbachev.céu

    Gorbachev.Céu é um documentário curioso. Além de dar voz a uma figura política controversa do passado, o ex-secretário geral do Partido Comunista e ex-presidente da União Soviética Mikhail Gorbachev, também se permite ser silencioso e contemplativo. Vitaly Mansky mergulha na identidade e intimidade do homem a quem se atribui o fim do sonho socialista, com ele já limitado fisicamente, embora bastante lúcido.

    Gorbachev fala a respeito do desprezo que parte dos russos tem por sua figura, especialmente da imprensa, ainda que encare o momento político atual do país como continuação do seu trabalho. Ele se sente um herói da política e da democracia, vê Vladimir Lenin como um deus, mantém um postura serena e calma na maior parte dos momentos e se diz, reiteradamente, que foi mal compreendido ao longo de seu mandato.

    O filme tem um ritmo lento, acompanhando as falas e pensamentos de seu biografado, os poucos momentos enérgicos resultam dos resumos que ele faz a respeito de figuras notáveis do regime soviético, especialmente as óbvias como Lenin e Josef Stalin, e outros menos lembrados como Yuri Andropov e Fyodor Kulakov. Suas opiniões são contundentes e curiosas, é possível enxergar em suas falas semelhanças com políticos brasileiros, incluindo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que além de não gostar de ser associado à direita é escorregadio ao falar dos seus erros como governante.

    Mansky considera Gorbachev um pária, e de fato, ele é. Contudo, o lado que ele escolhe defender em seu filme é que Mikhail foi injustiçado, a visão apresentado pelo documentário era que a URSS era nefasta e que a classe trabalhadora não teve tantos avanços. Isso não impede que entre cineasta e entrevistado haja atritos ou mitificações, Gorbachev responde de maneira atravessada a indagação de que a Rússia não é um país de democracia longeva, e de que seus tempos não fugiam do autoritarismo, e mesmo sem ter a mesma força de quando era jovem, ele se mostra vaidoso e resoluto, embora na maior parte do tempo seja cortês.

    Parece um castigo que o presidente que estava no poder na dissolução da potência soviética esteja vivo e consciente, beirando um século de vida, possivelmente podendo acompanhar as duras críticas feitas sobre sua pessoa. Apesar da mornidão e do viés liberal existente no filme, Gorbachev.céu retrata um importante ator político do século XX, e ajuda a visualizar o mapa socioeconômico de hoje e ontem.

  • Crítica | Eu e o Líder da Seita

    Crítica | Eu e o Líder da Seita

    O maior ataque terrorista já registrado no Japão ocorreu em 20 de março de 1995. Na ocasião, membros da seita Aum Shinrikyo (Verdade Suprema, em tradução livre) liberaram gás sarin em linhas do metrô de Tóquio. O resultado foi a morte de 13 pessoas e o ferimento de outras mais de 6 mil. Entre os feridos, Atsushi Sakahara, diretor deste Eu e o Líder da Seita.

    Sakahara conviveu por mais de 20 anos com problemas neurológicos devido ao atentado. Em 2015, após um ano de negociações, foi autorizado a gravar uma longa conversa com o diretor de Relações Públicas do culto, Araki Hiroshi. É desse diálogo que surge o filme, que acompanha um dia inteiro da dupla conversando num percurso pelos arredores de Tóquio.

    Pela própria natureza do encontro entre ambos, é esperada uma tensão mais que latente. A postura de Sakahara é contrastante com a de Hiroshi: enquanto o primeiro é expansivo e provocador, o outro é contido e esquivo. Mas isso não impede de que revelações sejam feitas a partir das investidas do diretor. Hiroshi muito fala sobre sua vida pré-renúncia, isto é, anterior ao ingresso na seita liderada por Shoko Asahara. Em outros momentos, o entrevistado comenta sobre sua relação com o culto por mais de 20 anos e de como encara as ações do grupo após o atentado no metrô.

    É inegável que os esforços de Sakahara direcionam-se a uma resposta concreta, seja sincera ou não, da parte de Hiroshi e que digam respeito à moralidade dos ataques e da consciência desse. Apesar de estar encarregado da conversa, da direção e da montagem, o realizador não lança mão de artifícios maniqueístas que definam em adjetivos rasos o segundo personagem em tela. À exceção de seus primeiros minutos, o longa-metragem é desprovido de trilha-sonora, narração em off, imagens de arquivos ou qualquer outra intervenção que não seja a gravação daqueles momentos.

    O que tanto o público quanto o diretor descobrem é um personagem complexo, que se mostra multifacetado nas quase duas horas de projeção. Hiroshi transita entre momentos em que chora ao lembrar da família (com a qual cortou relações ao entrar na seita) e que se nega a admitir algum tipo de culpa explícita, mesmo na presença de uma das vítimas diretas daquele março de 1995.

    Imageticamente, o filme dá espaço às falas que ocupam as andanças da dupla, acompanhadas de câmeras portáteis e pouco incomodadas com movimentos desordenados. Na maior parte, a tela é preenchida com as duas figuras (que diferem também na aparência: alto e baixo, gordo e magro, roupa amarela e traje azul), mas sabe habilmente quando isolar o executivo da seita no quadro. São momentos que fecham o cerco ao redor de Hiroshi, geralmente após alguma questão incisiva levantada por Sakahara, e que buscam em sua expressão corporal alguma resposta que as palavras não são capazes de proferir. Por outro lado, essas ocasiões também servem ao propósito de investigar aquele personagem como um ser humano dotado de diferentes sentimentos, que variam entre o orgulho e o arrependimento, mas não por caminhos simples e diretos.

    O competidor da mostra internacional do festival É Tudo Verdade, como sugere seu subtítulo em inglês (“Um relatório moderno sobre banalidade do mal”, em tradução literal), parte de um pressuposto arendtiano na contemporaneidade, que confunde grandes narrativas com a fragmentação líquida da pós-modernidade, para esboçar um belo retrato sobre a normalidade em convívio com a maldade e vice-versa. Ainda que não apresente a pintura completa de seu retratado, Eu e o Líder da Seita é inteligente o bastante, e confia em seu público para tanto, ao apostar no impacto das perguntas em detrimento da completude das respostas.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • Crítica | Mil Cortes

    Crítica | Mil Cortes

    O desmanche das democracias atuais tem nas Filipinas seu maior representante. É o que aponta o longa-metragem Mil Cortes de Ramona Diz, participante da mostra internacional do festival É tudo verdade deste ano. O filme acompanha os esforços da jornalista e editora-chefe do portal filipino Rappler, Maria Ressa, em publicar críticas ao governo do presidente Rodrigo Duterte e lidar com os ataques e as censuras institucionalizadas.

    As últimas cordas que, em teoria, sustentam o modelo democrático das Filipinas são coniventes com as ações de Duterte que giram em torno de assunção de homicídios, apologia à violência, estupro e toda barbárie observável nos discursos de líderes de diferentes nações. O cenário não é atípico, especialmente ao espectador brasileiro, e o filme chega a fazer discretos acenos ao governo de Donald Trump, vigente nos Estados Unidos durante o período de gravação do documentário.

    Nesse panorama, a narrativa dilui-se em diversas frentes que tentam contextualizar a crise de estado social no país asiático. Essas subtramas tratam de milícias digitais, propagação de fake news, os discursos odiosos do presidente, duas jornalistas do Rappler e de três postulantes às eleições legislativas em 2019: o chefe da polícia nacional e voz ressoante de Duterte, uma dançarina e blogueira alinhada ao presidente e uma candidata defensora da causa feminista, de oposição ao governo.

    O fio principal que entrelaça as histórias é o drama enfrentado por Maria. Desde o início, a atenção dada a jornalista indica a preferência da cobertura, que se justifica por boa parte do filme pelo motivo de sintetizar na protagonista esses diferentes lados abordados nos demais personagens. É por meio de Maria que os filipinos tomam conhecimento da divulgação de desinformação promovida pelo governo. É Maria o alvo da maior parcela de ataques direcionados à imprensa no país. É Maria que expõe os discursos de Duterte e sua base. É Maria que observa o agonizar da democracia em seu país como um possível sopro de esperança para o futuro.

    A trama logo torna-se repetitiva e sobrecarregada. O que poderia soar como um aprofundamento no estado de espírito da jornalista, confrontada por todos os lados e por diferentes causas, numa enxurrada espiralar de situações, revela-se uma confusão desequilibrada. Uma porção das questões levantadas nas quase duas horas de filme é rasa e pouco faz frente à principal história que conduz o documentário. São chances de dimensionar em maior escala os dilemas éticos e políticos das Filipinas, mas que se perdem em exposições simplórias do que já é vociferado pelo presidente.

    O filme também põe em pauta a importância do jornalismo como prestador de contas e de informação à população, na ideia de quarto poder. Numa das passagens, Maria parafraseia o poema do pastor luterano Martin Niemöller. “Primeiro eles vieram buscar os jornalistas”, diz. “Nós não sabemos o que aconteceu depois.”

    A paráfrase condensa muito do idealismo da editora. Em determinado trecho, ela se diz pronta para o que der e vier, nem que isso seja a prisão. É o que acontece e que voltaria a se repetir no mesmo ano. Maria carrega consigo a crença de que a principal arma ante o ódio é o amor.

    Do mesmo princípio parece partir o longa, uma vez que martiriza a figura da jornalista diante dos abomináveis antagonistas da liberdade de imprensa e dos direitos humanos no país. Não que a sentença não seja cabível aos algozes, mas o filme tem pouco a dizer num jogo tão simples entre claro e escuro. Os Mil cortes referidos por Maria em relação à democracia filipina cabem ao próprio filme, composto por dilacerações em todo seu roteiro e que no final se apresenta como um cambaleante corpo de boas ideias e sem firmeza em nenhuma delas.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • Crítica | Glória à Rainha

    Crítica | Glória à Rainha

    Glória à Rainha é um documentário divertido e propositivo que conta a historia de quatro mulheres enxadristas da União Soviética que se tornaram símbolos de luta em uma época em que os papéis de destaque recaiam apenas sobre os homens, mesmo em um local conhecido por ser governado por um regime de esquerda. O filme de Tatia Skhirtladze é parte da mostra internacional do festival É Tudo Verdade.

    As personagens do filme são Nona Gaprindashvili, Nana Alexandria, Maia Chiburdanidze e Nana Ioseliani. O documentário acompanha um pouco do dia a dia delas, todas já na meia idade entre os 50 e 70 anos. O resgate da historia e a intimidade de cada uma dá um pouco da dimensão de como ocorreu, não só a carreira desportiva delas, mas também o pós dissolução da URSS.

    A narração do filme é bem utilizada quando o conteúdo é composto de imagens de arquivo. Enquanto nos momentos mais naturalistas (cenas mais atuais), são as próprias mulheres que conduzem além de outras pessoas envolvidas ou aqueles que possuem nomes em homenagem as enxadristas. Algumas delas também se lançaram no ofício de enxadristas, provando a influência do quarteto na cultura e no esporte em cada uma das repúblicas do antigo país comunista.

    Mesmo sem gastar tempo abordando a política da época, o filme acaba traçando um bom cenário de como era importante para os governos socialistas o investimento em práticas esportivas diversas, sejam elas de equipe ou individuais. Para o aficionado em Xadrez, o documentário é bem interessante, pois estabelece não só o contato com torneios importantes do passado, mas também detalha eventos que poderiam passar despercebidos por aqueles que não compreendem o jogo com profundida. São aproximadamente 18 trilhões de movimentos possíveis em uma partida e cada mulher pode perder meio quilo em uma partida dada a tensão do jogo. Dentro do filme até se lamenta que hajam poucas mulheres enxadristas no território da Rússia e nos demais vizinhos que formaram a União Soviética, o que, evidentemente, é uma pena, já que a historia das biografadas é rica.

    Glória à Rainha tem uma fórmula levemente diferente do que se vê normalmente em documentários norte-americanos ou  brasileiros. Há um modo mais frio de conduzir a narrativa por questões culturais mas, mesmo dentro dessa mentalidade, se percebe um apreço caloroso pelas quatro atletas, que entre rivalidades e disputas seguem como embaixadoras de uma prática esportiva rica e popular entre muitas pessoas.

  • Crítica | Sob Total Controle

    Crítica | Sob Total Controle

    Sob Total Controle é um dos filmes da mostra internacional do É Tudo Verdade. O documentário ficou conhecido mundialmente por expor os podres do governo de Donald Trump ao lidar com a pandemia de Covid-19. Dirigido pelo trio Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger, a produção, além de informar sobre a cobertura de uma pandemia, também serve de comentário metalinguístico, mostrando as dificuldades de uma equipe de filmagem em fazer um filme com o isolamento social dos entrevistados e de pessoas ligadas aos fatos.

    Dois elementos saltam aos olhos do espectador logo de cara: a primeira é a narração que poderia causar incomodo mas, dado o modo lunático como os EUA lidaram com a pandemia em seu início, se faz necessária. Pois as imagens sozinhas talvez pudessem elucidar o suficiente, sendo necessária a exposição. A outra questão curiosa são as cenas de negacionistas ignorando ou agredindo pessoas comuns em mercados, lojas e afins. Agindo de maneira covarde e perigosa do ponto de vista sanitário, cenas que não nos chocam tanto por sabermos que em nosso país a ações ainda piores.

    Para as futuras gerações, especialmente para alguém que não sabe pouco respeito desses tempos de pandemia em 2020-21, o documentário será um bom ponto de partida sobre o impacto mundial da Covid. Pois detalhe bem os acontecimentos, incluindo o primeiro surto em Wujan na China, com direito a entrevistas com o até então presidente americano. Uma das problemáticas que o diretor lida nessa obra é sobre o futuro, a evolução da doença, suas mutações e demais aspectos impossíveis de prever, determinando como ainda é incerto o futuro após o impacto dessa doença.

    Além disso, o documentário também mostra como o estado norte americano surpreendeu a comunidade mundial negativamente, colocando Robert Redfield, um virologista controverso, a frente de organizações como o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças). As frases polêmicas do virologista são anteriores a pandemia. No primeiro surto de HIV sugeriu uma medida religiosa de celibato para evitar a propagação da AIDS. Demonstrando como fundamentalismos são tão perigosos como doenças. Outro exemplo negativo é a entrevista com Vladimir Zelenko, o sujeito que descobriu a hidroxicloroquina como forma de lidar com a doença nos Estados Unidos. O mesmo medicamento que não tem qualquer comprovação contra o vírus e que ainda é defendido pelo governo brasileiro como parte do fajuto tratamento precoce para coronavírus.

    Assistir Sob Total Controle causa um pouco de agonia, ainda mais em plateias mais sensíveis. A série de eventos que poderiam ajudar a evitar a catástrofe são inúmeras, e ver como as autoridades foram ou passivas ou deliberadamente mesquinhas e desonestas em nome de qualquer ideologia irrealista é desolador. As coletivas de imprensa, então, são um show a parte. Enquanto o imunologista Dr. Anthony Fauci falava para as pessoas não irem para lugares de fácil aglomeração, a equipe econômica de Trump o contradizia na mesma entrevista. É tragicômico, e incomodamente semelhante ao que ocorreu no começo da pandemia no governo brasileiro e nos choques entre Henrique Mandetta, o ministro da Saúde, e o presidente do Brasil Jair Bolsonaro. A imitação é barata e triste.

    O documentário tão intenso que chega a ser tragicômico. A adjetivação poderia soar como pejorativa, mas não é. Para qualquer analista que vive em um cenário ainda tão assolado por essas questões certamente se sensibilizará com o olhar desesperado dos entrevistados. Olhares honestos de pessoas da indústria médica ou farmacêutica que falam a respeito dos esforços para driblar o governo a fim de dar alguma segurança ao povo.

  • Crítica | Fuga

    Crítica | Fuga

    Animação e documentário. Temores e memórias. Guerra e Oriente Médio. O cenário e a temática de Fuga (2021), longa documental do dinamarquês Jonas Rasmussen, premiado em Sundance, remetem a Valsa com Bashir, do israelense Ari Folman. Tratando das lembranças íntimas de seus protagonistas como ponte de construção do presente, o recente filme de Rasmussen assume características próprias a partir da apresentação de seu personagem principal.

    Amin Nawabi (nome fictício) é o sujeito da história. A trama é iniciada no presente, com Amin na casa dos 30 anos e morando na Dinamarca. Seu amigo Jonas, responsável pelo longa dentro e fora de cena, tenta extrair algum tipo de confissão que conforte e encaixe as peças da identidade fragmentada do protagonista.

    Nascido no Afeganistão dos anos 1980, em meio ao conflito entre os rebeldes afegãos mujahideen e as tropas soviéticas de ocupação no país, Amin tratou em sua juventude de refugiar-se da guerra que vitimara seu pai e tantos outros semelhantes. Homossexual e imigrante, a repressão do ser toma forma como necessidade de sobrevivência e como elemento principal no desenrolar da narrativa.

    O uso do pseudônimo, não à toa, preserva a figura real por trás de Amin. Ainda que a preocupação premente seja para fora do quadro, a ordenação do enredo leva o espectador no fluxo de memórias alquebradas do protagonista. Na figura de Jonas, que aparece em boa parte da projeção em diálogo com Amin, o público identifica-se como um desbravador ativo nas conversas que levam o protagonista a revelar mais e mais de seu passado dúbio e por vezes intencionalmente omitido.

    A narração que amarra as diferentes linhas temporais numa única voz e num vaivém de situações que são repetidas e corrigidas dá ao filme um tom de solilóquio. São nas hesitações de Amin, em suas expressões de medo e alegria, que seu verdadeiro self se revela, independentemente de lar ou símbolos de designação. A espontaneidade das ações se desdobra com leveza no tear narrativo que atravessa diferentes décadas, países, momentos e pensamentos.

    É essa mesma narração que em vários momentos torna-se excessiva ao redundar o que o plano visual muito bem apresenta em seus diferentes tons de animação. A maior parte das memórias do protagonista, tal qual a vivência presente, ganham corpo em desenhos quase estáticos, com poucos quadros em movimento por segundo. Um recurso inteligente e que dá vazão às lembranças menos racionais de Amin, são os esboços animados por meio de um processo semelhante ao de rotoscopia, ainda que mais vibrante e expressionista que a tradicional forma.

    O contexto social dos períodos e dos locais também é retratado com o uso de imagens de arquivo, de noticiários e de registros de guerra que circundam a esfera particular de Amin. Mesmo com a utilização moderada, o truque pouco acrescenta em qualquer termo, até mesmo num suposto peso de costurar material factual na colcha de retalhos ficcionais e pessoais do protagonista. A inventividade da animação, que é hábil no equilíbrio entre imaginar o ficcional e retratar o real, muito mais tem a dizer das descrições do protagonista ao público que qualquer imagem captada no calor da ação.

    A uma hora e meia de filme pena para chegar ao fim com o fôlego e a potência prometidos pelas circunstâncias da história. Ainda assim, Fuga é um belo exemplo de abertura para o festival É Tudo Verdade, demostrando que nem toda força de verdade tem de ser necessariamente real e exibida materialmente aos olhos do público.

    Texto de autoria de Arthur Salles.

  • Crítica | Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei

    Crítica | Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei

    Assistir Simonal: Ninguém Sabe o Duro que Dei hoje provoca no espectador uma sensação estranha, seja pelo seu formato que não condizia com sua época, 2008 – que aliás influenciaria o estilo da atual cena documental brasileira especialmente no quesito edição, ou por seu  tempero de teoria da conspiração, esse sim condizente com o fim dos anos 2000. O longa-metragem busca redimir a figura de Wilson Simonal, um dos maiores cantores brasileiros da história, acusado de ser informante durante à Ditadura Militar, sendo depois apagado da história que ajudou a construir dentro da música popular brasileira.

    Cláudio Manoel e seus codiretores Calvito Leal e Micael Langer cravam bem a identidade do cantor, os depoimentos de Chico Anysio, Tony Tornado, Luís Carlos Mielle, Sergio Cabral Pai, Nélson Motta, os filhos Simoninha e Max Castro, e até membros do Pasquim como Jaguar e Ziraldo ajudam a montar quem ele era e o peso que  tinha sobre a música.

    O documentário passa bem pelos momentos históricos da vida de Simonal, como o show do Maracanãzinho e a polêmica sobre o número de pessoas que estavam  na abertura do premiado Sergio Mendes, um fala que tinham 30, outro 40, um terceiro afirma que eram 50 mil, essa sacada aliás é muito boa, pois se torna um comentário metalinguístico, de que cada fala sobre o cantor sofre com memória afetiva. Simonal foi grandioso, dominador de multidões e maestro do povo, até de forma literal. Inebriante, sedutor, provocador e marrento, a pilantragem não morava só na música e estilo, mas também no seu estilo de vida.

    O filme não convence no que diz respeito a sua participação como informante do regime. O filme não consegue estabelecer sua culpa, nem que foi manipulado, muito menos ajuda a fomentar a teoria de que ele era só um sujeito ingênuo e impulsivo. Na época de seu lançamento, essa foi a principal crítica a esse respeito, talvez a recepção de público e crítica hoje fosse diferente, afinal boa parte da opinião geral a respeito de documentários não passa necessariamente pelo convencimento que as obras produzem, e sim pela gama de assuntos que suscita, e nesse ponto, o filme é riquíssimo e dá voz a um personagem fantástico de nossa história e identidade nacional.

    A cena de Simonal cantando, já idoso, magro, com rosto fino e debilitado era o retrato da decadência de um país mal resolvido. Sendo informante ou não, Simonal não foi anistiado, enquanto membros do próprio regime, inclusive torturadores, convivem normalmente sem qualquer peso pelo que fizeram ou deixaram de fazer, enquanto Simonal foi apagado de nossa história. Um registro belo e necessário.

  • Review | Cursed Films – 1ª Temporada

    Review | Cursed Films – 1ª Temporada

    Produzida pela rede de streaming Shudder, Cursed Films é uma série documental escrita e dirigida por Jay Cheel, que visa analisar cinco filmes cujos bastidores foram conturbados e bastante confusos. Em seus episódios curtos, de aproximadamente 30 minutos, são mostradas cenas de bastidores e entrevistas inéditas, além de uma edição bem fluída, feita de maneira única, embaladas por uma trilha incidental, com a música de Justin Small e Ohaf Benchetrit.

    O primeiro objeto analisado é O Exorcista, de William Friedkin, e a participação mais esperada era sem dúvida alguma de Linda Blair, que relata sobre como foi trabalhar com Friedkin e todos os problemas físicos e psicológicos causados na equipe durante a produção do filme. Da parte dela se sabe uma porção de traumas, entre eles o de que as pessoas tinham receio de se aproximar por achar que ela era possuída como a personagem. Sem teorias da conspiração Cursed Films não faria sentido, mas até o modo como o roteiro lida com a morte de dois atores é comedido, assim como a perda de parentes próximos de Max Von Sidow e da própria Linda. Há bons depoimentos da dublê, Eilen Dietz, além de informações sobre como o diabo se manifestaria e do receio de Blair em falar sobre andar com seguranças. O programa parece mergulhar bem na intimidade dos seus personagens.

    Com Poltergeist: O Fenômeno e suas continuações, Cheel varia entre a fofoca a respeito dos esqueletos da piscina serem reais ou não (não eram, obviamente) e a morte de Dominique Dunne, Will Sampson e Julian Beck. No entanto, a história Heather O’Rourke é a mais triste. Gary Sherman, diretor de  Poltergeist 3 conta detalhes de bastidores e do quanto ela era querida, e a descoberta de uma doença rara junto ao tratamento que realizava acelerou o processo de infecção e culminou no óbito da garota com o filme não finalizado. Sherman confessa que o final original jamais foi rodado, e filmar um desfecho com um dublê foi arrasador para ele.

    Cheel tem uma habilidade única de embalar o espectador em meio a sensação de medo. A trilha ajuda, mas o ritmo que ele escolhe empregar varia entre os depoimentos, cenas dos filmes e locações clássicas. Cada novo elemento parece algo que gera muita curiosidade no espectador para acompanhar a saga analisada. No episódio de A Profecia somos apresentando ao produtor Mace Neufeld, que fala sobre a sugestão de um amigo em filmar o nascimento do filho do demônio, mirando o terror do anticristo em uma criança. Esse talvez seja o filme que mais teve coincidências bizarras entre todos, desde um pastor que tentou dissuadir Neufeld e Richard Donner de fazer o filme, até o avião que Gregory Peck embarcaria que acabou caindo, passando por um restaurante onde o roteirista almoçava sofrendo um atentado justamente quando ele não estava lá a esposa de um dos dublês que foi decapitada exatamente como no filme.

    Os dois últimos filmes são O Corvo (Alex Proyas), famoso pelo trágico fim de Brandon Lee – fato que aumentou ainda mais os boatos sobre a morte de seu pai, Bruce Lee – e No Limite da Realidade (Twilight Zone: The Movie), que em um incidente que poderia ser promovido no set, acabou matando um funcionário. Enquanto no primeiro são mostradas fotos dos testes originais do personagem na cena fatídica, no outro há um foco maior em todo o imbróglio jurídico que quase arruinou um dos diretores, John Landis.

    É curiosa a forma com que ambas as obras são abordadas. Enquanto da parte de No Limite da Realidade todos os entrevistados eximem Landis da responsabilidade, e no caso de O Corvo, o ator Michael Berryman expressa a controversa opinião de que o estúdio mirou a economia, dispensando os especialistas no manejo de armas, deixando um profissional sobrecarregado que não percebeu a tragédia que poderia vir (e veio).

    O roteiro destaca o foco muitas vezes inconsciente de procurar maldições em filmes de terror. Filmes como Superman: O Filme e Apocalipse Now trouxeram mal agouro aos seus intérpretes, mas como não lidam com casas fantasmagóricas ou encarnações do demônio não são olhadas como malditas. Cheel consegue entregar uma série divertida, de ritmo aprazível e repleta de curiosidades e entrevistas interessantes, o que dá a cada um dos filmes analisados mais camadas ainda de discussões, além de humanizar boa parte da equipe que trabalhou nessas obras.

  • Crítica | Mussum: Um Filme do Cacildis

    Crítica | Mussum: Um Filme do Cacildis

    Figura mítica do humor brasileiro, Antonio Carlos Bernardes Gomes, ou Carlinhos,  é a figura principal do novo filme de Susanna Lira, Mussum – Um Filme do Cacildis, que por sua vez, começa através da música, do samba que ele praticava com sua antiga banda, Os Originais do Samba. A maioria dos primeiros entrevistados dizia que ele era um passista fabuloso e parecia talhado para o samba, e de fato, ele era, o que não o impediu de mostrar outras facetas de sua persona artística.

    Mussum era humorista, aparentemente ele parecia ter nascido para fazer os outros rirem, e um dos maiores acertos que o filme poderia “cometer” é o deixar ele mesmo explicar quem ele era, mostrando sua trajetória por entrevistas  suas, que servem como narração em off ou não de parte de seu passado. Alguns amigos do seu passado dão depoimento também, normalmente aparecendo com uma animação de tv antiga, um artificio meio bobo, mas que não chega a atrapalhar a compreensão da mensagem que  o documentário quer passar.

    Carlinhos tinha receio de entrar no morro, mas depois que foi pela primeira vez, virou sensação. Ele sempre destacou que sua criação o colocou no rum do sucesso, mesmo que a probabilidade de dar errado era enorme, mas ele passou por cima disso sem pensar. Boa parte das passagens da vida do biografado são animadas de modo divertido, com fotos antigas com uma animação bem primária, acompanhadas das palavras de Lázaro Ramos, e é nesse ínterim que se conta o aborrecimento ao ser chamado de Mussum pela primeira vez por Grande Otelo quando faziam um programa de televisão, e de Chico Anysio afirmando que ele deveria ir devagar com o dialeto que o sujeito inventou.

    Também é curioso notar os elogios de gente gabaritada a respeito  dos Originais do Samba, entre elas, Elis Regina, provando que não era essa “apenas” a banda do trapalhão. O filme trata com humor a árvore genealógica de Mussum, com o cúmulo de ter dois Antonio Carlos Junior, batizados assim por conta dele ter esquecido, mas os filhos jamais reclamaram de falta de amor e cuidado do pai. É uma pena que as entrevistas ocorram com o filtro animado já citado, pois em momentos onde a emoção prevalece, como a vez que um dos filhos de Mussum embarga a voz ao cantar uma música de seu pai chama mais atenção pela forma do que pela reação e conteúdo do mesmo. Ainda assim, sobra emoção do documento histórico que Lira conduz.

    O filme também discorre sobre a questão racial e sobre as acusações de Os Trapalhões ser um programa racista, ao mesmo tempo em que ele era um dos poucos negros no horário nobre, um dos primeiros a fazer sucesso na televisão e a se tornar ícone. Em paralelo a isso, os filhos diziam que seu pai os ordenava a não levar desaforo para casa, além de ele também reagir na rua quando xingavam ele ou seus herdeiros por palavras racistas. Curiosamente nesse ponto há boas falas de Joel Zito Araújo, além de uma cena do filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida, onde ele fazia Jesus e batia de frente com os preconceitos do povo. A escolha dessas falas dá um bom panorama sobre a postura do mesmo a respeito do preconceito racial. Mussum – Um Filme do Cacildis consegue atingir mais acertos que erros, e  discorre de maneira bem singela e franca sobre a historia de seu biografado e melhor, sem soar enfadonho ou repetitivo, além de acrescentar bons momentos novos a biografia de Mussum como músico, humorista e como o ser humano admirável e  digno de saudades que ele era.

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  • Crítica | Minding the Gap

    Crítica | Minding the Gap

    Nos cenários mais injustos, Minding the Gap, o filme documentário de estreia do jovem Bing Liu teria passado batido a primeira vista. Em uma experiência própria, estranhei quando comecei a ouvir falar das boas reações que ele vinha recebendo mundo afora, parecia um simples filme sobre skatistas, o que havia em suas entrelinhas foi o que me instigou a aguardá-lo com grandes expectativas. O documentário atravessou tantas barreiras que foi um dos indicados na equilibrada categoria de Melhor Documentário do Oscar 2019 e deve ter sido um grande dia para o jovem cineasta responsável pelo longa ver onde seu projeto chegou, seu filme nasce de um desejo genuíno de gravar seu esporte favorito e no fim abraça temas mundiais.

    Liu é um jovem que cresceu humildemente em Rockfort nos Estados Unidos e desde criança tem um forte vínculo com outros dois rapazes que compartilham o mesmo amor pelo skate que ele. Ele e sua câmera acompanham a intimidade desses três jovens durante alguns anos e aos poucos a realidade vai batendo na porta de cada um. Zack precisa aprender a ser responsável por outra vida, Keire reluta em encarar o futuro e Bing começa a investigar o passado para encaixar algumas peças de sua vida. Em algum momento, o documentário passa a ser sobre as pessoas que fazem esses garotos serem quem são e como a violência doméstica deixa rastros enraizados.

    O longa tem uma vida crescente muito bem-vinda, o diretor ainda que deixe sua trajetória um pouco fora de plano, ganha quando seu desenvolvimento como ser-humano e como cineasta move o filme para caminhos certeiros. Por conta do acesso íntimo que ele tem com os seus amigos, suas abordagens são sempre muito naturais e as respostas soam honestas por serem reflexos de uma amizade real e antiga. E o diretor compartilha com teu espectador uma perspectiva muito interessante, seu olhar sobre seus amigos é muito acolhedor mas ele conhece as falhas de todos, assim como eles o conhecem. Então é um bom exercício assistir como o cineasta lida com os dois lados de estar fazendo um filme sobre si e as pessoas que ele ama, pois alguns podres se mostram impossíveis de ignorar no meio do caminho.

    Bing começa a enxergar suas histórias atravessando os limites das individualidades e agrega novas camadas, como a sensibilidade de acompanhar a mãe do filho de Zack e ouvir a versão dela de alguns fatos, ou o enfrentamento que o jovem cineasta faz a si próprio em ouvir relatos dolorosos de sua mãe e do seu irmão. É muito claro como o filme e seu criador crescem juntos e amadurecem, o retrato que Bing faz de sua paixão, de seus amigos e das dores do fim da adolescência é quase puro, eterniza uma geração que busca por significados e carrega consigo histórias das quais não precisa reviver, mas Minding the Gap deixa claro que nem tudo na vida acontece como deve acontecer, assim como nada parece resistir ao finito.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

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  • Crítica | Pastor Cláudio

    Crítica | Pastor Cláudio

    Filme de Beth Formaggini, Pastor Claudio começa com um letreiro que traz a memoria um tempo de desesperança, ligado ao Golpe Civil Militar de 1964. Seu filme/entrevista se foca no ministro que dá nome ao longa, sobre a época em que ele funcionário do governo e da pátria, e o sujeito, já idoso, de compleição bonachona e ouve o entrevistador Eduardo Passos (psicólogo e ativista dos direitos humanos) como se os fatos ditos durante o monólogo que descrevia o trabalho dele.

    Cláudio apesar da idade avançada fala abertamente sobre algumas pessoas que ele executou, entre as vítimas algumas que foram incineradas. Em alguns pontos, o enquadro esconde o rosto através das sombras provenientes do projetor que colocava fotos dos presos políticos “recebidos” pelo religioso.

    Claudio é bem lúcido, fala bem e abertamente sobre seus serviços prestados e sobre sua vida particular em Minas Gerais, onde passou a dever favores a policia local, graças a terem permitido que ele executasse um desafeto, e esses favores foram cobrados. Sua convocação aconteceu sobre o pretexto de que a esquerda e os comunistas se levantavam e precisavam ser freados. A partir daí ele transitaria entre Minas, Viória-ES e Campos dos Goytacazes -RJ.

    Entre o detalhamento das operações e da chegada das pessoas ao lugar em Vitoria onde ocorriam sessões de tortura e onde Claudio Guerra era administrador, se notam dois fatores primordiais, o primeiro é que ele não tem pudor em falar dos mortos que carregava ou que tinha contato direto, no entanto ele dizia durante os depoimentos ele fala que não assistia as sessões de tortura, mas sabia que ocorria ali. O segundo fator são os nomes das vitimas que saltam a tela, repetidamente e esse artifício pode parecer redundante, mas a ideia de mostrar ao espectador quem sofreu naquelas ações é importante, visto que uma lista com dezenas de nomes não teria síntese para dar nome a um filme, livro ou qualquer obra de registro, e o documentário apesar de ter o nome do entrevistado, serve de biografia dos mortos e do processo triste que sofriam, inclusive no processo -igualmente massificado no filme- incinerar os corpos.

    Em todo momento ele dizia ser frio nas execuções, não havia emoção, ao mesmo tempo que recebia benesses pelos atos que praticava. Ele parecia saber detalhes também de presos famosos, como o caso de Zuzu Angel, que segundo ele era bem incomoda e inconveniente aos poderosos, assim como Vladimir Vlado Herzog, inclusive verbalizando que a morte do jornalista foi um tiro no pé. Segundo os comentários que ouviu houve um exagero por parte dos torturadores, que supostamente não tinham intenção de matar Herzog.

    Guerra diz se arrepender do que fez, sobretudo pela questão de ter se associado ao poder nesta época, uma vez que lideranças mundanas seriam naturalmente pecaminosas segundo os preceitos de sua atual religião. Ele considera seus atos como errados mas a frieza com que fala segue impressionante, e ele culpa a falta de punição por ainda existir tortura no país, falando abertamente que elas ainda existem, nas favelas e cadeias, com os pobres, pretos e qualquer pessoa confundido com infratores da lei, e sua leitura da atualidade é bem sóbria, pois tudo o que diz condiz com o real, é um sujeito que viveu muito, que fez parte de uma pagina nefasta da historia brasileira e que tem consciência disso tudo.

    O apoiador confesso de processos de tortura tem um medo, receio de ser pego pelo grupo que ele chama de Irmandade, e ainda que não detalhe muito as operações do grupo, se nota o quanto ele respeita a tal organização. Passos é um belíssimo entrevistador, consegue permanecer impassível a qualquer sentimento e sensações, pois é dele a função de fazer ele falar, e mesmo que não consiga desenvolver muito este assunto em especifico todo o depoimentos de Claudio é esclarecedor e aterrador, fazendo de Pastor Claudio um belo exemplar de um cinema jornalistico preocupado com a historia e também com o futuro, uma vez que em 2019 quando ele chega ao circuito o governo federal seja formado por simpatizantes do Coronel Ustra e outros tantos torturadores e apologistas da Ditadura Militar.

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  • Entrevista | Álvaro Campos, diretor de Tá Rindo de Quê?

    Entrevista | Álvaro Campos, diretor de Tá Rindo de Quê?

    Na última quinta-feira (28/02), estreou nos cinemas o documentário Tá Rindo de Quê?, que se propõe a discutir o humor nos tempos da Ditadura. Para saber um pouco mais sobre o filme, conversamos com um dos diretores, Álvaro Campos. O documentário passou em alguns festivais, e agora correrá o circuito comercial. A conversa exclusiva você lê abaixo:

    Vortex Cultural: Desde quando surgiu a ideia do filme e como foi conduzir um longa-metragem a seis mãos (o documentário foi realizado em parceria por Campos, Claudio Manoel e Alê Braga)?

    Álvaro Campos: O filme surgiu de vontade de documentar a evolução do humor nacional na história. Há muito pouco produzido nesse sentido, e a reação excepcional do público jovem ao filme nos mostra que era um trabalho necessário. E sobre a condução, somos os três muito diferentes, em todos os sentidos. Negociar constantemente pra atender ao filme nos ajudou a contar e respeitar um registro plural da época, em que vozes dissonantes de personagens muito diferentes podiam co-existir, revelando de forma potente o espírito da época e suas múltiplas dimensões.

    Vortex Cultural: Duas falas me surpreenderam: Carlos Alberto de Nóbrega, no sentido de ter um asco enorme da repressão e tortura sobretudo pela época em que o documentário se debruça; e Roberto Guilherme (Sargento Pincel, do programa Os Trapalhões), que achava que na época da ditadura militar havia respeito. Curiosamente, esse último é um dos poucos que não condena o período. Foi difícil selecionar as falas dos entrevistados, deixar material de fora e encontrar o contraponto à visão negativa dos militares?

    Álvaro Campos: A gente partiu de uma lista de setenta entrevistados que pra gente formava o pilar da classe na época. E a partir das vozes deles – e não das nossas teses ou opiniões – o roteiro do filme nasceu. É lógico que imparcialidade absoluta não existe, afinal escolhemos as imagens, mas não cabia a nós buscar essa ou aquela opinião em busca do que nós pessoalmente consideraríamos contrapontos. Nos cabia criar um atmosfera em que as personagens falassem livremente e a partir de seus encontros e contrastes, revelar as sensações desses comediantes sobre esse tempo que, obviamente, não foram poucas. Nenhum de nós tinha a pretensão de esgotar o tema no filme gerando uma ideia de completude. E nem seria possível. São vinte anos de história. E cortar sempre é difícil, principalmente quando você tem a fala dos gênios do porte que tínhamos.

    Vortex Cultural: No final do filme existe um aperitivo sobre o novo documentário de vocês (Rindo à Toa). Existe alguma ligação entre os filmes? Qual a previsão de estreia para ele?

    Álvaro Campos: Sim, os filmes foram gravados juntos. O Rindo à Toa chega aos cinemas entre maio e junho. O objetivo é buscar uma trilogia que documente uma certa genealogia do humor brasileiro desde os anos 60. (Tá Rindo de Quê? vai de 60 a 80, Rindo à Toa vai de 80 a 2000). Assim mostraríamos que nenhuma voz daquelas é uma expressão independente, por maior que sejam seus nomes. Que todos aqueles mitos foram influenciados e influenciaram outros comediantes. E ao montar isso mapearíamos, mesmo que à grande distância, a evolução da classe e desse gênero artístico tão poderoso e popular. E que muitas vezes é muito menos creditado do que deveria em relação à contribuição que deu (e dá) à nossa cultura nacional.

    Vortex Cultural: Em atenção ao governo que subiu ao planalto, cujos principais nomes são bastante simpáticos ao período militar, e levando em conta que seu filme estuda as formas de humor brasileiro do passado, como você acreditaria que seria uma versão de Tá Rindo de Que? a respeito das comédias atuais?

    Álvaro Campos: Esse é um dos possíveis motes do que pode ser o terceiro filme da trilogia. Esperemos, até porque o objeto do filme está em plena atuação.

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  • Crítica | Fevereiros

    Crítica | Fevereiros

    Até mesmo no documentário que se dedica a destrinchar sua personalidade, a cantora e interprete Maria Bethânia consegue soar poética. Os primeiros 8 minutos são acompanhados de pequenos relatos da própria, de parentes – entre eles seu irmão Caetano Veloso – e de pessoas próximos, acompanhando é claro da marcante voz dela. Fevereiros consegue já no início estabelecer um espírito parecido com a sua personagem investigada.

    A forma que o diretor Marcio Debellian conduz o longa é bem simples, toma como base o samba enredo da Mangueira, que homenageou a cantora baiana. O curioso do filme é que ele serve de certa forma como um estudo não só sobre Bethania, mas também de parte da origem da Estação Primeira de Mangueira e um bocado sobre o Candomblé, uma vez que a biografada é bastante religiosa e, por mais que não seja adepta da religião candomblecista, utiliza de muitos dos seus elementos em suas música e nas suas performances no palco.

    O mergulho que Debellian faz na alma do brasileiro é muito bonito e lírico, a alma do cidadão da Bahia e do Rio de Janeiro são muito bem capturadas através não só da exploração da música da biografada mas também na ode que Fevereiros faz do culto as religiões afro-brasileiros. O ritmo do filme é assustadoramente fluído, ele já tem uma duração bem curta, de 75 minutos, mas ele é tão fluído e naturalista em suas análises que não se nota o tempo passar e isso é algo bem raro em um produto documental.

    Debellian já tinha experiência com analises de artistas, em 2014 fez O Vento Lá Fora, sobre Fernando Pessoa, mas aqui ele alcança um cinema bastante maduro, e que faz perguntar se seu filme soa mágico por conta de sua sensibilidade enquanto realizador e pelas ótimas escolhas que faz ao explicar a jornada da heroína que escolheu, ou se é por conta da trajetória de Bethânia enquanto artista e enquanto pessoa física. Documentários de bandas, músicos e musicistas tendem a cair em formulas quadradas e registros caretas e chapa branca, e todas essas características definitivamente não habitam Fevereiros, que segue como um filme sucinto e emocionante em cada momento particular, servindo muito bem na função de ode a arte e ao artista.

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  • Crítica | Ama-San

    Crítica | Ama-San

    O começo de Ama-San, novo longa-metragem da portuguesa Claudia Varejão é lúdico, com uma narração que explica um pouca da mitologia japonesa a respeito dos mergulhos sagrados que ocorriam nos  seus mares. O documentário toma como base a rotina de Mayumi Mitsuhashi, Masumi Shibahara e Matsumi Koiso, o trabalho das três e de tantas outras é o de mergulhar nas águas perigosas do país atrás de ostras, algas e pérolas, normalmente ao meio dia, que é um horário onde a luz consegue invadir as águas para iluminar o caminho dessas.

    Varejão faz um filme cuja abordagem foge do formato mais catedrático de cinema, quase não tem partes faladas, não se mune de entrevistas e é acompanhado das imagens dos mergulhos, com tomadas embaixo d’água muito bonitas, com as mulheres arriscando suas vidas em meio a um cenário inexplorado.

    O longa tenta dar uma grande importância as mulheres, e claramente elas fazem um esforço hercúleo para realizar o árduo trabalho que lhes é conferido, mas é demasiado longo e arrastado na maioria dos pontos. Varejão não consegue dar um ritmo bom a trama que expõe e não é incomum a sensação de enfado em meio ao público. Se há historia ali para quase duas horas de filme – ele tem longos 112 minutos de duração – a montagem não demonstra isso, e mesmo a curiosidade do espectador mais interessado pelo assunto se esvai em meio a tanta enrolação.

    Em alguns pontos a carga emocional soa forçada, não graças as personagens biografadas, mas sim a mão pesada da direção, que além de não ter muita coragem para eliminar as gorduras em meio ao material bruto que tinha em mãos. A alma de Ama-San demora a ser encontrada e só aparece de fato no final, quando se anuncia o desfecho do arco das personagens.

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  • Crítica | Obscuro Barroco

    Crítica | Obscuro Barroco

    Obscuro Barroco começa misturando ficção de documentário, focando na figura de Luana Muniz, uma transgênera folclórica, que ficou conhecida no mainstream pela icônica e engraçada frase Travesti Não é Bagunça. O longa, de apenas 60 minutos é narrado por Luana, em um ritmo prosaico, quase poético elucubrando sobre a sua vida, intimidade, condição e sobra a cidade carioca.

    Evangelia Kranioti, a diretora é uma cineasta grega, uma artista visual que reside em Paris e trabalha também com fotografia. Seu trabalho em cinema anterior Exotica, Erotica, Etc. em 2015 e esse e outros trabalhos seus para dar voz a quem normalmente não tem. As imagens que ela registra durante a historia são muito belas, variando entre os becos da cidade e rodas de samba ou bailes onde mulheres trans e travestis dançam livremente.

    O filme tem um formato de ensaio e a poesia da biografada, simples, com erros crassos de português e muita verdade são valorizados pela entonação de Muniz, uma mulher que é muito alegre mas que está triste pelo fato de estar envelhecendo, por estar se acabando. Ela viria a falecer antes mesmo da exibição desse filme em alguns festivais, entre eles, alguns internacionais, como os de Berlim, na Alemanha.

    Por mais que o discurso seja válido libertário, o que se diz em Obscuro Barroco é muito pouco. Vale pelo registro biográfico e pela memória de Luana, mas não muito espaço para discussão, nem se levantam muitas questões. Ele existe só por existir, em memória de uma pessoa que sofreu muitos flagelos mas que ainda assim viveu de maneira alegre e até despreocupado de certa forma.

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  • Crítica | Bacanal do Diabo e Outras Fitas Proibidas de Ivan Cardoso

    Crítica | Bacanal do Diabo e Outras Fitas Proibidas de Ivan Cardoso

    Bacanal do Diabo e Outras Fitas Proibidas de Ivan Cardoso começa com uma filmagem em preto e branco, com a câmera descendo junto ao carrinho, basicamente para emular um movimento de descida semelhante ao que o órgão sexual masculino faz ao penetrar no ato sexual. Não demora para, sem qualquer introdução, vir um número sobre o Draculas Club, onde mulheres semi nuas ou nuas fazem mil peripécias ligadas a vampiros, com slogans sensacionais – como Vampiras infernais, Taras Diabólicas, Rebolando com Drácula – onde as moças fazem até golden shower nas fotos de Bela Lugosi.

    O filme, de pouco mais de uma hora de duração se dedica a passear pela filmografia de Ivan Cardoso, de maneira regressiva, a principio. Essa postura metalinguística não é novidade, Cardoso já se auto referenciou antes em suas obras, inclusive em alguns títulos de seus filmes mais antigos, mas a maneira com que ele monta esse filme é demasiado inteligente e moderna, pois reúne boa parte de suas influências com a sua obra e de uma maneira que até hoje é imitada, como é visto nos recentes Humberto Mauro e Cinema Novo, por exemplo, ainda que o objeto de analise desses seja muito mais catedrático.

    Para quem conhece a obra do cineasta o filme é um belo rememorar, além de conter elementos novos, e claro, e para quem não é especialista da obra é uma boa iniciação, pois os curtas e fitas compiladas aqui não tem uma ordem definida e não necessitam de qualquer visualização prévia nem para serem apreciadas e nem para seu entendimento.

    Em comum, em todos os segmentos, há uma ode ao rock’n roll e a exibição de belos corpos femininos, desde momentos mais tímidos das moças até detalhes ginecológicos, sejam cenas onde os órgãos sexuais das mulheres estejam em foco só por estar, bem como momentos de  masturbação ou depilação. A ideia de Ivan é de normalizar o nu, e ele acerta em cheio no quesito, pois mesmo que a principio uma intimidade dessa choque é completamente natural o estado e essas imagens, e Bacanal do Diabo está muito bem dentro estigma que propõe para si, de ser apenas  um retrato da obra de seu criador, acertado e certeiro, um ensaio que gera muita curiosidade pelas outras obras.

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  • Crítica | O Diretor e o Jedi

    Crítica | O Diretor e o Jedi

    O começo do documentário em longa metragem de Anthony Wonke se dá em meio a um discurso de Rian Johnson, de que ele conduziria o episódio 8 da franquia, o famigerado Os Últimos Jedi, filme esse que foi muito criticado por boa parte da fanbase. O Diretor e o Jedi brinca inicialmente com toda a expectativa prévia ao filme, mas não demora a mostrar os bastidores, do diretor e roteirista discutindo e ensaiando as cenas com Daisy Ridley e Mark Hammil, na intimidade de seu lar, junto ao produtor Ram Bergman.

    Desde o início se percebe que esse não seria um documentário em making off ao estilo dos featurettes encomendados pelos estúdios e que passam no Youtube e passavam antes nos canais como MTV ou TNT, há realmente uma preocupação em investigar a origem das idéias e o modo como Johnson tentou orquestrar desde as cenas com maquetes, até as de CGI ou as que tem atores dentro de roupas que emulam alienígenas.

    Para sanar a dúvida dos fãs  da franquia, que não acreditavam que Johnson realmente tinha liberdade para escrever o que bem entendesse, há uma cena que discute o momento imediatamente posterior ao final de O Despertar Da Força, com Luke recebendo seu sabre clássico, jogando-o de lado. Após explicar as razões para Hammil do porque ele faz isso, há cena imediatamente após isso, em que o interprete de Luke deixa claro o seu descontentamento com o rumo da historia assim como a divergência com aqueles fatos. Esse discordar foi aberta a imprensa e as redes sociais do ator e o fato de Wonke abordar isso em seu filme é algo realmente corajoso e ousado, uma vez que o filme analisado passou por um processo polêmico de analise da crítica e publico.

    O filme não se limita a mostrar as cenas in loco em Skelling Michael, a ilha na costa da Irlanda que serviu de cenário para o isolamento de Skywalker, ou as cenas de treinamento com sabre de Daisy, mas também mostra  o uso dos animatronicos de escala grande, além de não necessitar das narrações mega enfadonhas que geralmente ocorriam nos extras e materiais especiais da trilogia prequel e clássica. Há uma leve influencia de Império dos Sonhos, filme de Kevin Burns que falava a respeito de Star Wars, Império Contra Ataca e Retorno de Jedi além do fenômeno da saga como um todo, mas a inspiração é muito mais no espírito do que no formato, há a ideia sim de mostrar que um cinema lendário estava ali sendo registrado, mas não há necessidade dourar a pílula, tampouco fingir que não houveram tensões ao construir uma obra envolvendo tanto ego, vaidade, dinheiro e paixão de fãs.

    O reencontro de Mark Hammil com Frank Oz é bem legal, e claramente ambos se emocionaram ao se reencontrarem depois de tanto tempo. Outro momento que também consterna o publico são as partes que mostram Carrie Fisher, e o diretor acerta muito ao não tentar criar um clima solene com o fato dela não poder mais participar da franquia.

    O Diretor e o Jedi investiga a gênese não só da direção de Johnson, mas também os primórdios de seu roteiro e as idéias que o fizeram chegar a esse ponto da história, massificando a ousadia do diretor que resolveu não seguir cartilha nenhuma ao construir sua historia, avançando sobre a mitologia de Guerra Nas Estrelas sem receio de incomodar fãs, e o fato de não condescendente nem com filme nem com o artista faz com que o trabalho documental soe bastante digno e honesto em seus esforços.

    https://www.youtube.com/watch?v=MQ-5YoytZDc

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  • Crítica | Palace II: Três Quartos e Vista Para o Mar

    Crítica | Palace II: Três Quartos e Vista Para o Mar

    Há  vinte anos atrás no começo do ano de 1998 uma tragédia chocou o Brasil inteiro. Lembro como se fosse hoje da implosão de um prédio na Barra da Tijuca e da já noção do quanto os engravatados de Brasília eram poderosos e mesquinhos. Palace II: Três Quartos e Vista Para o Mar é um documentário de Gabriel Corrêa e Castro, que dez anos atrás fez o curta Poeira nos Olhos, também sobre o prédio, e Rafael Machado, e resgata a memória de muitos moradores do Palace II.

    Apesar de toda a surpresa da população, o que se diz logo no início do filme é que essa tragédia já era anunciada, visto o histórico da falta de qualidade nos imóveis e moradias de Sérgio Naya, principal responsável pelo conjunto habitacional. O começo do registro se dá com tomadas aéreas mostrando como ficou o lugar onde já esteve o Palace.

    Talvez para quem não seja do Rio não haja a percepção real do que era morar na Barra naquela época, pois o bairro era a chance mais barata de ficar perto da praia, o paraíso dos emergentes. E da boca das vítimas vêm a notícia de que o prédio demorou a ser entregue e já com as pessoas habitando ali se notava que o lugar estava inacabado. Os últimos andares não tinham um tratamento básico, faltava porta, janela, tinta nas paredes, nada parecia estar realmente pronto. As imagens de arquivos hoje soam até engraçadas, embora ainda assim sejam trágicas, com moradores tentando bater nos empreiteiros que os acusavam de invasão, mas mesmo com esse tipo de atitude, o que se via era uma total blindagem em cima de Sérgio Naya, o real responsável por tudo aquilo.

    O material claramente era de péssima qualidade. Para os peritos que verificaram o local havia muito mais areia e barro do que cimento. Quando um morador pregava um quadro, o prego descia rasgando as paredes de quaisquer que fossem os cômodos. A fachada era linda, mas o interior era deplorável.

    O registro sobre o fatídico dia 22 de fevereiro de 1998, é bem detalhado. O prédio balançou bastante no meio do carnaval e se viam rachaduras enormes ao longo de todo o edifício, e sob ordens de um moderador que era engenheiro, começaram uma evacuação emergencial. Há cenas descritas dignas de filmes de horror, como o momento em que uma família espera o elevador, desesperada por conta das escadas não estarem mais transitáveis, e ao abrir a porta do elevador se dá conta que tijolos deslizaram lá para dentro. Outro momento marcante, esse já registrado em vídeo, foi a segunda queda, que produziu uma espécie de cachoeira, assim como a implosão, igualmente dantesca.

    O filme é um pouco burocrático, e tem um formato de reportagem televisiva, mas apesar disso dá para notar o quão sincero era o choro da perda de referencial das famílias. Os momentos de garimpo dos bens, onde cada andar do prédio parecia uma fatia de lugar com apenas vinte centímetros dá a dimensão de como aquelas pessoas se sentiam. Mas Naya era poderoso e muito generoso com seus colegas, emprestava imóveis quando eles não tinham onde morar tendo então um conjunto de favores prestados e que poderiam ser cobrados. A cassação demorou a ocorrer e o processo se arrastou. Em 2001 os moradores ainda estavam em quartos de hotel e alguns ficaram nessa condição por quase dez anos. A via crucis envolvia a tentativa de vencer pela cansaço, com ofertas ofensivas e argumentos fracos de que aquilo foi um erro de cálculo.

    O filme de Machado e Castro mesmo tendo bons depoimentos não consegue causar tanta comoção quanto pretende. Não há qualquer linguagem mais cinematográfica, remetendo a uma matéria de televisão editada com 84 minutos, que serve mais para rememorar do que emocionar com a sua triste história.

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  • Crítica | Be Natural: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo

    Crítica | Be Natural: A História Não Contada da Primeira Cineasta do Mundo

    O filme começa com uma montagem cheia de clichês hollywoodianos, tendo início com os blockbusters recentes, depois dos anos 90 e 80 até chegar em Charles Chaplin, aludindo a toda a trajetória que o cinema teve do começo com os Irmãos Lumiere até hoje. O documentário conta a história de Alice Guy Blaché e se inicia na França, no começo dos experimentos dos Lumière, narrado por Jodie Foster.

    A especialidade da cineasta Pamela B. Green é o trabalho na áreas de design gráfico, animação e pesquisa de filmagens de arquivo, e seu esforço documental começa pela árvore genealógica da sua biografada, mostrando o parentesco das pessoas ainda vivas e que prestaram ajuda a Green para montar esse quadro. Não demora a mostrar uma de suas primeiras obras, A Fada do Repolho (La Fée aux choux), de 1889, que por sua vez era uma refilmagem do mesmo filme rodado três anos antes e aqui já se nota uma diferença básica de seu trabalho em relação aos Lumière, pois ela investia em ficção enquanto os irmão faziam mais documentários.

    Guy Blaché aparece no filme basicamente em duas entrevistas em vídeo, uma de 1957 e outra de 1964 que são diluídas e passam conforme a trajetória e jornada pessoal e de trabalho avançam. Bizarramente, a maioria das pessoas famosas que depõem, entre elas Peter Bogdanovich, Geena Davis, Patty Jenkins, entre outros, não fazem a menor ideia de quem seja a diretora e o maior trabalho do filme certamente é tentar entender o motivo dela ter sido apagada da história.

    Alice sempre sonhou em ser atriz, mas foi proibida pelo pai de fazer teatro, e isso faz com que haja suspeita de que a mulher que protagoniza a maior parte dos seus filmes seja a própria. Segundo uma perícia feita para o documentário, há uma chance grande disso, ainda que o método utilizado não seja totalmente preciso. Além disso, o modo como ela gravava era bastante sofisticado para a época, por meio de uma pré-gravação dos sons de seus filmes.

    Nos estudos de Sergei Eisenstein nota-se que ela influenciou o diretor soviético em seu modo de registrar. O termo Be Natural que dá nome ao filme era utilizado como lema nos sets, ela pedia que o elenco agisse de maneira realista. Entre os filmes estudados, há destaque para Esmeralda (La Esméralda, 1905), filme que adaptava O Corcunda de Notre Dame de Victor Hugo e que demorou a ser associado ao nome da diretora (os registros apontavam para um assistente de direção como realizador), há também uma versão da Paixão de Cristo (The Birth, the Life and the Death of Christ, 1906), um filme grandioso e o primeiro a ter mais de trinta minutos de tela. Um Tolo e Seu Dinheiro (A Fool and His Money, 1912), com Jamie Russell tinha o elenco totalmente formado por negros, em uma época em que geralmente brancos faziam black face e representavam os negros como seres caricatos e involuídos.

    O documentário é longo e carece de um ritmo dinâmico, mas as razões que levaram a diretora a ser descreditada são muito bem explicitadas, em especial pela ignorância dos historiadores e autores de livros sobre a pré-história do cinema. O trabalho de Green é muito acertado ao buscar respostas sobre o que aconteceu com a figura da diretora.

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  • Crítica | Lembro Mais dos Corvos

    Crítica | Lembro Mais dos Corvos

    Julia acorda e começa a falar com Gustavo, que está atrás da câmera. Ela declara que detesta ter insônia e ela sequer sabe que gravam. Ela é Julia Katharine, uma mulher trans que é o centro das atenções do filme de Gustavo Vinagre, e Lembro Mais dos Corvos é basicamente sobre Julia, que é a dona da história e sua narradora.

    O tempo inteiro a biografada pergunta o motivo do filme, e o que o diretor queria com as falas dela. Aos poucos ela se abre, e fala sobre sua intimidade. Julia se descobriu cedo, aos 8 anos, e com seu tio avô que tinha 55. Ao mesmo tempo em que ele era o herói de sua mãe, ele era o único que a tratava como mulher, e os dois começaram a ter uma relação. O namoro dos dois era escondido e ao menos na intimidade eles se davam muito bem. Julia não sabia que estava sendo abusada, só chegou a essa conclusão na terapia quando já era adulta e a relação acabou de repente, basicamente porque ela cresceu.

    Aos poucos ela revela detalhes de seu gosto por filmes tristes, e diz que segundo a sua mãe, ela tenta reproduzir seus filmes preferidos o tempo inteiro, mirando uma poesia no cotidiano, como uma Drama Queen normalmente é. A câmera é nervosa, e Gustavo claramente tem problemas com o foco, e isso de certa forma conversa com o ideal da vida, que também é imperfeito.

    Em alguns pontos, o filme não soa tão interessante, por serem problemas meio usuais os que Julia tem como boa parte da humanidade e apesar dela ter um lado muito positivo, as confissões passam por problemas sérios, como com a sua mãe, que a culpa por estar afastada do restante da família, basicamente porque resolveu se assumir mulher trans.

    Julia conversa muito bem, é espontânea e uma mulher muito inteligente, em suma é uma personagem muito rica e muito bem enquadrada por seu diretor e amigo. Seus questionamentos a respeito do porquê do filme simplesmente não fazem sentido, pois ela transborda o suficiente para encher este e outros tantos. No final, ela mostra o amanhecer da cidade, uma das poucas coisas boas de se ter insônia e isso funciona para si como terapia, assim como consumir e fazer cinema.

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