Resenha | Campo em Branco
A história de dois irmãos, explicitada sem delongas por seus autores Emilio Fraia e DW Ribatski. A trama já mostra seu caráter num epílogo intimista, que desemboca na trama principal, Campo em Branco, de subtítulo Lembrança de 1987. As pessoas de papéis periféricos – como a comissária de bordo – têm suas falas cortadas e não possuem face, como se a sua identidade não importasse. Os personagens que importam não têm muito tato, são indiscretos em suas falas, explicitando até o seu incômodo diante das coisas que se apresentam a eles.
As escolhas estéticas de Ribatski dão uma rusticidade única à obra, seja pelas cores predominantes, em tons de azul, branco e preto, como pelas hachuras que lembram os restos de grafite dos lápis infantis, como as sujeiras deixadas pela borracha depois de um esforço para apagar-se um erro – tais traços fortes “coincidem” com as duras feições dos personagens, ou com seus pelos faciais que fazem lembrar as marcas que o tempo deixou em sua pele.
Os pecados, ligados ao jogo, são mostrados de modo visceral e até um pouco cruel, mas ainda assim guardam em si uma carga de normalidade grande, mostrando estas características de modo absolutamente natural, assim como as paragens, com cenários que variam entre planícies e zonas urbanas. A relação de Lúcio e Mirko é composta de momentos de vivência estranha, onde os irmãos se instalam nos lugares mais ermos em prol de uma aventura idílica, movida quase que por completo pela porralouquice, pela vontade de alcançar algo que eles jamais tiveram acesso, uma experiência arrebatadora, digna de lembranças, a despeito até do bom senso.
Um dos signos escolhidos por Emilio Fraia é o macarrão instantâneo, um alimento fácil de fazer, de rápido cozimento, que representa em si a efemeridade da rotina dos irmãos, o pouco tempo e recurso que ambos têm para suprir as suas necessidades básicas. É curioso como o encontro dos dois irmãos enfrenta enormes distâncias, que consomem muito tempo para serem atravessadas e, simultaneamente, concentram tão pouco tempo para executar até as refeições.
Em determinados pontos da leitura, a nostalgia dá lugar a um incômodo, especialmente após o começo do tomo 2, onde Lúcio se acidenta e é deixado pelo irmão aos cuidados de uma estranha. A única grandeza permitida dentro da revista é a magnitude ampla da Natureza, que faz às vezes de Divino, mostrando-se superior, e muito, aos humanos da história.
O desenrolar da história apresenta muito simbolismo, mas este acaba carecendo de significado, na maioria das vezes, calcando-se quase exclusivamente na relação fraternal e nos seus altos e baixos. A falta de exploração de assuntos mais complexos faz com que o produto final fique um pouco pretensioso, ostentando uma mensagem não tão profunda quanto quer parecer. A falta de compromisso com a linearidade temporal funciona para exemplificar o quão caótica é a relação de Lúcio e Mirko, mas é cansativa em certos pontos, por deixar a leitura menos fluida e mais truncada, a mão de Fraia é um pouco pesada nesse quesito. Campo Em Branco funciona como um escape emocional, que mostra o quão conflituosa e cheia de rivalidade pode ser a relação entre irmãos de sangue.