Resenha | O Fantasma de Anya
Vera Brosgol, autora russa e radicada nos EUA, possui uma sólida carreira no campo das animações, e estreou nas histórias em quadrinhos no ano de 2011, com O Fantasma de Anya, obra posteriormente publicada aqui no Brasil, em 2013, pela Editora Jangada. O trabalho de estreia de Brosgol foi tão aclamado por público e crítica que abocanhou de uma só vez os celebrados prêmios Harvey (Melhor Publicação Gráfica Original para Jovens) e Eisner (Melhor Publicação para Jovens Adultos), em 2012.
Com um traço deveras agradável e limpo, que lembra em muito os desenhos animados do Disney Channel do comecinho da década passada, como Kim Possible, Lilo & Stitch e Jake Long, Brosgol faz uso de uma diagramação padrão e uma arte expressiva, que em muitas vezes torna desnecessária a utilização de balões de fala.
A narrativa visual da autora é muito satisfatória, o que torna as transições de cenas bem orgânicas e fluidas, quase como uma animação propriamente dita. O trabalho de Brosgol em O Fantasma de Anya poderia facilmente virar um desenho animado, dado o grau de aproximação existente na concepção visual da história em quadrinhos. O uso do roxo como paleta de cor para o desenho confere um aspecto soturno e sobrenatural para a história, enquanto evidencia a competência da quadrinista em dar volume para seus personagens e cenários.
A trama acompanha a história da adolescente Anya Borzakovskaya, uma imigrante russa que conta com sérias dificuldades na interação social, enquanto sofre com a constante sensação de inadequação que permeia a adolescência de todos nós. Tudo muda para a garota quando ela cai em um buraco e nele encontra um esqueleto misterioso, que posteriormente revela ser o corpo de Emily, o fantasma de uma garota que morreu naquele mesmo local, 90 anos antes, e que se revelou para Anya.
Levando um pequeno ossinho da fantasma consigo, Anya passa a se aproveitar dos poderes de Emily para se dar bem na escola, melhorando suas notas e seu convívio social. Tais ganhos, no entanto, acabam por mexer demais com elementos basilares da vida da garota russa, o que a levam a perceber que há algo de errado nisso tudo. A barganha espúria que ela fez com Emily esconde mais perigos do que se poderia imaginar, e Brosgol obtém êxito ao desenvolver tal percepção de Anya com naturalidade e sutileza.
A virada no roteiro é bem executada e inserida na trama, acompanhando o ótimo desenvolvimento dos personagens. Anya, sua mãe, seu irmão, Siobhan, Dima e os demais alunos da escola são bem trabalhados e construídos, o que enriquece a própria formação da protagonista. Anya só possui segurança quanto à certeza de suas inseguranças, o que a leva a lidar com dificuldades de aceitação própria em relação ao seu peso, à sua aparência e à sua condição de imigrante. A garota se esforça ao máximo para parecer americana, por vezes renegando suas origens, bem como se privando de certas roupas por também não lidar bem com a própria forma física, e tudo isso buscando um mesmo objetivo: aceitação.
A garota busca a todo tempo ser aceita por aqueles com os quais convive, escondendo elementos importantes de sua vida para tentar ser quem não é, e agradar pessoas que nem a conhecem de verdade, deixando de lado aqueles que de fato se importam com ela. Vera Brosgol trabalha muito bem com essa temática, possivelmente buscando elementos em sua própria biografia, visto que ela mesma foi uma imigrante russa, chegando aos EUA quando era bem pequenina. Emily funciona para Anya quase como um espelho retorcido, fazendo com que a garota perceba em si o que viu de errado na fantasma, dando um ar fabular para a história.
Trafegando por referências que vão desde o Fausto, de Johann Wolfgang von Goethe, até as histórias infantis, Brosgol apresenta uma competente e deliciosa narrativa logo em sua estréia. Já em relação ao trabalho editorial, este apresentou qualidades e defeitos em sua edição da obra, algo natural até. Se conta com alguns erros de revisão e com certo desfocamento das letras em quadros com o fundo colorido, a edição apresenta um papel de ótima gramatura e uma capa cartão bem resistente, o que possibilitam uma boa experiência de leitura.
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