Crítica | A Acusada
– Eles deixaram você no escuro?
Pergunta dirigida a Lucie de Berk por um dos guardas que amigavelmente entra na sala do interrogatório e liga as luzes. Ela, por sua vez, não responde; talvez porque saiba a resposta, assim como o público, que foi devidamente introduzido ao filme com a personagem sendo levada ao tribunal. Encolhida no fundo de uma van, cercada por repórteres e, por trás deles, a concepção de uma sociedade que sim, deixou-a no escuro.
A Acusada foi o filme escolhido pela Holanda para representar o país no Oscar. Dirigido por Paula van der Oest (Zus & Zo, previamente indicado à Academia) e roteirizado por Tijs van Marle e Moniek Kramer, que apresentam uma carreira com base e crescimento nos roteiros de televisão. A película trata da história real do julgamento de Lucie de B., acusada de matar crianças e idosos ao trabalhar como enfermeira. Sua prisão não se baseou em provas concretas ou testemunhos embasados, mas sim em suposições fundamentadas em preconceitos, que ergueram então um circo para a mídia e, consequentemente, gerou e propagou desaprovação popular. Esse evento é um dentre tantos que exemplificam o quão danificado é o sistema legal.
É especialmente danoso para os inaptos socialmente, como é o caso de Lucie (Ariane Schluter). Suas colegas de trabalho a olham torto devido às suas roupas, suas ações; seu profissionalismo e introspecção que são confundidos com arrogância. Soma-se a isso um passado duvidoso para elas, que é de muitos traumas para Lucie. A personagem principal deu a Der Oest material suficiente para desenvolvê-la como a mais rica da obra, focando, principalmente, nos pontos de sua humanidade que foram tão escondidos pelos meios de comunicação quando o caso ocorreu entre 2001 e 2008.
Sete anos de sofrimento judicial. A história sozinha já é poderosa, mas isso não quer dizer que simplesmente transcrever para uma página de roteiro renderá um filme digno a ela. O drama investigativo segue moldes americanos, simples. Talvez pela experiência televisiva das roteiristas. O que para muitos pode ser uma qualidade, acaba se transparecendo em preguiça, pois não há aparente esforço em tela; lembra exatamente a plasticidade de tantos filmes hollywoodianos. Além disso, ser uma história real que se estende por muitos anos também não ajuda. Há uma divisão clara entre períodos que é prejudicial ao ritmo da obra, ainda mais ao não demonstrar uma evolução orgânica em personagens além de Lucie.
Judith Jansen (Sallie Harmsen) é uma dessas personagens planas. Uma recém contratada da polícia holandesa; sedenta por um caso para se provar como profissional, além de algo mais do que uma escritora acadêmica. Pode-se afirmar que é a personificação da Justiça, especialmente no modo como lida com Lucie no decorrer da trama. Além dela existem outras figuras, especialmente policiais, tão planas quanto. Tal pobreza dos personagens diminui a carga do filme e simplifica o tema que deseja abordar.
A fotografia de tons frios e sombras intensas ressoa com a personagem principal, e com a sua própria situação emocional e social. Aproxima-se para tornar claustrofóbico e afasta-se para delatar a solidão, sempre com uma vinheta escura nas bordas. Em poucos momentos há cores mais vibrantes em tela, geralmente flashbacks de acontecimentos anteriores ao trauma e à vida adulta de Lucie. Não é uma fotografia que pretende chamar atenção para si. Igualmente a trilha sonora surge em cortes de uma cena para outra, em uma tentativa de melhorar o ritmo da narrativa. Apresenta o mesmo estilo de tantas outras fitas policiais americanas, com aparentes barulhos de grades perseguindo seus personagens.
A sociedade é a mão que afaga e apedreja. A demonização dos marginalizados pela mídia se faz com a mesma alienação que sua santificação posterior, e A Acusada pode falhar em diversos pontos devido à falta de esforço para ir além, mas a mensagem que quer passar é clara. Lucie de B. passou mais de sete anos sofrendo graças a falsos julgamentos e ao orgulho de integrantes de um sistema falho. E ela pode ter sido exonerada, ter saído do escuro, mas ainda existem outros a habitá-lo.
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Texto de autoria de Leonardo Amaral.