Crítica | Bikes Vs. Carros
O título em questão dá margem a uma interpretação imediata: É guerra? Não, apesar que para a maioria dos motoristas e ciclistas de caos urbanos como São Paulo, possa ser. Nas cidades além da capital paulista onde todos lutam pelo mesmo espaço, a selva exige o preço e, vira e mexe, uma bike vai parar debaixo do busão na rota da avenida. Quando as duas rodas pedem tolerância e respeito as quatro motorizadas, a lei do mais forte encontra espaço pra se valer e é difícil isso não acontecer – pelo menos, no mundo real. Todavia, em recantos de gente aberta as alternativas e possibilidades de uma metrópole onde os cidadãos ditam as regras da mobilidade, é cada vez mais difícil achar uma bike disponível em bicicletários públicos espalhados ao redor, como mostra a iniciativa sustentável (e capitalista, heh) do Banco Itaú, com o Bike Sampa, que desde 2012 disponibiliza as “laranjinhas” para uma parcela crescente do povo, essa que não aguenta mais xingar atrás do volante. Seja na realidade brasileira, em cidades como Los Angeles nos EUA, ou no pulsar (nem) tão ímpar de Copenhague, na Dinamarca, o documentário Bikes vs. Carros aponta, sob o título contraditório, num belo equilíbrio (sem trocadilhos) de argumentos, as condições da mobilidade urbana ocidental, e o que faz a diferença num mundo baseado em conflitos de interesse. Afinal, é preciso esse embate?
Sim, e não – como se fosse fácil de alegar. Mas é entre as estatísticas da indústria automobilística, claramente predatória desde a propaganda que fomenta seu lucro, a poluição resultante de suas máquinas, e construir um mural de depoimentos lúcidos e presentes em função do que pensam ciclistas e taxistas, por exemplo, entre tais paralelos, se constrói na tela algo maior: A opinião do espectador, seja ele amante do dirigir, do pedalar ou do caminhar, diário. Somos todos um, não apenas se o cenário é uma grande cidade e o problema envolve a todos nós; fugir da palavra não afasta a tribuna, como já diria o cronista do periódico de jornal. E enquanto esses jornais notificam a morte de pessoas que tentaram fazer a diferença, tornando real o conceito de sustentabilidade e respirando dióxido de carbono enquanto isso, o documentário ativista e parcial de Fredrik Gertten evita apologias no traço de políticas e fatos pertinentes, no mínimo alarmantes e convidativas a participação social, ao contexto cultural que vivemos. Não eu, ou só você: Todos.
Bike vs. Carros resgata e conduz ao real o drama do clássico espanhol A Morte de um Ciclista, sendo o retrato fiel e livre de quem vive a causa, dos pés a cabeça, na ótica por inteiro de um quadro atual. A pergunta, a direção lógica que o título não desvia de nossa atenção mas tampouco aponta, talvez não seja nem precise ser “De que lado você está?”, mas “Porque você não está no lado que gostaria de estar?” Comodismo? É a história do barato que sai caro? É certo medir a qualidade de vida de acordo com o tamanho de gordura alojada na bunda do indivíduo? Uma abundância de questões que a militância, de acordo com a visão de motoristas estressadinhos por ai, sem dúvida traz à tona, como se fossem dilemas e não problemas inevitáveis, dramáticos a vida em sociedade. Não é preciso haver drama, afinal, se houver uma boa vontade e inclusão generalizadas, já que tudo envolve a inclusão. E dinheiro, pois encontrar alguém que não sabe disso é procurar jegue em ciclovia, símbolo talvez da maior polêmica da gestão do atual prefeito de São Paulo.
Na maior megalópole latina, o discurso acaba por ser mais do mesmo se comparado com o de um morador de um bairro em L.A.: “Gostaria de ser mais representado pelos milagres da engenharia como são as rodovias para carros”, desabafa quem enxerga a mobilidade com outros olhos, um modo de vida captado de perto por Gertten, assumindo a alma do gênero ao transmitir, na lente acoplada a bike, a coragem de cruzar um trânsito disputado metro por metro, entre carros e caminhões nervosos. É na transgressão de pontos de vista que se faz (e enriquece) o panorama em prol de uma diversidade de opiniões, muito bem dispostas na projeção, para fazer pensar a questão arbitrária dos lados. Com tanta gente morrendo para exercer a cidadania, é justo ficar neutro e fingir não ser com você? Blowing in the Wind, canção de Bob Dylan, parecer surgir do nada. Mas nada vem do nada, e o futuro vem chegando, a galope e a partir do conflito de quem passa na avenida – e samba, sem medo de ser feliz.