Crítica | Clímax
Baseando-se em uma história real que aconteceu nos anos 90, Gaspar Noé retornou ao circuito em 2018 depois do seu último e controverso trabalho, o longa-metragem Love, de 2015. O argentino francês desde 1998 carrega consigo uma fama de causar grandes reações no público por conta de suas obras provocativas e consideradas por muitos como repulsivas, e o seu novo projeto não deixa de abrir portas para as mesmas interpretações, em uma fusão de gêneros e referências muito bem realizada o diretor entrega o melhor filme experiência do último ano.
Filmado durante 15 dias e com um roteiro sem falas pré-estabelecidas, Clímax é recheado de diálogos improvisados e extensos planos sequência, esses que trazem coreografias de dança impecáveis. A dança é importante pois no longa acompanhamos um grupo de jovens dançarinos que parecem estar hospedados durante um bom tempo em um galpão afastado da cidade, tudo para que possam passar por longos ensaios. Em uma noite, enquanto comemoram entre si o sucesso do trabalho, as coisas começam a sair do controle quando descobrem que um deles batizou a sangria da festa com LSD. Dividindo o protagonismo com boa parte do elenco, no meio de tudo isso está Selva, interpretada pela hipnotizante Sofia Boutella.
Noé começa o filme com entrevistas em uma televisão rodeada de DVD’s de grandes clássicos, e ao decorrer da narrativa consegue-se captar as diversas e pontuais referências desses filmes no trabalho do diretor, as cores do longa remetem imediatamente ao surrealismo do Suspiria, de Dario Argento, onde os cômodos carregam personalidades ditadas por suas cores específicas e faz com que a viagem alucinante das personagens aqui as levem a diferentes mundos. A performance poderosa de Boutella, por exemplo, relembra as cenas mais perturbadoras do clássico Possessão, de 1981, a atriz sustenta cenas extensas e indescritivelmente pesadas onde seu trabalho de corpo e voz soam tão reais quanto livres.
Em alguns momentos Clímax parece até um musical, existem performances de dança perfeitamente coreografadas e bem filmadas que com o tempo se justificam nas diferentes reações que cada dançarino tem com a sangria batizada. Assistimos por dezenas de minutos essas pessoas se expressarem com seus corpos que quando elas já não são mais elas mesmas pelo efeito do alucinógeno, suas respostas corporais revelam uma natureza humana primitiva e nada coreografada, mas sim imprevisível. Em meio a planos sequência extensos e absurdamente complexos, movidos por uma trilha musical quase desconcertante quando no lugar da ironia, nos encontramos como espectadores impotentes, reféns de situações absurdas e que tocam em territórios íntimos. De um lado personagens extrapolando limites, e do outro espectadores imersos pelo choque, o que me faz acreditar que o longa se enquadre tanto como uma experiência, é impossível chegar ao fim de uma hora e meia como uma pessoa imutável, o filme fica com você.
Noé segue com seu jeito único de filmar, sua câmera aplica estilo e ignora as leis convencionais, vemos de baixo, de cima, vemos girando, e ás vezes nem entendemos o que exatamente estamos vendo. Isso reflete também nos diferentes filmes que Clímax vai se revelando, vamos de um musical para um horror em instantes, é como se o próprio longa como unidade aproveitasse de limites ultrapassados para causar as mais diversas reações. O diretor faz algo parecido com um de seus outros filmes, Enter the Void, e nos embarcando em uma viagem difícil e que nos exige mais do que o normal, e no fim ter passado por essa montanha-russa deixa o mesmo gosto na boca que uma ressaca deixaria.
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Texto de autoria de Felipe Freitas.
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