Resenha | Grendel: Preto, Branco, & Vermelho
Dizem que o conto é um dos, senão o mais desafiador, dos gêneros literários, por exigir do autor o talento para desenvolver toda uma estrutura narrativa (com começo, meio e fim) de modo conciso. Se for verdade, que a narrativa curta testa de modo definitivo o repertório especulativo do autor, Matt Wagner provou na minissérie Grendel – Preto, Branco, & Vermelho, esforço colaborativo vencedor do prêmio Eisner de Melhor Antologia, em que artistas de diferentes estirpes aliaram traços distintos a seu sempre afiado texto, ser um escritor de grande calibre.
Abordando sob diferentes óticas o submundo nova-iorquino em que atua o jovem gênio do crime Hunter Rose, o primeiro a carregar o nome Grendel, numa reformulação que remonta às origens oitentistas do personagem, o roteirista, junto ao talentoso time de ilustradores, constrói um vil universo por meio de histórias não interligadas que têm apenas duas coisas em comum: o invariável equilíbrio entre as cores preto, branco e vermelho, e a quase cômica perversidade do protagonista.
Baseado em um dos três antagonistas do poema épico Beowulf, Grendel é o maior dos vilões de mundo sem heróis, onde o sobrenatural e o urbano se cruzam. Às vezes reconhecido por terceiro como o chefe de um império do crime de proporções inimagináveis, outras tratado como uma lenda urbana ao estilo Batman, e mais comumente referido como o diabo em pessoa, o personagem é vilanesco em sua essência – fato que o leitor verifica ao acompanhar lapsos de sua infância, juventude e ascensão criminosa em histórias que vão desde o mais puro suspense com características noir (como A Marca do Diabo e O Advogado do Diabo, vencedora do prêmio Eisner de Melhor História Curta) até o horror psicológico (A Língua do Diabo; A Maldição do Diabo), passando pelo humor negro ortonesco (A Testemunha do Diabo; O Taco do Diabo) e a tragédia (Réquiem do Diabo e A Diva do Diabo).
Retratando um assassino implacável, um manipulador cínico, o texto não apresenta nenhum traço de moralismo nas relações do carismático vilão com seus inimigos, aliados ou mesmo com sua sobrinha, único ser pelo qual nutri algo que se assemelha a afeto – desse modo, Hunter Rose, ou melhor, Grendel se torna querido pelo leitor de modo inusitado, único: através de sua maldade cativante.
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Texto de autoria de Alexandre “Noots” Oliveira.