Crítica | I am a Ghost
Indo contra a corrente do cinema de terror mainstream e sem se ater a clichês imensos, I am a Ghost, do realizador H. P. Mendoza, trata a lentidão da abordagem de seu filme como principal fator de suspense, levando o público vagarosamente para o estado de completo apavoramento. A história contida na fita mostra Emily (Anna Ishida), uma moça que tem insights curtos, aparecendo em diversos cômodos de sua residência, sem uma explicação mínima do porque tudo em sua vida se repete.
A câmera manipulada por Mendoza é intrusa, adentrando a intimidade de Emily de modo invasivo, quase como se ela não tivesse uma identidade bem formada – tal prerrogativa seria explicada mais a frente. As cenas inconclusivas remetem à influência que o diretor teve no expressionismo alemão e a razão das filmagens terem transcorrido a este modo somente são explicitadas com o decorrer do filme.
Não demora muito para que a origem da protagonista seja contada, fazendo jus ao nome do filme. Os flashs relapsos, relembrando a vivência corpórea de Emily, escondendo o segredo macabro que a fez perecer, selado sobre as falas de um contato externo. As cenas são quase todas encerradas em si, raramente há cortes seguidos sem uma claquete em forma de penumbra, em um breu assustador. A vista panorâmica aumenta a sensação de “vigiar a rotina” da protagonista, não necessariamente voltada ao medo.
A narração da médium invisível Silvia – com a voz de Jeannie Barroga – quebra o mistério, explicitando os segredos do roteiro e de sua fórmula, mas introduz o terror do autoconhecimento. A plateia é introduzida na história através dos olhos e das atitudes de Emily, o que claramente complica qualquer associação da moça com as ações vilanescas que lhe são atribuídas.
A explicação para a repetição de atos que corre todo o filme é inteligentíssima, se encaixando perfeitamente à sua proposta, relacionando até os cortes, sombras e os largos espaços de percepção que ela tem entre uma atitude e outra. A expectativa para mostrar o monstro que aterroriza o fantasma é enorme, e ainda mais assustadora do que qualquer premissa precipitada poderia antever. Buscar as pistas torna-se um aprazível exercício, já que a despeito até das “narrações” que deveriam elucidar, só aumentam a aura de mistério, algumas vezes até distanciando Emily de um merecido descanso.
A busca pela autonegação fez Emily inventar estratagemas e histórias periféricas a sua, tudo para não assumir sua condição ainda em vida, que explicaria o terrível medo que a assombrou. O transtorno que ocasionou a bifurcação da alma revela que a parte entorpecida e maléfica de Emily é um signo, que serve para relembrar que a alma do homem é inexoravelmente dúbia, encerrando em si a ordem e o caos, a bonança e a maldição. O desfecho do filme é maduro, mais adulto do que a maioria de seus primos blockbusters, mostrando que a violência sofrida por ela é um ato flagelo, impingida por si, só podendo ser evitado ou revidado pela própria, num paralelo repleto de significados e de fácil associação com os dramas humanos.