Resenha | As Aventuras do Califa Harrum Ahal Mofadah: Primeiro de Abril em Bagdá
Na mitologia da lendária série Asterix e Obelix, há espaço de sobra para a genialidade do francês René Goscinny, com a parceria do artista sueco Jean Tabary, alcançar novos gloriosos patamares, agora nas histórias do califa Harrum Ahal Mofadah e o seu conselheiro, o grão-vizir Iznogud. Obcecado em roubar o posto de Harrum, e tomar o trono como um bom e velho Judas, Iznogud trama mil peripécias para conseguir seu único objetivo na vida: o poder, custe o que custar. Isso porque o maior inimigo do ganancioso é sempre ele mesmo, e nos quadrinhos do cartunista francês Goscinny, publicado pela editora franco-belga Dargaud, o sarcasmo oferece ótimos exemplos disso, com um senso de humor delicioso e a ironia de sempre, ilustrando de forma surreal o ridículo daqueles que vivem se sabotando.
E nada melhor para conseguir sua vitória que no As Aventuras do Califa Harrum Ahal Mofadah: Primeiro de Abril em Bagdá, quando tudo na cidade fica ao contrário, incluindo os postos das autoridades. A loucura, é claro, come solta por 24 horas, e quem era general vira soldado, e o escravo vira patrão: o momento perfeito para sabotar a todos, e conseguir virar califa antes da meia-noite! Mas nada é tão fácil assim, e ninguém em Bagdá parece ajudar Iznogud, já que todo mundo está interessado no seu próprio umbigo. Resta ao grão-vizir tentar corromper forças políticas no exterior para conseguir dar seu golpe de estado, mas suas aventuras só vão de mal a pior – ninguém o respeita, e muito menos ele. Este conto ilustrado sobre o lado perverso da ambição transmite, em sua autora infantil, um tratado simbólico sobre a natureza do poder, e suas consequências na mente tóxica de um homem.
Tudo embalado pela graça exuberante das histórias de Goscinny, realmente impagáveis para todas as idades. De quebra, a publicação da Editora Record no Brasil ainda traz outros contos seguindo o conselheiro Iznogud nessa sua saga infinita pelo trono de Bagdá. Talvez a melhor delas, a ótima “O Labirinto”, nos apresenta uma construção impossível de sair e que chega a cidade fazendo barulho, como se fosse um evento circense para o povo. Eis então a isca perfeita para o califa Harrum entrar e se perder lá dentro – mas é lógico que a cobiça desmedida de Iznogud atrapalha tudo, de novo! O autor de Asterix e Obelix tinha o dom de nos encantar e divertir com suas cores e aventuras e, ao mesmo tempo, um convite às reflexões das mais variadas exclama de suas criações, tão vivas e atemporais, nesse mundo das artes. Um mestre.