Crítica | A Mão do Desejo
O jovial primeiro filme de David O. Russell como diretor se inicia focando em Ray Albelli (Jeremy Davies), um universitário comum com aparência mais jovem do que realmente é e que viaja de ônibus em direção a casa de seus pais. Os problemas que o incomodam enormemente são ligados aos seus genitores, que parecem viver seu próprio inferno astral e fazem questão de incluir o rebento nestas crises. A introdução é perfeita em ambientar o personagem, em cinco minutos a empatia pelos dramas do rapaz é plenamente alcançada, o público torna-se capaz de entender suas agruras.
Os anseios de Ray são os mais normais e ordinários possíveis, seu habitual mundinho teenager é inconvenientemente invadido pela condição fracassada de suicida de sua mãe, e no lugar de um sentimento de compaixão por ela, ele se mostra o tempo todo incomodado com a situação. A nova rotina dele transpira inadequação, seja nos banhos que é obrigado a dar na matriarca ou pelo carente cachorro, que o atrapalha sendo um voyeur inesperado e inoportuno quando este decide “socar o macaco” e aliviar suas tensões – o tempo inteiro ele está aflito e apreensivo.
A notícia de que Raymond finalmente iria para Washington, ingressar no seu estágio e logicamente começar a traçar sua vida adulta abala a convivência (após muito esforço) prazerosa entre ele e sua mãe, interpretada por uma provocante Alberta Watson. A tratativa entre os dois transita entre muitos estágios, desde as cobranças comuns até outras obsessões motivadas, entre outras coisas graças a obsessão pelo gozo jamais consumido de Ray.
Quando a família volta a estar composta por inteiro, na casa, as coisas ficam ainda mais confusas. Há uma clara aversão entre os cônjuges e com o passar do tempo isto parece irreversível e a situação pecaminosa evolui, deixando a possibilidade de um deslize movido pelo álcool de lado, para se caracterizar cada vez mais com uma aventura proibida, ciumenta, taxativa e repleta de cobranças exclusivistas.
A situação torna-se insustentável para Raymond, ao ponto dele tentar alternativas externas, para finalmente resolver os imbróglios que se apresentam a ele. Sua atitude ainda não condiz com a de um adulto mas suas reações tem uma plausibilidade razoável analisando-se a situação como um todo, especialmente considerando o quão entrópica é a série de eventos que ocorreram consigo desde que retornara ao seu antigo lar.
A vontade de não mais existir ocasiona sua tentativa de fuga, num rompante de tentar viver uma vida diferente da que levara anteriormente, talvez não exitosa ou cheia de esperanças de um futuro próspero como era antes, mas sem os demônios que tanto afligiam aquele Ray Albelli. A estreia de David O. Russell como realizador autoral é interessante, e desde já toca em temas espinhosos, sem muito receio em chocar o público, mas sem parecer desrespeitoso aos olhos de espectador menos afeito a temáticas mais querelas no âmbito da família americana.
Ouça nosso podcast sobre a filmografia de David O. Russel.