Crítica | Uma Vida Simples
Em um tour pelos enterros esvaziados, nota-se o emprego curioso do senhor John May. Um inventariante de pessoas que morreram sozinhas, à procura dos parentes próximos daqueles que tiveram um fim solitário. A impressão de que a tônica é agridoce se conclui em menos de dez minutos de cena. A rotina pessoal do personagem de Eddie Marsan é tão insossa e meticulosa quanto o modus operandi de seu trabalho. Tudo em sua vida é milimetricamente calculado e ele tem métodos normativos até para o estresse diário.
Apesar de May cuidar de pessoas e da solidão todos os dias, ele permanece austero, distante, como se inserido em uma redoma que visa impedi-lo de sentir qualquer emoção pela comiseração alheia. Enquanto apela aos que podem auxiliá-lo, John é convincente, sanguíneo e se envolve na história à qual está encarregado. Ainda assim, se lacra em roupas que o impedem de se contaminar com a vida alheia. Seu esmero é algo único e o modo de operar o faz muito singular. Tudo vai bem, até que seus superiores mudam e May é considerado demasiado lento e, apesar de ser meticuloso, é mandado embora.
A nova rotina do protagonista é em um serviço comum, em um estabelecimento comercial. Porém, sua mente ainda o obriga a agir lentamente até na hora de se vestir. Com um serviço generalizado e padrão, acha que suas funções serão poucas, ao contrário do faz tudo que usualmente se exerce nestes lugares. A oportunidade de mergulhar na rotina de um sujeito ordinário passa por John, mas ele permanece distanciado, agarrando a primeira oportunidade de voltar ao trabalho anterior, mesmo que sem receber por isso.
A introspecção esconde uma empatia imensa, além de um interesse genuíno em exercer seu trabalho. Talvez seja pela crença em um destino ou qualquer designação prévia, ou só porque May não sabe fazer outra coisa. Movido pela saída forçada, a atitude de manter-se distante é quebrada. A nostalgia o faz presenciar sensações ainda mais catastróficas dos que as vividas. Mesmo não demonstrando, seu drama pessoal é real e notam-se pequenas mudanças que expressam desagrado, ainda que tais impulsos não sejam óbvios.
A história de vida de John muda quando se envolve com a filha de seu último cliente. Ao pesquisar o drama do pai da moça, finalmente sente algo e, sem o costume de tais sensações, transita de um polo a outro do sentimento humano: sente vontade de dar fim a própria vida para, logo depois, abrir mão das vestes pretas, típicas dos momentos fúnebres, e finalmente ter sentimentos por alguém ainda em vida.
Sua existência é interrompida por um fatídico acontecimento e, em seu enterro, não há a presença de nenhuma alma viva, a despeito de todo esforço em trazer conforto a família dos que se foram. Quem presencia o seu funeral são seus iguais, aqueles a quem dedicou os seus 44 anos de vida e que saíram de seu descanso eterno a fim de homenagear quem tanto se importou com suas causas. Apesar de um final sem uma redenção concluída – por falta de tempo ou talvez omissão, isso é discutível – a carga emocional do filme de Uberto Pasolini é altíssima, e a abordagem é tocante em todos os sentidos.