Crítica | Aladdin (1992)
Tomando elementos do cultural oriental como base, seja a mitologia árabe ou contos chineses ancestrais, Aladdin, animação de 1992 comandada por John Musker e Ron Clements (que já haviam feito As Peripecias do Ratinho Detetive, A Pequena Sereia e mais tarde conduziriam Hercules) adapta um dos contos das 1001 Noites, ao menos um que não estava nos escritos originais, mostrando a historia de um pequeno ladrão nas ruas de Agrabah que é muito mais do que aparenta ser, um diamante bruto.
Nesse clássico da famigerada renascença da Disney há alguns sinais narrativos bem curiosos, como o narrador/comerciante conversando diretamente com o publico, apelando para a historia do rapaz que dá título ao filme para manter a atenção do espectador. Pouco tempo depois, se revelou que o personagem era o mesmo gênio dublado por Robin Williams, lembrando que nos anos noventa tais informações tão básicas não eram tão presentes na internet, que aliás, engatinhava a essa época.
Neste ponto se notam coisas incríveis, como um moralismo abstrato na Caverna dos Tesouros, além da óbvia questão de que mesmo roubando para se alimentar, Aladdin não é considerado como impuro, mostrando que essa balança moral é bem dúbia. Os filmes do estúdio sabiam brincar com o nonsense e com os exageros, mas ainda assim, se nota uma sentença pesada para o personagem, de que ele morrerá ladrão pois assim nasceu, e essa talvez seja a maior diferença para a versão de Disney do mito. Outro fator diferencial é a carga de sensualidade implícita, que é aplacada claro pelo fato de ser uma animação, mas que é bem presente neste, o que faz com que a obra seja bastante ousada para os padrões cronológicos.
Da parte dos outros personagens, há também pouco apego ao material literário original. Seu par romântico é uma linda garota rica que se vê pobre de aventuras mesmo com todas as regalias que tem por ser da realeza. Seu futuro sogro é um rei bonachão que é facilmente manipulado e seu opositor é um bruxo afetado, acompanhado de uma arara/papagaio que por sua vez, funciona até como motor de uma máquina que dá paradeiros de pessoas. Os animais do filme aliás são um caso à parte, pois são espertos, com um macaco indiano que (praticamente) fala, um tigre ciumento, além de uma arara/papagaio que não se limita só a falar, mas também a maquinar planos, roubos e ainda faz um sem número de piadas. A formula mistura humanos inteligentes e civilizados com figuras antropomórficas e claro, criaturas mágicas.
O status quo é modificado após a saída da Caverna, onde Aladdin encontra um tapete mágico, que funciona como um animal de estimação, ou um pet. Aos 36 minutos, o co-protagonista finalmente aparece, o Gênio da Lâmpada, um ser azul de poderes cósmicos e fenomenais, mas que também é um sujeito louco que brinca com arquétipos de transformistas. A inventividade do personagem é demonstração suficiente de que ele é a frente do seu tempo, de que não é movido pelos preconceitos de época alguma. Curioso é que, apesar dos predicados positivos, ele ainda não é maduro, sendo até passivo agressivo quando seu amo o recusa. De fato, o Gênio é esperto e vê em Aladdin um alguém inteligente e altruísta, capaz de ludibriar o novo amigo mas também de abrir mão de sua vontade pelo bem de outro.
Apesar de tudo positivo que cerca esta versão de Aladdin, ela obviamente não é perfeita, tem efeitos em 3d artificiais (em especial na saída da caverna), que se misturam com outros muito bons (quando chega a lava), então as partes não se mesclam bem. Ainda assim, seu humor é afiado, há uma forte mensagem de desconstrução da mentalidade da realeza, desdenhando da figura soberana de Agrabah, mostrando o sultão como um bobo alegre, além de conter um vilão que transborda carisma e que é o perfeito político corrupto e enganador. Por mais que seja um filme para crianças, há muitas camadas adultas na animação, além de um trabalho fenomenal não só com as animações, mas com a trilha, com músicas compostas por Alan Menken que marcaram sua época e que fizeram o longa entrar para a historia não só da Disney, mas da sétima arte como um todo, sendo um belo espécime dos filmes de contos de fadas mesmo sem o padrão eurocentrista em sua formula.