Crítica | 118 Dias
O apresentador americano Jon Stewart, conhecido por sua crítica cômica ao universo político dos Estados Unidos, demonstra seu apreço à liberdade de expressão ao produzir, dirigir e roteirizar 118 Dias, adaptação do livro Then They Came de Maziar Bahari, um jornalista que permaneceu preso no Irã pelo período inferido pelo título brasileiro.
Em junho de 2009, o jornalista da Newsweek visitava o país para cobrir as eleições presidenciais, em um momento delicado do país à procura de um sucessor que apresentasse uma nova visão de governo. Acompanhado de um motorista selecionado no local, Maziar registra entrevistas em vídeo das opiniões da população sobre os dois grandes políticos com maiores chances de assumir o cargo presidencial: Mahmoud Ahmadinejad e Mir Hussein Mussavi, conservador e reformista-conservador respectivamente. Após a votação, a vitória de Ahmadinejad, com 62,6% dos votos, causou um dos maiores e intensos protestos no país, indignados com uma porcentagem tão esmagadora na vitória. Partidários saíram às ruas para protesto, e confrontos entre manifestantes e as forças de segurança iraniana resultaram em baixas civis. Em um dos protestos, Bahari registra uma dessas mortes e, mesmo reconhecendo os riscos, aceita a publicação online do vídeo; dias depois, é preso sem motivo aparente.
Até o momento de sua prisão, a personagem interpretada por Gabriel García Bernal é apenas um fio condutor que testemunha as tensões do local. Seu cárcere modifica a estrutura narrativa, focalizando o drama do jornalista como um representante de diversos outros repórteres que, em situações recentes, foram vítimas de prisões, torturas e morte. Em um país com liberdade de informação nula, a maior transgressão é possuir conhecimento e fazer propagá-lo globalmente. Enquanto acompanha as eleições, Maziar encontra um grupo que burla ilegalmente as restrições do país, com satélites que não só dão acesso a informações como permitem a entrada de cultura de jogos, filmes e outros conteúdos vindos do exterior. Dessa maneira, torna-se evidente que o vídeo gravado pelo repórter denuncia uma morte que o país não deseja mostrar.
Na prisão, o jornalista passa por interrogatórios diários questionando seu envolvimento com espionagem. Uma teia de inferências surge por parte da inteligência iraniana, que pressupõe que a empresa para a qual o repórter trabalha seria gerenciada pela CIA e, portanto, uma porta de entrada para adquirir informações para os Estados Unidos. Passando por privações diárias, breve tortura física e severa tortura psicológica, Bahari luta diariamente para manter a sanidade apoiando-se na memória familiar, principalmente do falecido pai e da irmã, ambos militantes presos e torturados anteriormente. Durante estes momentos, a história retrocede brevemente para mostrar a relação fraterna das personagens, destacando como a irmã inseriu o jovem irmão em um universo cultural vasto, que lhe formou. O argumento do passado familiar também é justificativa para que seus interrogadores acusem-no de ser um espião.
A todo custo, seus captores desejam descobrir alguma informação, mesmo sem nenhuma prova ao menos circunstancial para justificar qualquer envolvimento com espionagem, exceto um vídeo gravado para um programa humorístico, no qual seu apresentador finge ser um espião, também chamando Bahari de infiltrado. Nesta mesma filmagem, de acordo com o filme, o jornalista compara o Irã com os Estados Unidos. Sem dúvida, o público também fará uma inferência óbvia a respeito se relacionar esta história a outras duas produções de Kathryn Bigelow, Guerra ao Terror e A Hora Mais Escura, principalmente em relação à tortura como a principal forma de extrair informações de suspeitos que ressaltam a violência obscura de diversos países. Afinal, temos ciência de que a tortura ou o cárcere preventivo não estão limitados a estes dois exemplos.
A mídia e o acesso à informação também demonstram sua potência transgressora quando o caso do repórter se propaga em diversos países com apelo da esposa e de outros políticos a favor de sua liberdade. Um resultado positivo diante de tantas baixas recentes vistas em jornais mundo afora.
118 Horas é competente em registrar uma história real, sem apelar para maneirismos dramáticos para o público. Acredita na força da narrativa e, por consequência, na força da própria liberdade de informação como uma transgressão capaz de quebrar barreiras e iluminar caminhos: o motivo pelo qual a mídia foi chamada de quarto poder.