Review | Masters of Sex – 2 ª Temporada
Após a competente e carismática primeira temporada, os fatos de Masters of Sex seguem mostrando a universidade já sem William Masters e com um cenário devastado após a fatídica apresentação em vídeo. O estudo não só foi enterrado, como levou a dignidade dos que faziam parte dele. Assim, praticamente todos que tiveram qualquer relação com ele são mostrados em destinos sofríveis, como se pairasse sobre as cabeças dos personagens uma terrível maldição.
A tônica de tratar assuntos espinhosos de modo leve prossegue, mas o modo como isso corre é um bocado diferenciado, uma vez que toda a tranquilidade proveniente do primeiro ano não mais existe. Bill demonstra o que já foi prenunciado antes, revelando uma enorme dificuldade em conviver em família, seja com o seu recém-nascido filho, menino que ele sequer tem coragem de pronunciar o nome, ou na relação conflituosa com a mãe, Estabrooks Masters (Ann Dowd) ainda viva. As aproximações de William representam relações de tentação tanto profissionais como com o Doutor Douglas Greathouse (Danny Huston) que se interessa pela sua análise, quanto no reatar com Virginia (Lizzy Caplan), quando começa um relacionamento indefinido e confuso. A indefinição disso faz pensar que o acordo amoroso entre os dois é algo ainda não catalogado, emulando as características do trabalho de pesquisa levado por Masters e Johnson.
O novo serviço de Bill inclui um hospital cuja clientela é muito rica e diferenciada. Já em seu primeiro préstimo, ele é obrigado a encobrir um aborto mal sucedido de uma filha de família respeitável. As restrições a sua pesquisa nessa nova instituição são logo mostradas, especialmente por sua ausência de tato em tratar tudo, inclusive as questões antes associadas a imoralidade como parafilias ou doenças e condições médicas adversas. Curiosamente, o Doutor Douglas acha interessante estudar outras entradas possíveis dentro do assunto sexual, para algo que até hoje é tabu e que seria ainda um tema mais espinhoso à luz da época.
Incrível como Bill tem a propensão de atrair polêmicas. Em seu novo ambiente de trabalho ele se vê diante de uma questão demasiada complicada, fazendo o parto de um bebê hermafrodita que é rejeitado emocionalmente por seu pai, um sujeito conservador e tristemente homofóbico. O comportamento do troglodita serve para exemplificar como era a ideia da esmagadora maioria da opinião pública, machista, sexista, chavinista e nada afeita à ambiguidade, além é claro de ser misógina ao extremo, relegando à mulher um papel completamente secundário, tanto na cama, quanto no trabalho e no ambiente social. A surpresa de William é que mesmo ele vivencie esses estereótipos, demonstra insatisfação com o rumo que o estudo aprofundado está tomando, já que assumir que a inexistência de uma relação entre Virginia e o mentor da sexologia seja equiparado a uma demonstração de fraqueza. O jogo travado entre os pares prossegue duro, com o senso de competição no máximo, para ambas as partes.
No novo ambiente de trabalho, William sofre com as mudanças e com a abordagem ao seu tão querido estudo. Greathouse parece só dar subsídios ao seu estudo por motivos de curiosidade infantil, não permitindo que Virginia seja incorporada à equipe e expondo os experimentos aos médicos tarados, que só estão lá para assistir a uma apresentação pornográfica. A fúria acomete Bill e ele agride seu patrão, sendo despedido, para logo depois ser empregado em um hospital de negros. Lá, ele começa a ver como “doces homens brancos” tratavam os negros, mesmo em um ambiente que lhes era estranho. É em meio a esse universo inóspito que Bill Masters tem seu trabalho valorizado novamente, pois é em seu mundo particular que ele retorna a possibilidade de dar vazão ao seu estudo sem ser perturbado por nada.
O inevitável finalmente ganha corpo e Libby Masters (Caitlin FitzGerald ) nota a falta de interesse de seu marido por ela. Chega a ser curioso que a senhora de suas fantasias seja a sua parceira, enquanto ele olha para a própria esposa como um objeto beatificado, de adoração platônica, longe dos ideais voluptuosos e sexuais. Ela é tratada como uma frágil boneca, uma estátua, um ídolo que deveria guardar em si um bocado de fé, mas que não coopta mais toda a admiração que deveria ter.
A distância emocional entre ele William e Libby é tão grande quanto a possibilidade destes dormirem juntos novamente. A falta de intimidade do casal é apresentada como um fator incômodo e crescente para ambas as partes, e ao invés de se tomar uma atitude taxativa em relação a isso, somente há mais e mais movimentos rumo ao conservadorismo, rumo a uma hipocrisia machista e pautada mais no pensamento geral do que na necessidade dos pares serem felizes.
A instituição de uma clínica própria, encabeçada por Masters e Johnson é uma mostra de prioridades, já que o empreendedorismo tem muito a ver com o pioneirismo da dupla, diferente, e muito, do caráter conservador presente na vida pessoal do intricado e incomum par. Ao mesmo tempo em que mergulham na intimidade alheia e catalogam algo tão misterioso quanto a sexualidade humana, tem em si um medo atroz de se despir dos próprios conceitos morais e se entregar finalmente aos seus desejos básicos de volúpia e de pertencimento mútuo. Mas a insistência nesse paradigma segue e se demora absurdamente para tomar a atitude mais correta.
O escrutínio da câmera é insistente e a despeito até da postura de seus personagens, ela adentra em um nível de intimidade enorme com o seu protagonista, revelando um dos maiores medos de Bill Masters, ao finalmente se abrir com sua colega Virgínia, para falar sobre sua impotência secundária poucas vezes transpassada.
Nenhum revés anteriormente mostrado se aproxima dos dramas mostrados no último episódio do ano, em que a tutela das crianças de Virginia é debatida, em virtude de seu trabalho moralmente discutível. Paralelo a isso, a possibilidade que surge a Masters de se tornar famoso por meio de um programa televisivo sofre uma interferência externa inesperada, mas logo é provado o grande ardil do personagem principal, que mais uma vez recorre a uma atitude nada fácil, de proporções morais igualmente discutíveis. Diante do quadro nada otimista apresentado e em vista dos últimos avanços dados pela interação pessoal entre Johnsonn e Masters, a dupla passa a entender que os resultados dos pacientes têm mais chance de dar certo caso ocorra entre pares que tenham o afeto como base da relação.
Mais uma vez, pela mão de Masters, os avanços no estudo parecem secundários ante o seu ego, que ainda permanece usando de artifícios excusos como chantagens e sonegação de informações, mesmo àqueles que mostram confiar nele. Ainda que neste ano ele tenha tido sua dignidade e currículo postos à prova, os acontecimentos provaram que ele teria ainda muito a evoluir, longe de ter uma persona perfeita, ligada a um ethos ideal. Curiosamente, o seriado encerra suas atividades após um inflamado discurso de John F. Kennedy, voltado para a luta pela igualdade, que vai de encontro aos muitos abismos mostrados na tela, desde o preconceito racial típico dos anos cinquenta e sessenta, até os direitos da mulher e sua representação igual a do homem em um período em que seu valor não é visto com bom olhos, especialmente pelos que estavam no poder. As intenções de Masters parecem voltadas a esse intuito, ainda que seu andar seja muito mais torpe do que o nobre discurso que ele pretende viver.
O seriado emula a realidade, exibindo espécimes falhos que mesmo munidos de belos desígnios fazem vezes de atos censuráveis. Os autocentrados personagens têm muitas dádivas, mas suas falhas e imprecisões são igualmente vistas e contempladas, o que faz o carisma de Masters of Sex crescer de modo absurdo, aliado, é claro, ao elenco cada vez mais à vontade com seus papéis e a bela reconstrução de época em cenários, figurinos e até no clima e abordagem dos temas, tão caros ao desenvolvimento da sociedade moderna. Esses elementos são levados de um modo leve, sem receio de cair em artimanhas fáceis de roteiro. Ao contrário, consegue abordar situações espinhosas, munidos de veracidade e muita verossimilhança, numa linha tênue entre dar vazão à racionalidade e expor o sentimentos comuns e inerentes a ambos os sexos e ao humano, como um ser pleno.