Crítica | País do Desejo
Mais um produto da boa escola de cinema de Pernambuco, País do Desejo é dirigido pelo paraibano Paulo Caldas – realizador também de Baile Perfumado e roteirista do ótimo Cinema, Aspirinas e Urubus – e é ambientado na cidade de Olinda. Conta uma história peculiar, a respeito de religião, depressão e espera da morte, tocando em alguns temas bastante espinhosos.
A história começa mostrando uma musicista – interpretada de forma magistral e belíssima por Maria Padilha – chamada Roberta, que se sente deprimida por estar perto da morte. Em outra esfera, é mostrado o dia-a-dia do Padre José (Fábio Assunção), enfrentando alguns problemas em sua paróquia, tanto os comuns ao ofício sacerdotal quanto alguns não tão corriqueiros – mas ainda assim de suma importância. Apesar das atuações por parte do restante do elenco, fora os dois citados, serem em sua maior parte equivocadas, as sensações são passadas de forma fidedigna, emocional e interessante.
A principal discussão proposta pelo roteiro é o conjunto de malefícios que a prática religiosa extrema traz ao fiel, por vezes até passando por cima das carências e necessidades humanas, das mais básicas como óbvia primordialidade do prazer, até a saúde dos vitimados e carentes. Uma cena em particular demonstra bem a dualidade da igreja retratada no filme, em uma entrevista, o personagem do português Nicolau Breyner é indagado sobre uma menina que fora excomungada, e em seu discurso há uma clara pendência para um moralismo exacerbado em detrimento da prática “pecaminosa”, ainda que a infante não tenha a “culpa toral” por seus atos, enquanto o vitimador segue impune, por seus atos maus – pelo menos na visão do Padre José. O estupro é passível de perdão, já o aborto não, ao contrário, é motivo de excomunhão. Algumas vezes, a aptidão dramática débil de Fábio Assunção serve a trama e demonstra sua perplexidade com as façanhas da igreja. Seu papel aos poucos se torna a de um padre arrependido e descrente com a instituição.
Após ser o único a destoar da postura radical da arquidiocese, o protagonista se indaga se vale a pena continuar o ministério. O personagem tem um histórico de combate ao anacronismo da igreja, mas sempre em prol das vidas e sem deixar o cristianismo de lado. As trajetórias de Roberta e José se entrelaçam e causam mais algumas reviravoltas, e nesse ato a história cai um pouco, apelando para alguns clichês.
O núcleo familiar do padre é bastante peculiar, sua família faz uma festa de aniversário para comemorar o aniversário de uma moribunda e quase não menciona isso. A virada no final é meio confusa e acompanha a perda de qualidade iniciada no começo da relação entre José e Roberta, mas não é de todo ruim. País do Desejo traz uma ótica interessante sobre os tabus religiosos e a contradição que acompanha tais rituais litúrgicos, e por discutir isso, vale a pena ser visto.