Resenha | Outros Tempos – Mauro Iasi
Outros Tempos (Mórula Editorial), do poeta e militante Mauro Iasi, compreende poemas produzidos entre 2008 e 2017. Os temas presentes são: resistência política popular, violência contra os menos favorecidos, prisões particulares, desencanto com o mundo e, apesar de todos os pesares, otimismo para com o futuro. Pesquisador, professor universitário e filiado ao Partido Comunista Brasileiro, (PCB) Iasi tem um eu lírico que pulsa dar voz aos poemas que despertem e chamem o povo à luta. Uma poesia de resistência para ser declamada para multidões.
Do ponto de vista técnico, em Outros Tempos, os versos não têm forma fixa, não tem rimas aparentes, mas encantam pelo ritmo, pela forma como abordam os temas e pela concisão vocabular – que intensifica o significado das palavras. Ou seja, ocorrem rimas pelo sentido do verso, e não exatamente pela repetição de certas letras ao fim das linhas.
Alguns poemas são versos de protestos retirados de violentas notícias de jornal; uma poesia que busca transformar o sangue que foi derramado em assunto de reflexão e despertar político-empático de quem o lê. Versos potentes que chamam atenção para a perda do nosso senso de comunidade, pois a violência contínua assombra e transforma tentativas de humanização em constante medo do dia-a-dia. É na passividade de não nos envolvermos que perdemos o outro e também a nós mesmos.
As metáforas empregadas pelo poeta seguem o tema, entre outras coisas, das prisões que nos impedem de agir. Como exemplo, vejamos os versos de “Prisões inúteis”: Pesca funesta, caça / Camburões, delegacias / Galés modernas / Novos navios negreiros. Nesses versos, a comparação de camburões com navios negreiros (um paralelo com a letra de Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro, d’O Rappa?), buscam reforçar a “pesca” predatória do homem pelo homem em camburões, delegacias, que, ao invés de trabalharem para ressocializar o preso ou suspeito, acabam por viola-lo, brutaliza-lo, reduzindo a humanidade de uma pessoa a um animal enjaulado. Logo o ciclo da violência não tem fim.
Mas nem tudo são violências. A poesia de Iasi também se volta para o outro lado: a esperança, sentimento que ele evoca em, por exemplo, poemas em espanhol que homenageiam e revivem a memória de Salvador Allende, fundador do Partido Socialista chileno e presidente eleito do Chile entre 1970 e 1973, deposto pelo golpe militar do general Augusto Pinochet. Esses e outros poemas levantam a bandeira que a luta e manutenção por direitos civis é uma luta constante. As democracias são frágeis, nos ensinam os cientistas políticos, por isso é preciso poesia, é preciso luta, é preciso informação para estarmos atentos contra ameaças à coletividade e aos direitos humanos, estes os primeiros a serem rasgados ante governos ditatoriais. Por isso a poesia de Mauro Iasi é tão válida e oportuna. Leitura muito recomendada.
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Texto de autoria de José Fontenele.
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