Resenha | Leões de Bagdá
Brian K. Vaughan é um dos grandes escritores da atualidade. Dono de um estilo autoral, Vaughan se consolidou no mercado como um dos grandes roteiristas da atualidade, transitando inclusive por outras mídias como roteirista, onde veio a escrever alguns episódios até mesmo para Lost.
Publicada em 2006 pela Vertigo, e lançada no Brasil apenas em 2008, Leões de Bagdá traz roteiros de Vaughan e arte de Niko Henrichon. A graphic novel traça uma alegoria sobre a possível “libertação” do povo iraquiano do governo de Saddam Hussein pelos americanos, tudo isso do ponto de vista de leões que fugiram do Zoológico de Bagdá, após bombardeios das tropas norte-americanas. O fato realmente ocorreu, o que dá um sabor ainda mais interessante na história.
Após o bombardeio, quatro leões escapam de suas jaulas, e sob o ponto de vista deles, temos contatos com diferentes perspectivas, como a do filhote de leão, que se sente entusiasmado pelo novo mundo que está conhecendo, a do chefe da alcateia que procura se adaptar a nova situação, da leoa mais velha que reluta em encarar a nova vida, pois já havia sofrido muito enquanto era livre, e finalmente da leoa jovem, que durante toda sua vida sempre quis fugir do Zoológico e retornar a vida selvagem.
No desenvolvimento da história, somos apresentados a fundo as personalidades de cada personagem, e presenciamos os embates da leoa mais velha, Safa, com Noor, a jovem leoa, e são nesses embates onde temos o cerne da questão. O que é a liberdade?
A obra não tem nada de sutil, vê se de longe a clara influência do EUA e seu conceito de “libertação” do mundo, claro, tudo isso sob o olhar de animais que anseiam por sua liberdade, mas que a conseguem de maneira inesperada. Existe sim uma antropomorfização, e ela está muito bem trabalhada, todos os leões demonstram aspectos humanos, a metáfora é evidente, porém, não é forçada. Cada um deles tem sua personalidade bem definida, cheia de nuances e problemas. É impossível não se identificar com as personagens.
Vaughan é um cara que tem me surpreendido sempre que o leio, e agradeço imensamente por isso. A história é muito bem construída e sua narrativa é prazerosa de se ler. O roteirista fez todo um trabalho de campo comportamental sobre os leões, a situação política do Iraque e a invasão norte-americana. Na obra vemos todos os sentimentos conflituosos sobre essa polêmica guerra.
Falar de Vaughan é chover no molhado, mas não se pode esquecer do trabalho gráfico de Leões de Bagdá. Niko Henrichon. esse nome merece atenção, nunca tinha visto seu trabalho antes e o cara é fantástico, dono de um traço espetacular, e consegue somar isso a uma excelente escolha de cores, além de dosar tudo isso com uma ótima aplicação de luz e sombras. As expressões dos animais são intensas e verdadeiras. Muitas vezes não é necessário nem ao menos ler suas falas para se compreender seus sentimentos, suas preocupações. Interessante notar também que as expressões não destoam da anatomia dos corpos, que é desenhada com bastante verossimilhança.
Enfim, um grande roteiro e uma bela arte sobre um tema sobre o qual vale a pena refletir.