Resenha | Sherlock Time
Sherlock Time é um quadrinho argentino lançado originalmente na Hora Cero Extra e Hora Cero Semanal em 1958. Lançando no Brasil pela editora Comix Zone, esse é o primeiro trabalho da parceria pelo roteirista Hector G. Oesterheld de O Eternauta e seu companheiro em tantos outros trabalhos, Alberto Breccia no lápis. A historia se baseia em tramas de mistério, com leves pitadas de ficção científica bem imaginativa, uma aventura escapista que reúne elementos de investigação e de literatura pulp e policial.
A primeira parte desta publicação vem no formato magazine, na vertical e na segunda parte em widescreen. Dado que o quadrinho tem capa dura, ler a parte final é um pouco incômodo, mas obviamente a qualidade do material compensa esse inconveniente. As historias são curtas, introduzem seus dois personagens centrais de maneira gradual, primeiro com Julio Luna, o narrador da historia que acaba de comprar uma casa grande, por um preço barato, sem saber que ela guarda um grande mistério. Além dele, também surge o estranho e misterioso Sherlock Time, que aparece primeiro de maneira invasiva, para aos poucos se mostrar um sujeito cordial e amistoso.
Breccia trabalha bem demais o preto e as sombras, fortalecendo bastante a aura de mistério. A reunião de elementos góticos e de terror faz não só as historias soarem mais interessantes e inventivas, mas também ajuda a compor o caráter do personagem-título. É curioso como o roteiro torna os personagens tridimensionais mesmo que o foco seja nos causos detetivescos e nas explicações ao final que, por sua vez, emulam as historias de Arthur Conan Doyle com seu Sherlock original.
Em comum, as historias tem a sua duração sempre com dramas curtos e diretos, terminando com as conclusões inteligentes do detetive. Aos poucos, Sherlock Time deixa de ser uma novidade, passando então a aceitar trabalhos contratados como investigador, e as histórias podem ser de investigações diversas ou somente de viagens mentais que se tornam maiores do que a realidade, em que o pensamento livre se confundem com o tangível.
Oesterheld e Breccia brincam com a metalinguagem fugindo do óbvio, sem falar diretamente com seu leitor, e mesmo em sua simplicidade sobra criatividade. Seus personagens são tangíveis inclusive por suas imperfeições, e mesmo condições que seriam atreladas a defeitos, se tornam adjetivos positivos, como o modo como Time encara teorias da conspiração, ufologia, e vida inteligente fora do planeta.
As reclamações de que tais personagens são rasos não se justifica, pois a preciosidade da história se deve ao fato de ser episódica, dando vazão as boas ideias dos autores, com um quê de maravilhoso que seria ainda mais desenvolvido no trabalho posterior deles, Mort Cinder. A arte pincelada de Breccia fica muito bonita em um tamanho grande, como nessa edição. A maior parte das edições argentinas tem um tamanho menor e nesse formato tudo é muito mais pungente.
As diferenças de tratamento e personalidade entre Luna e Time é muito charmosa, desde a origem estranha do detetive que, muito marcante, até o caráter pacato do dono da mansão antiga. O conceito de cosmonave, a possibilidade do investigador misterioso ser de outro planeta ou estrangeiro e sua sabedoria de um mundo tão primário, além dos cenários em em um país de terceiro mundo, temperam bem o prato servido em Sherlock Time. Uma pérola dos quadrinhos de aventura.