Crítica | Sodoma e Gomorra
Neste épico bíblico dirigido por Robert Aldrich, Ló – sobrinho de Abraão no livro do Gênesis – é um herói idealizado, cheio de fé, invulnerável e movido pelo bem maior – devoção ao Divino. A frente de um povo que viaja pelo deserto, mesmo com todo esse código de honra ele recebe atos de insubmissão armada. No entanto o líder interpretado por Stewart Granger trata a todos com benevolência e muita paciência.
O roteiro de Hugo Butler e Giorgio Prosperi, baseado no romance de Richard Wormser toma muitas liberdades poéticas, muitas delas pouco importantes. Atribui fala a Ló, que no original seria de Abraão, assim como o código moral e senso de justiça do protagonista que mais lembra a figura do seu tio do que a sua própria. Viúvo, Ló tem repúdio pelo escravismo. É um devoto fiel, mesmo diante das adversidades.
No livro “sagrado”, a história de Sodoma e Gomorra é um sinônimo de punição aos prazeres carnais e sem pudor ou moralismo. As orgias e bacanais são sugeridas de forma bastante tímida, há no máximo uma citação ao lesbianismo com a rainha tomando sempre uma escrava como a sua “preferida”, mas esse é o máximo de ousadia que a fita permite. Os “pecadores” são retratados como malévolos desalmados e sem coração, além de bastante egoístas. É levantada a possibilidade de uma conspiração contra o governo – plot parecido com outros dois trabalhos em que Sergio Leone se envolveu, a saber, Os Últimos Dias de Pompeia e Colosso de Rodes – mas ela é deixada de lado por falta de importância e claro, devido ao final apoteótico.
A ex-escrava real Ildith (a belíssima Pier Angeli) é posta entre os hebreus para ser informante, mas ela se recusa devido à mágoa com a rainha que a abandonou aos bárbaros, mas aos poucos sua motivação dobra-se a causa hebreia. Ela se recusa a deitar com Ló até que os dois se casem, pois ele “precisa ser um bom homem e dar exemplo” – sua vida lasciva em Sodoma a condenaria a não ter felicidade jamais, o que justifica seu trágico fim. No entanto Ló a garante como merecedora de sua “masculinidade suprema”. É curioso como a relação entre os dois não é minimamente construída, na verdade é gratuita e jogada.
Os efeitos especiais da água tomando o deserto são de um realismo “invejável”, seja pelo CGI tosco ou as maquetes molhadas, tudo funciona como uma piada de mau gosto. Os traidores pagam com as suas vidas, no fogo, em outra cena sofrível. Ló fixa residência em Sodoma contra sua vontade, depois de passados mais de 90 minutos de exibição. O filme é lento e excessivamente longo. Ao mudar-se para a cidade, o protagonista muda. Ele – e o resto dos hebreus – começa a comercializar sal, passa a ostentar roupas mais luxuosas, renega sua origem humilde, mas não trai sua palavra e nem a sua fé, é um sujeito incorruptível acima de tudo.
Após 2 horas e 12 minutos, é dada a sentença para a vida pecaminosa dos sodomitas. A ira de Jeová cairá sobre os escravos também e todos os que se recusarem a deixar a cidade – curioso o censo de justiça. A estátua de sal é qualquer coisa, Ló fica inconsolável e é sustentado pelas duas filhas – volta à estaca zero, é novamente um ermitão. Toda a construção da figura imponente e infiel a história bíblica sucumbe ao mesmo final.
A designação de Leone é oficialmente a de diretor de segunda unidade, e sua participação neste é bem menor do que no filme de Mario Bonard. Os Últimos Dias de Sodoma e Gomorra não é nem de longe um dos melhores produtos de Robert Aldrich – principalmente se comparado a Doze Condenados e Assim Nascem os Heróis – e só não é plenamente descartável pela curiosidade em ver como era o retrato dos filmes épicos sessentistas.