Crítica | Sociedade dos Poetas Mortos
Ao conceituar a Jornada do Herói, Joseph Campbell resumiria a trajetória básica do protagonismo em seu livro O Herói de Mil Faces, o qual apresenta o arquétipo de personagens. Dentre eles, a figura de mentor caracteriza-se por uma das mais carismáticas, possivelmente até roubando do herói os holofotes da trama. São poucos momentos no cinema que esta possibilidade se mostrou tão concreta e emotiva quanto foi em Sociedade dos Poetas Mortos.
Robin Williams vive o professor John Keating, um docente que, em 1959, decide lecionar novamente no internato tradicionalíssimo Welton Academy, ministrando inglês aos seus pupilos. O diretor da obra, Peter Weir, usa os primeiros minutos de exibição para assinalar o quão arcaica era a instituição, presa a dogmas religiosos e conservadores e portadora de uma sisudez muito diferente do sorriso franco que o Mestre Keating, inserido em uma instituição onde as únicas demonstrações de riso eram amarelas e mecânicas, ostentava.
O foco narrativo está na contestação do futuro, mostrando os jovens estudantes se preparando para a vida adulta, fazendo escolhas que não necessariamente coincidem com seus desejos próprios. No início, Neil Perry, personagem de Robert Sean Leonard, é quem personifica este descontentamento em relação ao seu pai, uma figura atenta e opressora que representa um chamado ao capitalismo exacerbado, cujo enfoque é o pensar normativo, e nunca na diversão. Neil é colocado para dividir o quarto com Todd Anderson, personagem de Ethan Hawke, um menino tímido recém-chegado à escola. A classe de aspirantes, incluindo os dois garotos, tem uma surpresa ao adentrar a primeira aula do Senhor Keating, que os leva para conhecer um pouco a origem do colégio e apresenta-lhes uma nova interpretação de toda a rigidez que permeia a história da instituição, dizendo que dos pulmões dos alunos do Hall da Fama vem o suspiro em latim, Carpe Diem, e mostrando a otimista mensagem de aproveitar o tempo que os acomete.
Esta breve introdução produz em muitos alunos uma vontade de explorar um mundo desconhecido. O desbravar se agrava com a segunda aula, na qual o Capitão divaga sobre poesia, ensinando que esta não é algo morto, insosso e ausente de vida, mas sim vívido, radical, agressivo e, sempre que possível, transgressor. Os meninos são convidados a rasgar páginas de seus livros, um símbolo daquele regime ditatorial obsoleto. O ato contestador gera nos alunos a curiosidade e, investigando o passado de John, descobrem que ele fez parte da Sociedade dos Poetas Mortos, um lugar livre, onde se podia estudar a beleza dos contos de Thoreau , Whitman e Shelley, e um espaço predominante do romance, da magia e da doçura de espírito. Uma chama é despertada em Neil, enquanto Todd se mostra confuso, aturdido pela fala do mentor.
O desafio do orientador é fazer com que os moços tenham a sua própria voz, que deem vazão a sua vontade, sem medo de se expor e sem receio de viver. Suas atividades extra-sala maximizam essas sensações, e os fazem enxergar quais os limites de seus atos e até de seus potenciais. A validez de seu discurso passa por não ignorar a necessidade de aceitação que o homem frequentemente tem, especialmente em uma fase tão conflituosa e aviltante como é a puberdade, na qual a maioria dos destinos é escolhida como base para uma vida.
Charlie Dalton (Gale Hansen) parece ter aprendido a lição mais rápido, tornando-se a voz rebelde mais ativa dentro da escola, questionando a autoridade até mesmo do diretor colegiado e à frente de todos os alunos e docentes. O reclame é destacado pelo professor, que o instrui a ir devagar em sua postura, mostrando que a audácia não deve dar lugar à estupidez.
Logo Neil tenta dar vazão ao seu sonho, o de ser ator, o que incomoda o pai, o senhor Perry (Kurtwood Smith), que pensa ser o melhor para o filho estudar Medicina e ter uma educação militar, regrada e normativa, como deveria já ter sido. O sufocamento de suas ideias cobra um alto preço: a vida. Com o direito de se expressar cerceado, o sentido de viver também se perdeu na mentalidade pueril de Neil. A severidade do pai castigador não é aliviada nem mesmo na caminhada rumo ao seu escritório, onde seu herdeiro descansa após a recusa em existir.
Todd caminha sozinho pela neve ao saber da fatídica notícia. Prefere se isolar para chorar a sua tristeza e lamentar a ida daquele que o ajudou a superar a solidão e a enfrentar os poderosos pais. Keating, não suportando as lágrimas, desabafa em cima do livro com anotações do menino, sentindo-se parcialmente culpado, imaginando que se tivesse dado maior apoio ao garoto, este não desistiria de lutar contra a repressão do pai. O inquérito aberto é mais um golpe, tanto no professor quanto nos alunos, que mal conseguem enxugar as lágrimas e têm de lidar com o fato de Keating ser o alvo das investigações.
A nova Sociedade perde seu orientador e não consegue encontrar uma maneira de reverter o processo. Suas mãos estavam atadas e o poder de fogo era diminuto, pois no mundo dos adultos as crianças não podem opinar. O destino do Professor John estava selado; os rapazes nada puderam fazer para modificá-lo. No último momento, na lendária cena em que Keating tem de entrar na sua antiga sala, tomada por seu substituto, os pupilos assumem seu lugar de direito com os pés sobre as mesas escolares, saudando o valoroso capitão, a despeito da ordem do diretor e de qualquer figura de autoridade. O contato que há entre o mentor e seus discípulos é essencialmente emocional, mas também demonstra a maturidade de moços que descobriram o sofrimento íntimo. A cena contém tantos signos visuais ricos que uma análise periga ser pobre, além de correr o risco de negligenciar qualquer aspecto.
O modo como a direção de Peter Weir e o roteiro de Tom Schulman conduzem a película remete à nostalgia, ao doce sabor da juventude e dos anos áureos de quem se permitiu conduzir por belos ensinadores. A obra, ao mesmo mesmo tempo em que valoriza outros muitos préstimos, como amizade, companheirismo, fidelidade e liberdade, claro, utilizando períodos tão ternos como a infância e adolescência, é um louvor à obra artística de Robin Williams.
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