Crítica | O Fantasma do Paraíso
Em 1974, Brian de Palma, diretor que fez parte do libelo chamado Nova Hollywood, fez um experimento em longa metragem a partir das narrativas cinematográficas musicais. Utilizando como pano de fundo a peça musical O Fantasma da Ópera, novela original de Gaston Leroux, O Fantasma do Paraíso brinca com estilos musicais – versões de Rockabilly, Folk, Blues – em uma vertente contemporânea que modifica o teatro tradicional francês pelas luzes de um programa de auditório.
A trama mostra o Sr Philbin (George Memmoli) e Sr. Swan (Paul Williams), responsáveis pela gravadora Death Records. A procura de novos talentos, o misterioso chefe observa grupos vocais, semelhantes a boy bands, em audições quando conhecem Winslow Leach (William Finley), um sujeito de aparência frágil e feia mas com um talento musical forte. Ele apresenta uma canção de sua sonata, uma grande peça musical sobre a lenda popular alemã de Fausto. Interessados por sua música mas julgando sua aparência, os empresários decidem roubar suas composições e subjuga-lo.
Aos poucos a história se transforma em uma jornada que varia entre o luxurioso mundo do showbusiness, em que vale absolutamente tudo para brilhar, e a importância de um talento autoral, representando pelo alto e magro Winslow que tenta provar a todos que suas propriedades artísticas foram roubadas por um mercenário. O humor ácido que o roteiro de De Palma impõe causa no espectador uma óbvia torcida pelo protagonista, unindo isso a câmera que acompanha sua jornada, tentando se inserir em um mundo de luxos onde não se encaixa, fugindo das jaulas que não deveriam lhe pertencer.
É muito criativo como a peça é reimaginada com um sujeito igualmente amargurado por ter tido seu trabalho roubado. De Palma fala de desajustados, de pessoas que não são aceitas por conta de aparência e mal jeito. No filme, a personagem do fantasma, aos poucos, tenta retomar sua propriedade artística, em uma versão ainda mais amargurada do que a clássica de Lon Chaney no Fantasma da Ópera de 1925. Resultando em uma encarnação bem inventiva que utiliza a inauguração do Paradise, uma casa de show moderna, como um de seus ápices.
O diretor consegue traduzir bem tanto a ideia de um musical como a metalinguagem em que faz do próprio filme uma espécie de espetáculo. Ás vezes colocando até mesmo essas duas propostas juntas em tela, com o mesmo nível de importância, com duas cenas acontecendo ou simultaneamente ou em ângulos diferentes em uma mesma tela dividida ao meio.
Fato é que a montagem apresentada aqui é tão diferenciada que causa muita curiosidade até em quem está acostumado com os escritos originais de Leurox e suas muitas versões, sejam teatrais ou cinematográficas. O visual de Winslow pós ida para os confins do teatro mistura elementos de sci-fi dos quadrinhos europeus de Moebius e Phillipe Druillet, mas ainda guardam a carga dramática da rejeição que o mundo impõe. Aliás, toda a reescrita da obra, o amadurecimento da cantata e o apreço pela musa revelam uma miséria existencial que já existia antes do personagem central sofrer os infortúnios de seu inferno astral e isso por si só já é bastante rico.
Mesmo que profana, repleta de crimes e violência explicita, a parceria de Swan e Winslow faz produzir um espetáculo bem maior do que o pensado inicialmente. Os elementos de Ópera Rock com elementos de filmes de terror trash combina demais com toda a sub cultura dos anos setenta. Os números musicais do filme beiram o sensacional, a performance dos interpretes de Undead são inspiradas vocalmente e possuem um visual ao estilo do que o Kiss e o Secos e Molhados faziam.
A obsessão do fantasma com a Phoenix de Jessica Harper é bem exemplificada, resgata bem os elementos das duas peças, tanto de Fausto quanto de O Fantasma da Ópera, e ainda mescla isso com o conceito de sociedade do espetáculo culminando em um final onde De Palma se utiliza dos mesmo elementos de um filme da época, O Despertar dos Mortos de George A. Romero. As musicas de Paul Williams e a coreografia de Harold Oblong casam bem com toda a proposta lisérgica de De Palma, acompanhadas claro da fotografia de Larry Pizer, que ajuda a remontar toda a atmosfera de viagem ácida pensada para esta versão. O Fantasma do Paraíso é uma obra claramente subestimada, até mesmo em meio aos fãs da filmografia do cineasta. Funciona bem como reimaginação do clássico e atualização para novas plateias, além de ser bastante respeitoso com o material de origem, mesmo em suas subversões.