Crítica | Fogo e Gelo
Ralph Bakshi é um diretor cuja carreira é bastante prolífica, com variados modos de contar historia via animação. Um de seus feitos mais audaciosos foi a direção de Fogo e Gelo, filme em longa-metragem do gênero fantástico situada no filão de espada e feitiçaria, reunindo um grupo de autores de quadrinhos, e claro, o desejo de Bakshi de longa data em trabalhar com a lenda das ilustrações o artista Frank Frazetta. A historia é simples, mostra Nekron, um tirano de pele pálida e poderes místicos ligados ao gelo, cujo único entrave para a expansão territorial é a Casa do Fogo, um reino que fica no meio de um vulcão, sua luta é para alcançar e derrotar esses opositores.
Dentro desse reino, se destacam Larn, um bárbaro loiro, o misterioso xamã Lobo Negro, além da princesa, Teegra, uma voluptuosa mulher que serve ao propósito de garota refém, mas que também faz a historia andar. Embora a trama não se passe na Era Heboriana (que vem a ser a da mitologia de Conan: O Bárbaro de Robert E. Howard), a produção traz inúmeros elementos dos contos do cimério, seja em seus personagens centrais, nas questões de regentes malvados, nas mulheres voluptuosas, como também nas raças que habitam esse mundo, como os Selvagens, que lembram demais os Pictus. Além disso, a escolha dos roteiristas Roy Thomas e Gerry Conway fortalecem esse espírito, dupla essa que escreveria um dos rascunhos de Conan: O Destruidor, em uma versão que claramente não foi filmada por Richard Fleischer, além de inúmeros gibis para a Marvel Comics ao longo dos anos.
A animação varia entre momentos bem simples, com imagens estáticas dos humanoides, e as gravuras que servem de cenário, com belas e virgens gravuras de paisagens ou geladas ou vulcânicas, que ajudam a povoar o imaginário de quem assiste a obra. Além disso, a música que William Kraft conduz apresenta um tom épico aos em tela. Bakshi foi muito meticuloso com a movimentação dos personagem, usando largamente o artifício da rotoscopia, pondo atores para fazer os movimentos de combate dos roteiros, enquanto a equipe de animação supervisionada por Frazetta davam vida em duas dimensões aqueles movimentos. Ao menos nas cenas de combate o que se vê são belíssimas telas, uma ação fluída e que impressiona dado que a utilização de arte computadorizada era bem primária em 1983.
Tal qual outros filmes de Bakshi, esse também não foi livre de polêmicas nos bastidores. Se Mundo Proibido teve seu final mexido pela produção e O Gato Fritz foi odiado pelo autor original Robert Crumb, Fogo e Gelo teve problemas com Frazetta, que era rígido e bastante exigente com a equipe de animação, tendo bastante atrito com boa parte dos que cuidavam dos movimentos dramáticos da obra. Independente das celeumas, o que se vê é um trabalho primoroso, belo, muito colorido e verborrágico em suas ações, se usando pouco de palavras para mostrar sua historia.
A ambientação e belas imagens de fundo ajudam a compor o quadro de alta fantasia, e quase fazem o espectador esquecer os muitos problemas de fluidez narrativa dos momentos com menos ação do longa. Ainda assim há um sem número de conceitos legais, como a demonstração das fragilidades morais de Nekron, que é mostrado como um sujeito manipulado por sua mãe, mostrando que os tiranos que tentam parecer poderosos são frágeis como crianças, além de também mostrar embates violentos entre homens com as bestas da natureza.
Cada personagem tem seu próprio estilo de luta e seus movimentos próprios, o filme não cai na balela de repetir golpes genéricos, sobretudo entre os heróis, Larn e o Lobo fazem uma boa dupla, mas a estratégia de cada um é bem diferente entre si. Dentro da simplicidade de sua formula, Fogo e Gelo acerta demais, utilizando bem os elementos das historias ligadas a mitologia de feiticeiros e bárbaros, com um mundo bastante condizente com o comum dentro desse sub gênero, acompanhado de momentos de ação bem construídos que se não são perfeitos, ainda assim apresentam momentos épicos.