A Netflix se notabilizou nos últimos anos pelo seu conteúdo original, e entre esses há um destaque enorme para séries documentais investigativas, tal qual Making a Murderer e tantos outros exemplos. Bandidos na TV de Daniel Bogado usa boa parte dessa estética e estilo, e seu piloto começa sobrevoando Manaus, capital do estado do Amazonas. Toda a trama a ser contada envolve o deputado e apresentador do programa policial Canal Livre, Wallace Souza.
Toda essa explanação inicial visa estabelecer os níveis de violência da cidade, e assim entender a onda de crimes do local e como o tráfico de drogas se estabeleceu. Há uma quantidade exorbitante de homicídios, e obviamente, mais e mais casos para o Canal Livre exibir, não à toa se tornam líder de audiência local. Por conta de seu formato, o Canal Livre, de certa forma, conversa bastante com toda a história de Wallace. O apresentador/deputado conta ele mesmo sua história, em gravações arquivadas de 2009, quando ele ainda tinha alguma esperança de ser inocentado. A abertura com Hienas da TV, de Elza Soares, pontua bem todo o circo midiático envolvendo os personagens dessa trama macabra, detalhando bastante bem o começo da carreira de Wallace e a fundação do programa policial.
O combate à criminalidade realizado pela polícia era insuficiente, segundo o repórter, já que o Estado se mostrava omisso com a população mais carente. O modo como atingia o público envolvia uma fórmula bizarra que reunia quadros assistencialistas, humor, brigas de auditório, quadros musicais e muita reportagem policial barata.
No entanto, Bandidos na TV peca no sensacionalismo e artificialidade. Quase não há frases faladas de maneira comum, sempre cortam as pausas de fala para se colocar uma trilha sonora manipuladora. A direção é pesada demais e a aura de suspense a respeito da construção da moralidade dos Irmoãs Coragem (como Wallace e seus parentes eram conhecidos) fica bastante comprometida.
Wallace usava o complexo messiânico para justificar certas presenças em sua casa, dizia que se não fosse ele quem ajudaria essas pessoas. O apelo a esse argumento não convence quando se trata de pessoas que são acusadores e juízes em rede nacional. Os sete episódios são muito detalhados, e a história de Raphael, filho de Wallace, é bastante pesada, contendo elementos tão absurdos que nos faz refletir se estamos vendo uma história real ou uma ficção.
Engraçado que o seriado demora a dar as informações interessantes, esticando sua trama ao longo dos sete episódios, o que acaba perdendo bastante força em sua narrativa. A tentativa de emular a velocidade do depoimento de Wallace junto a Câmara dos Deputados Estaduais do Amazonas fracassa, pois não consegue ser nem tão lenta nem tão apoteótica quanto a realidade foi naquele momento. O deputado chegou ao local de maca, inconsciente, e ao lado de uma junta médica. Um espetáculo midiático dantesco, anterior até ao episódio similar, mas dessa vez envolvendo o político carioca Anthony Garotinho, ao ser preso no Rio de Janeiro.
Os momentos finais são bem movimentados, com um último capítulo repleto de reviravoltas, tanto sobre os últimos dias de Wallace, quanto sobre a resolução das acusações. O programa tem receio se assumir lado, apontando para muitos e mesmo em se tratando de uma história dúbia e com muitos acontecimentos incomuns e absurdos. Os momentos finais de Bandidos na TV acertam mais por conta da história que conta do que por qualquer outra coisa, só é uma pena a demora em entregar o que vale a pena neste drama, pois a morosidade que Bogado emprega diluí a real discussão de quanto poder um comunicador popular de televisão tem no Brasil, mesmo que recaia sobre si acusação de crimes gravíssimos. Mirabolante ou não é impossível ignorar esta história, que ficaria obviamente melhor em um formato mais enxuto.