Assim como os combalidos personagens centrais na maioria das narrativas policiais, os leitores e amantes do gênero são uma espécie de resistência. Diante da hibridização cada vez mais comum entre gêneros e estilos, a literatura policial e seus derivados ainda permanecem com a mesma base. Se na ficção é o policial que representa a luz em um mundo de trevas, na vida real são os fãs que se dedicam com carinho a qualquer obra lançada, bem como na defesa do gênero diante de qualquer afirmação de uma literatura menor.
Mesmo sem a força de outras décadas, em que sempre havia boas produções nas telas, a narrativa policial se mantém com qualidade nas séries, explorando grandes personagens atuais, como em Wallender, baseado na obra do sueco Henning Mankell, bem como criando novos bons detetives como Luther, criado por Neil Cross, e brindando o público com o bom e velho estilo de morte, investigação e detetive.
Produzido pela Amazon Prime, Bosch foi lançado em 2014 como uma das primeiras apostas do estúdio e, acertadamente, se mantem ao ar em sua quarta temporada. A série se baseia na série de livros de Michael Connelly sobre o detetive Harry Bosch, uma figura comum se comparada a outros detetives contemporâneos, sem nenhum grande arroubo de criatividade ou métodos dedutivos. Apenas um bom policial que arregaça as mangas e sai as ruas a procura de pistas.
Como personagem central, Titus Welliver, que muitos devem conhecer de participações especiais de outras series famosas (Participações em Suits, O Mentalista, House M. D., C.S.I., The Good Wife), encontrou uma série para chamar de sua. Compondo um personagem tradicional, parcialmente comedido e parcialmente explosivo, de voz baixa, sem arroubos de criatividade. Um personagem tradicional no meio, destacando-se também seu lado fora da polícia onde se dedica a prazeres culturais como ouvir grandes clássicos do jazz.
A trama da primeira temporada foi adaptada de três livros do autor: Cidade dos Ossos, Echo Park e A Loira de Concreto. A equipe de roteirista extraiu o melhor de cada narrativa produzindo uma trama dinâmica em que diversos casos se sobrepõe a rotina do policial. Sem a visão romântica, costumeira do gênero, em que cada caso ganha dedicação exclusiva. Enquanto outras séries que adaptam livros costumam dilatar o tempo para inserir a obra toda na trama, a formatação de três livros para uma única temporada explicitou o caótico sistema de investigações policiais, sem pausas reais para uma reflexão entre os casos. Afinal, além de não compensar, o crime também não espera.
Com uma composição realista, a série expõe com naturalidade o cotidiano da polícia de Los Angeles. Apresentando desde a primeira cena o caráter vigoroso de Bosch. Um bom policial em que o instinto sobrepõe-se as regras de conduta. Prestes a ir a um julgamento por um tiro duvidoso, o detetive está longe de ser o policial brilhante e genial. Mas alguém que sabe ser bom no que faz, com alto humor mordaz, sendo bruto e incisivo a mesmo tempo.
Observando a composição da personagem central, é forte a influência da tradição policial em Bosch. Um detetive com um trauma no passado quando criança, exercendo com afinco a profissão enquanto as relações familiares se decompõem. Em outras palavras, o típico detetive da ficção policial, com alta personalidade delineada sem capacidade real de criar vínculos. Mesmo que o detetive esteja em tela a maior parte da temporada, sua figura ainda permanece obscura, sem que se compreenda em totalidade suas motivações. É nessas sombras que reside o charme de Bosch, a dúvida se ele será um bom homem ou apenas um detetive tentando acertar na vida, ao menos uma vez.
No aspecto técnico, a Amazon se dedicou com esmero para disputar a altura com a Netflix. Se o catálogo da empresa ainda é pequeno em comparação ao mais famoso site de streaming pago, as séries originais mantém o mesmo apuro técnico do concorrente. Um caso fortuito de disputa por novos assinantes que traz mais benefícios para o público e uma maior assertividade em produzir boas séries. E Bosch é um bom exemplo de qualidade.
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