A Segunda Guerra Mundial teve seu fim e a enfermeira Claire Beauchomp seu marido Frank Randal fazem uma viagem até a Escócia na tentativa de se reconectar. Frank, um historiador, trabalhou durante a guerra na central de inteligência do exército britânico em Londres, enquanto sua mulher foi para o “front” na França, permanecendo separados durante todo o conflito.
Além do cenário perfeito para uma segunda lua de mel, a região de “Inverness” oferece outro grande atrativo para Frank, pois naquelas imediações viveu Jonathan “Black Jack” Randall, seu antepassado direto, um afamado capitão do exército britânico. Aficionado por sua genealogia, Frank não poupa esforços para resgatar os elos com esse antepassado ilustre que viveu a duzentos anos. Claire vê com simpatia os interesses do marido, e apesar de não compartilhar seu entusiasmo, o acompanha durante suas visitas a estudiosos locais e locais de interesse histórico.
Em uma dessas visitas, Frank descobre “Craig na Dun”, uma colina com um monumento monolítico onde algumas mulheres locais realizam rituais pagãos. Após assistirem um desses rituais, Claire visita o monumento e inicia sua jornada ao passado, viajando no tempo para 1743, duzentos anos antes de sua estada em Inverness. Salva de um grande perigo por um grupo de rebeldes escoceses, Claire vai colocar a prova seus conhecimentos históricos.
Apesar de sua inegável luta para voltar a seu tempo e para os braços de seu marido, a cada dia vivido no passado, Claire se mostra mais adaptada a seu novo lar. Os desconhecidos se transformam em amigos e aliados. Seus amores, alianças, opositores e desafetos cada vez mais claros. Aquele mundo é tão real quanto o pós-guerra que ela deixou ao passar pelo círculo de pedra.
Tendo a frente Ronald D. Moore, responsável também pelo sucesso Battlestar Galactica, Outlander nos oferece personagens bem construídos que agem de forma verossímil diante daqueles conflitos. Isso é mérito também de Diana Gabaldon, autora dos livros que inspiraram a série. Embora fique claro a intenção da Starz (de Spartacus) em focar no público feminino, a atração possui a capacidade de expandir e muito seu público alvo original.
A partir daqui a análise contém spoilers, recomenda-se a leitura após assistir a temporada.
Uma protagonista nada comum
Claire ficou órfã muito cedo e foi criada por seu tio Lambert Beauchamp, um arqueólogo que a levou por diferentes sítios quando menina. Essa vivência fora do que seria a civilização-padrão de sua época explica sua facilidade de adaptação quando esta se vê sem a maioria das comodidades de seu tempo. Ela está longe de ser a típica heroína romântica que procura um amor que dê sentido a sua vida, e tem uma forte sede de independência. Conhece Frank Randal quando este procura a ajuda de seu tio Lambert para um dos artigos que está escrevendo e se casa com ele aos 18 anos. Frank também é um indivíduo autocentrado e que dá muito valor ao seu trabalho. Os dois, mesmo após o casamento, acabam viajando muitom nunca estabelecendo um lar em canto algum. Logo vem a guerra que os separa e onde Claire se sai muito bem como enfermeira. Apesar do carinho que ela sente por Frank, e deste muito lhe lembrar seu tio Lambert, nada parecem ter em comum.
Jamie, o herói do outro lado das pedras
Jamie é a primeira pessoa a ser contemplada com os conhecimentos médicos de Claire. Quando o grupo de rebeldes escoceses a leva a uma cabana, ele está ferido e é tratado por ela. É também ele quem divide sua montaria com a estrangeira durante todo o percurso até o Castelo Leoch. Dono de modos que contrastam com a rudeza dos homens que o acompanham, não demora até que Claire se sinta mais próxima ao rapaz.
Jamie é filho de um escandaloso casamento. A filha mais velha dos Mackenzie, Ellen poderia escolher entre muitos noivos vantajosos, porém se apaixonou por Brian Fraser, bastardo reconhecido do senhor de Lovat, e os dois fugiram para que pudessem ficar juntos. Com certeza a história de seus pais o faz ter ideias muito próprias sobre o amor e o casamento.
Uma lição a outros Showrunners
Muito se discutiu acerca do uso de estupros em séries de época como recurso de roteiro graças ao tratamento dado a violência sexual em Game of Thrones. A série comandada por D.B. Weiss e David Benioff alcançou níveis de gratuidade indefensáveis na utilização de sexo e violência com o intuito de chocar o público e sem nenhuma relação com o desenvolvimento do roteiro.
Outlander poderia facilmente cair na mesma armadilha. Ambientada em zona de guerra e protagonizada por uma mulher que é prisioneira de diferentes grupos durante a história, não seria difícil pesar nas tintas e atrair pra si o mesmo tipo de crítica que a série da HBO.
É importante frisar que existe violência sexual em Outlander. Claire sofre ameaça de estupro mais de uma vez nessa temporada, porém o tratamento dado às cenas deixa uma coisa muito clara: nada daquilo é sobre sexo, mas sobre dominação e poder. Outra diferença gritante em relação a série da HBO, no final dessa temporada um homem é estuprado. Mais uma barreira é quebrada, a violência sexual já não é uma violência de gênero, já não se insiste unicamente na violência contra a mulher, tão comumente transformada em fetiche pela indústria pornográfica, e mais uma vez é reafirmada que a violência sexual fala de relação de poder.
Essa passagem existe no livro A viajante do tempo, porém é contada como uma memória. Ao vê-la acontecendo em tempo real na série, e as cenas são longas e um tanto detalhadas, confesso que não me senti muito bem. Porém, apesar da minha sensibilidade pessoal ter sido ferida, artisticamente eu achei o episódio impecável. Tobias Menzies, que já tinha me impressionado bastante com seu Brutus em Roma e o para mim desconhecido Sam Heugham alcançaram um nível que vai ser difícil de ser igualado na tv. A cena me causou uma repulsa tamanha que passei o episódio todo com enjoo. Porém todas as vezes que eu pensei, agora eu não aguento mais, tenho que afastar os olhos, a cena era cortada, o que me faz crer na competência da edição. Apesar desse tamanho desconforto, acho que é assim que a violência sexual tem que ser retratada na TV, tão hedionda e inaceitável quanto é na vida real.
Com o equilíbrio correto entre ficção histórica e fantasia, a primeira temporada de Outlander merece destaque, bem como a leitura dos livros de Galbadon, atualmente reeditados pela Saída de Emergência.
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Mariana Guarilha é devota de George R. R. Martin, assiste a séries e filmes de maneira ininterrupta e vive entre o subconsciente e o real.
Terminei a 1 temporada ontem. Caramba, essa série é de tirar o fôlego. Muito boa mesmo. Único defeito, a meu ver, foi o insistente retorno à cena de tortura e violência sexual de Jack Randall contra Jamie, no episódio 15. Será que havia necessidade de tantos detalhes? Do meu ponto de vista, não! O espectador tinha total condição de inferir as cenas violentas de sadismo que rolaram naquele cárcere. Todo mundo já tinha compreendido que Randall não passa de um sádico psicopata completamente obcecado por Jamie Fraser.