Da mesma equipe capitaneada por Gisaburô Sugii que produziu o longa metragem animado de 1994 Street Fighter 2 – por sua vez, lançado para promover o péssimo Street Fighter – A Batalha Final – o seriado japonês começa com Ryu narrando sua primeira viagem de avião, em direção a São Francisco, para ele encontrar seu velho conhecido, Ken Master. Street Fighter II: Victory não poderia começar por nenhum evento que não ser um chamado a aventura clássico, onde o herói, ainda não completamente apresentado, deixa o seu lar adotivo, no interior do Japão, perdendo contato com o homem que o ajudou a ser criado e a bela Ringo.
O começo do piloto varia entre a espera de Ryu e as lembranças do Japão. Depois, que o protagonista chega a América e é mostrada a idade dos dois personagens principais, ambos com menos de 18 anos. A dupla de amigos correm a cidade de moto. Eles vão a bares, com identidades falsas, e brigam com arruaceiros que supostamente tem ligação com o exército. Já no piloto, eles encontram um dos personagens conhecidos dos games, o Sargento Guile. A patente do personagem já no começo evoca uma diferença enorme com os games, uma vez que o personagem é coronel em Street Fighter II, quando é apresentado.
Para todos os efeitos, a trama trata de mostrar os personagens sendo obrigados a amadurecer, uma vez que Ken percebe que sem preparo, e desleixado do jeito que é, não conseguirá sobrepujar o homem que derrubou seu amigo no bar onde estiveram. O playboy usa sua influência para entrar no quartel onde seu adversário está e apesar da pouca fidelidade ao material original, o personagem de Ken possui uma complexidade que viria a influenciar até no pano de fundo do personagem na série de games Street Fighter Alpha (ou Zero, no Japão), uma vez que ele usa da perspicácia e de mentiras para conseguir seus feitos, lembrando de certa forma a ideia que Christopher Nolan implantou em Bruce Wayne, em Batman Begins, com uma capa de playboy para disfarçar um verdadeiro guerreiro.
Pode não parecer, mas o enfrentamento com Guile é importante para colocar a dupla de adolescentes em seu devido lugar, e perceberem que os combates vão muito além de arrogância e presepadas, eles percebem que o ideal para o seu estilo de vida, é viajar, as custas da fortuna da família milionária de Ken, atrás de novos desafios e nessa trajetória eles hão de conseguir evoluir e amadurecer. Sua primeira parada é em Hong Kong, e seu guia é a bela Chun Li, de apenas 15 anos. Entre outras desventuras, eles vão até uma ilha proibida, se meter em brigas clandestinas, no Palácio Kowloon, basicamente para ouvirem falar do ator e astro marcial Fei Long, que já estrela filmes de luta, também com 17 anos.
As participações dos clássicos lutadores de Street Fighter 2 é bem tímida e episódica, tal qual foi Fei Long, e a violência gráfica é bastante tímida, principalmente em comparação com uma das maiores influencias da série, o mangá/anime Hokuto No Ken. O problema narrativo é que quase tudo que envolve os momentos importantes é movido via coincidência. Em uma andança por um shopping Center, Ryu encontra Yo da casa de chá, um homem velho que ele chama de vovô, e que mais tarde, explica no que consiste o ki, além de falar da técnica do Hadouken (na época do SBT, a tradução era sonoramente parecida com Raduko), ainda que seja mais uma técnica de sobrevivência do que de ataque. Os conceitos são bons, mas há uma péssima diagramação dos fatos que correm de maneira apressada para que nos 29 episódios tudo aconteça.
Uma das sub-tramas envolve o pai de Chun Li, que canonicamente, está morto pelas mãos de Bison segundo os games. Aqui, ele é um agente da lei, que tem um Dojo, do qual Fei Long fez parte e seu principal motivo de luta é a guerra contra as drogas, fato que conversa não só com a paranoia maniqueísta da época, como com a fonte de renda do vilão M. Bison em Street Fighter: A Batalha Final. Apesar da motivação para isso ser boba, ela é melhor construída do que no filme.
No sétimo episodio, é mostrado a logo da Shadaloo, prevendo o que aconteceria mais pra frente, ainda que os funcionários da organização estivessem bem diferentes aqui. Sagat por exemplo, é um mestre de muay thai, de estatura enorme, mas sem tapa olho ou cicatriz, e luta contra Ryu dentro de uma cadeia tailandesa. A postura do gigante é mais austera, parecida com a que o personagem teria após Street Fighter IV, quando finalmente percebeu que a vingança não era uma boa alternativa de vida.
O melhor momento de ação, certamente é a sanguinolenta luta entre Vega e Ken, onde os dois combatem até quase morrer. Nessa batalha, Ken descobre o Shoryuken, quase simultaneamente a descoberta de Ryu quanto ao Hadouken, mas o que realmente impressiona é o que acontece depois, com a participação do “chefe” do jogo, M. Bison, indo de encontro ao corpo desfalecido de Ken, onde enfrenta Chun Li, em que o vilão ataca a garota de apenas 15 anos. Tudo o que não sexualizaram a personagem antes, fazem aqui, até mesmo com insinuações de assédio, da parte do antagonista, que rasga uma das alças do vestido da moça, quase expondo um de seus seios. A insinuação desse tipo de comportamento preveria boa parte das perversões do personagem, que mais tarde nos games, revelaria usar as dolls e Cammy – que alias, é introduzida nesse episódio no anime – como escravas sexuais.
É curioso os elementos em comum com o mito do Hadouken e a força oculta que Ryu guarda nos jogos, chamada de Satsue no Hado, força essa que é largamente explorada por Akuma e reprimida por Ryu, já que nela contém o mal. O Hadouken aqui é elevado a um patamar de mais poder do que nos jogos, mas não é exatamente uma técnica maligna, ainda que (tal qual o Satsue no Hado nos jogos) cause em Bison um interesse nefasto.
A versão de Ryu dominado pela Shadaloo certamente serviu de inspiração para a variação conhecida como Evil Ryu, que é a face dominada pela técnica proibida do protagonista da série de jogos. A luta entre ele e seu grande amigo finalmente retorna um pouco de fôlego a série, que passa quase cinco episódios sem nenhum evento de ação relevante, exceto uma ou outra aparição de Cammy (muito mal desenhada, com pernas desproporcionais, que visam só sexualiza-la de maneira barata) além é claro das lamentações de Fei Long pela morte de seu mestre, Dubal, o pai de Chun Li.
No 23º episódio, se reprisam tantos momentos, que faz ele parecer um capítulo filler, basicamente para estabelecer um vínculo emocional mais forte entre Ken e Chun Li, que também está dominada pelo chefão. Apesar de nesses episódios finais conterem lutas entre os heróis da trama e claro contra o grande mestre final, Bison, Street Fighter II: Victory peca demais em seu fechamento, carecendo de momentos mais emocionantes e marcantes, colocando as lutas mais legais e duradouras no meio do anime e deixando a última bastante fraca e genérica perto das primeiras, além disso, há um problema dentro do roteiro, por conter muitas coincidências na cadeia de eventos que se sucedem, fazendo até perguntar se o mundo de Street Fighter não se passa todo dentro de um pequeno vilarejo.
https://www.youtube.com/watch?v=yQAEGsEKWp0