A partir de imagens capturadas por adolescentes que registraram as ações de suas empregadas domésticas, o diretor Gabriel Mascaro produziu o documentário Doméstica. O formato de apropriação e edição de imagens alheias é comum no cinema de Pernambuco, onde a mão do realizador se exibe através da edição e, igualmente, na condução da emoção.
A perspectiva dos jovens que gravam suas incursões é engraçada. Eles exibem uma visão além do cotidiano conhecido e têm um poder imenso de fazer qualquer pergunta e conduzir a narrativa como quiserem, claro, sob a supervisão de um cineasta.
A improvisação das lentes garante momentos de excentricidade, revelando episódios cômicos ao mesmo tempo em que produz carga dramática. O caráter agridoce permeia a maioria dos registros com depoimentos de vidas marcadas por momentos traumáticos ligados à infidelidades conjugais ou dramas familiares e uso de entorpecentes, um público que, na maioria das vezes, só encontra retorno emocional no repertório romântico executado pelos artistas bregas.
Os dramas das moças variam entre amores complicados e nem sempre correspondidos – acompanhados de sinceras lágrimas – e dos maus tratos dos primeiros patrões. Em comum, há questões de casamentos infelizes, um padrão que abre a discussão para inúmeras teorias sobre o caso.
O flagrante exibe o óbvio analisado sob a ótica fugaz de Mascaro. A costumeira rotina dessas profissionais centraliza-se no cuidado de famílias, mas quase nunca de si mesmas. Uma das entrevistadas, que trabalha desde os 11 anos de idade, reflete sobre o tempo que passou mais em casas alheias do que com a mãe. Em alguns momentos, a casa dos patrões é um refúgio para a grave realidade de violência familiar que sofrem. Notável e até assustador perceber que a casa dos outros é um refúgio do inferno caótico da própria rotina pós-trabalho.
Outro fator comum nestas histórias é a perda de filhos em eventos trágicos, seja por assassinato – cujas origens não são reveladas, talvez por vergonha – ou por maus tratos de cônjuges. Espancamentos são comuns, assim como a vilania do homem, justificada pelos atos atrozes de alguns deles.
A origem do preconceito com estes trabalhadores é um dos fatores de maior estranhamento. Um desprezo que vai além dos patrões e se faz presente até mesmo nos familiares. Em um dos casos, um senhor trabalha cuidando de uma garota de 16 anos devido a uma triste separação com sua família e a ausência de condições financeiras para bancá-los. O desprezo é a tônica de sua vida.
O desfecho documental deixa uma sensação distante de qualquer discurso panfletário ou demonização de indivíduos. As personagens mostradas ou citadas são críveis e condizentes com a realidade que atravessa a existência do brasileiro, fazendo deste Doméstica mais do que um espécime cinematográfico. Um retrato de uma faceta comum do povo brasileiro.