Um dos filmes mais controversos de 2015, O Clube tem a difícil missão de apresentar ao espectador temas difíceis que estão entranhados no povo chileno: o abuso de padres pedófilos e a relação da igreja com a violenta ditadura de Pinochet.
O roteiro do diretor Pablo Larraín, o mesmo do filme No, em colaboração com Guilhermo Calderón e Daniel Villalobos é conciso em seu início e consegue criar o mistério necessário que prende a atenção do público a cerca daqueles padres que vivem reclusos e que são cuidados por uma freira com um passado igualmente obscuro. A sequência de rupturas daquele universo começa na chegada de Matias, um padre que abusou de crianças e se suicida no local, motivando a chegada de Garcia, um padre progressista que deseja melhorar a igreja.
Uma das maiores forças do roteiro reside nos personagens principais do filme. Um dos que mais chama atenção é Sandokan, um homem que persegue o padre que o abusou. A sua presença permeando a história é um dos pontos mais interessantes do roteiro para explicitar a consequência do abuso da pedofilia aos membros da Igreja e forçar um choque através da sua interação. Todos os padres criminosos não consideram que erraram, eles tentam justificar de diversas formas as barbáries cometidas.
Os habitantes da casa, incluindo a freira, são desajustados, provavelmente, desde a infância. Por não conseguirem se enxergar assim, continuam a ter certa empatia com qualquer desvio de personalidade. Um exemplo disso é o Padre Vidal, que se apega mais a um galgo, um cachorro de corrida que eles acharam na rua, e não consegue admitir os crimes que fez a diversas pessoas sob a roupa da Igreja. Outro personagem denso é a Irmã Mônica, a freira que toma conta dos padres. Com um passado misterioso de quem abandonou a própria família, a freira defende padres abusadores, os militares durante a ditadura e até um dos sacerdotes que ajudou a encontrar lares para crianças sequestradas dos inimigos dos militares.
Personagens que ganham dimensões humanas através de seres que não deveriam ter empatia. Ganhando mais humanidade quando realizam seus atos cruéis, como uma das cenas no final, mostrando como a Igreja Católica e a Ditadura Militar Chilena resolvia seus problemas manipulando o próprio sistema,
A narrativa funciona como uma forma de denúncia que se propõe a discutir a pedofilia e os crimes que os padres cometeram, porém ao ir além, se torna panfletário, diferentemente de Spotlight: Segredos Revelados: filme que trata do mesmo tema. O excesso de progressismo do Padre Vidal soa falso, não condiz com o personagem e se torna caricato. Por mais que ele represente a ala reformista, durante os interrogatórios ,acaba agindo mais como um ateu fanático do que um membro que deseja construir uma nova Igreja, como ele mesmo fala. Outro ponto em que o roteiro perde força são os padres admitirem sem muita dificuldades que são gays e que a sexualidade com crianças é aceitável dentro de uma cultura celibatária, soando como um esteriótipo.
A direção de Pablo Larraín tem alguns tropeços ao longo da trama, principalmente, nestas cenas de interrogatório. A escolha dos ângulos nestes momentos poderia mostrar melhor o desgaste e a dúvida interna dos padres sofrendo com a investigação. O diretor também poderia exigir mais de seu elenco na direção de atores. No entanto, o saldo é positivo e produz unidade ao filme. A sensação de opressão dentro da casa é permeada durante a obra inteira com imagens escuras e em contra-plongé, coerente com o fato de abrigar personagens que estão tentando se esconder da sociedade. Assim, a casa funciona como uma espécie de purgatório, onde há mais trevas do que luz, porém a pouca luz que existe é a chance da redenção através da confissão que eles tentam tanto adiar. Destaque para a cena do suicídio do Padre Matias logo no começo do filme.
A edição de Sebastián Sepulveda poderia ser melhor. Apesar de deixar um ritmo mais lento, o filme se perde na metade e acaba cansando após tantos depoimentos. A edição de acaba sendo satisfatória no total. A fotografia de Sergio Armstrong, que trabalhou com Larraín em No, é competente no que se propõe. Tecnicamente ela poderia ter uma qualidade de definição melhor nas cenas internas da casa, mas mantém a harmonia de imagem ao usar palheta de cores azul e com pouca saturação para mostrar a falta de vida.
O Clube vale a pena por trazer temas super relevantes e discuti-los de uma forma diferente em um filme com bons personagens.
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Texto de autoria de Pablo Grilo.