Tag: Pablo Larraín

  • Crítica | Neruda

    Crítica | Neruda

    Pablo Larraín vem se consolidando como um dos diretores mais expressivos desta década. Na bagagem, carrega filmes importantes como NO, O Clube e Jackie. Em Neruda ele da um passo a mais, ousando em contar a história do poeta e político chileno Pablo Neruda (Luis Gnecco), através dos olhos do personagem fictício Oscar Peluchoneau (Gael García Bernal), um policial obcecado em prender Neruda, por ser membro do Partido Comunista no final dos anos 40.

    Porém, o que poderia ser uma típica história policial de gato e rato, nas mãos de Larraín se torna um retrato poético e complexo de um período da história do poeta. Complexo, pois o diretor tenta (e consegue) transportar para o cinema o estilo literário do escritor. E isto é dificílimo, afinal, como contar uma poesia através da linguagem cinematográfica? O diretor vai fundo na profundidade dos personagens, deixando claro que existe uma admiração mutua entre perseguido (Neruda) e perseguidor (Peluchoneau), passando longe de uma tradicional cinebiografia, ao se preocupar mais com o que o personagem principal pensa e representa, do que com fatos históricos.

    Claro que o filme tem um conteúdo político, mas o mesmo é tratado de uma forma peculiar,que seria a visão de Neruda sobre o tema. Apesar da clara posição à esquerda de Neruda, o roteiro possui imparcialidade, ao trazer por exemplo, uma bela cena em que uma trabalhadora pobre comunista, que apesar de admirá-lo, o questiona se um dia todos terão acesso à vida burguesa que ele leva.

    Aliás, são vários os personagens secundários interessantes que aparecem na tela, formada por ótimos atores habituais de trabalhos anteriores do diretor, como o incrível Roberto Farías (de “O Clube”), que aqui interpreta um cantor de bordelque entende a essência da arte.

    Apesar de muitas qualidades, inclusive esteticamente, o filme pode ser considerado um pouco cansativo devido ao ritmo lento. Por fim, Neruda consegue o mérito do que se propõe a fazer, poesia, mesmo que cansativa, mas uma bela poesia.

    Texto de autoria de Marcelo Palermo.

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  • Crítica | Jackie

    Crítica | Jackie

    Não é nada difícil falar sobre Jackie e encontrar os desacreditados na cinebiografia de Jackie Kennedy, uma vez que tendo caído no gosto das premiações, digamos, elitistas (e também ao outrora favoritismo em cima de Natalie Portman para levar seu segundo Oscar), logo deu-se a impressão de que o filme do chileno Pablo Larrain se encaixaria no rol das cinebiografias chapadas de figuras que fizeram história na trajetória dos EUA, ainda mais quando o filme em questão faça de questão de focar, exclusivamente, nos quatro dias de Jackie após o assassinato de seu marido, o presidente John Kennedy.

    Muito foi dito de que a contratação de Larrain para a cadeira de direção (tendo substituído ninguém menos que Darren Aronofsky na função) tenha sido pela maior probabilidade do diretor, sendo estrangeiro, trazer uma visão que se beneficiasse da imparcialidade, em claras intenções de aproveitar o caráter político pessoal e intimista que Larrain imprimiu em No, por exemplo. Jackie é sim, um registro pessoal sobre o abalo que tomou conta na vida de Jackie, mas é também um segmento sobre os temas e abordagens que sempre permearam o cinema de Larrain.

    Nisso, ao invés de apenas narrar de forma linear os acontecimentos íntimos na Casa Branca após o assassinato do presidente, o roteiro de Noah Oppenheim (de Maze Runner – Correr ou Morrer  e A Série Divergente: Convergente) reproduz registros da primeira dama e dramatiza seus dilemas para falar sobre a noção espetaculosa das imagens em uma sociedade que depende da transparência visual para construir seu julgamento. Ao falar sobre a dualidade das imagens, Jackie resgata o ontem para falar sobre o hoje.

    E extremamente consciente da posição que assume diante dessa proposta de exploração, Natalie Portman dá rosto e voz a uma Jackie Kennedy articulada, entregue ao luto pelo marido, mas com total conhecimento de sua imagem e posição política diante do contexto. Nesse processo, o filme evolui para um estudo de auto-descoberta através da política, identidade essa que vai contra a maré aos costumes cine-biográficos em levar sua dramaturgia a uma afetação excessiva.

    É prazeroso também notar o quanto câmera e atriz trabalham em conjunto: se Portman domina os espaços com seu sotaque carregado, Larrain fecha o rosto de sua protagonista em closes abafados e centralizados, que levam de imediato o público para a claustrofobia e uma sensação de urgência que necessita ser notada, algo igualmente ressaltado pela trilha ameaçadora de Mica Levi, que para quem não lembra, é responsável pela memorável soundtrack de Sob a Pele.

    Como um diretor estrangeiro filmando em território americano, Larrain não consegue fugir de alguns cacoetes visuais que insistem em embelezar o discurso mórbido (as cenas de Jackie com o padre que parecem filmadas por Terrence Malick), mas Jackie se sobrepõe, e muito, quando decide fugir com afinco das grandes convencionalidades dramatúrgicas impostas por uma história como a de Jackie Kennedy. Ponto à favor.

    Texto de autoria de Rafael W. Oliveira.

  • Crítica | O Clube

    Crítica | O Clube

    306209

    Um dos filmes mais controversos de 2015, O Clube tem a difícil missão de apresentar ao espectador temas difíceis que estão entranhados no povo chileno: o abuso de padres pedófilos e a relação da igreja com a violenta ditadura de Pinochet.

    O roteiro do diretor Pablo Larraín, o mesmo do filme No, em colaboração com Guilhermo Calderón e Daniel Villalobos é conciso em seu início e consegue criar o mistério necessário que prende a atenção do público a cerca daqueles padres que vivem reclusos e que são cuidados por uma freira com um passado igualmente obscuro. A sequência de rupturas daquele universo começa na chegada de Matias, um padre que abusou de crianças e se suicida no local, motivando a chegada de Garcia, um padre progressista que deseja melhorar a igreja.

    Uma das maiores forças do roteiro reside nos personagens principais do filme. Um dos que mais chama atenção é Sandokan, um homem que persegue o padre que o abusou. A sua presença permeando a história é um dos pontos mais interessantes do roteiro para explicitar a consequência do abuso da pedofilia aos membros da Igreja e forçar um choque através da sua interação. Todos os padres criminosos não consideram que erraram, eles tentam justificar de diversas formas as barbáries cometidas.

    Os habitantes da casa, incluindo a freira, são desajustados, provavelmente, desde a infância. Por não conseguirem se enxergar assim, continuam a ter certa empatia com qualquer desvio de personalidade. Um exemplo disso é o Padre Vidal, que se apega mais a um galgo, um cachorro de corrida que eles acharam na rua, e não consegue admitir os crimes que fez a diversas pessoas sob a roupa da Igreja. Outro personagem denso é a Irmã Mônica, a freira que toma conta dos padres. Com um passado misterioso de quem abandonou a própria família, a freira defende padres abusadores, os militares durante a ditadura e até um dos sacerdotes que ajudou a encontrar lares para crianças sequestradas dos inimigos dos militares.

    Personagens que ganham dimensões humanas através de seres que não deveriam ter empatia. Ganhando mais humanidade quando realizam seus atos cruéis, como uma das cenas no final, mostrando como a Igreja Católica e a Ditadura Militar Chilena resolvia seus problemas manipulando o próprio sistema,

    A narrativa funciona como uma forma de denúncia que se propõe a discutir a pedofilia e os crimes que os padres cometeram, porém ao ir além, se torna panfletário, diferentemente de Spotlight: Segredos Revelados: filme que trata do mesmo tema. O excesso de progressismo do Padre Vidal soa falso, não condiz com o personagem e se torna caricato. Por mais que ele represente a ala reformista, durante os interrogatórios ,acaba agindo mais como um ateu fanático do que um membro que deseja construir uma nova Igreja, como ele mesmo fala. Outro ponto em que o roteiro perde força são os padres admitirem sem muita dificuldades que são gays e que a sexualidade com crianças é aceitável dentro de uma cultura celibatária, soando como um esteriótipo.

    A direção de Pablo Larraín tem alguns tropeços ao longo da trama, principalmente, nestas cenas de interrogatório. A escolha dos ângulos nestes momentos poderia mostrar melhor o desgaste e a dúvida interna dos padres sofrendo com a investigação. O diretor também poderia exigir mais de seu elenco na direção de atores. No entanto, o saldo é positivo e produz unidade ao filme. A sensação de opressão dentro da casa é permeada durante a obra inteira com imagens escuras e em contra-plongé, coerente com o fato de abrigar personagens que estão tentando se esconder da sociedade. Assim, a casa funciona como uma espécie de purgatório, onde há mais trevas do que luz, porém a pouca luz que existe é a chance da redenção através da confissão que eles tentam tanto adiar. Destaque para a cena do suicídio do Padre Matias logo no começo do filme.

    A edição de Sebastián Sepulveda poderia ser melhor. Apesar de deixar um ritmo mais lento, o filme se perde na metade e acaba cansando após tantos depoimentos. A edição de acaba sendo satisfatória no total. A fotografia de Sergio Armstrong, que trabalhou com Larraín em No, é competente no que se propõe. Tecnicamente ela poderia ter uma qualidade de definição melhor nas cenas internas da casa, mas mantém a harmonia de imagem ao usar palheta de cores azul e com pouca saturação para mostrar a falta de vida.

    O Clube vale a pena por trazer temas super relevantes e discuti-los de uma forma diferente em um filme com bons personagens.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | No

    Crítica | No

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    No é provavelmente o primeiro filme chileno a chamar atenção internacional desde o ótimo Machuca, de 2004. Vindo de um país sem uma cinematografia forte e realizado por um diretor com apenas uma pequena carreira em mostras e festivais, o filme contava em seu favor apenas a presença de Gael García Bernal, mas acabou se tornando uma das grandes surpresas e revelações de 2012.

    O filme de Pablo Larraín abriu a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, onde foi escolhido melhor filme pelo público (que aplaudiu de pé em diversas sessões), ganhou prêmios especiais nos festivais de Cannes, Hamburgo e Oslo, foi eleito melhor filme em Londres e Tóquio e afinal chegou como o único indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro que poderia tirar o prêmio de Amor.

    No começa anunciando que em 1988, por conta da pressão internacional, o então presidente e ditador Pinochet convocou um plebiscito para decidir sobre a continuidade de seu governo. Haveria um período de propaganda: quinze minutos na televisão para cada um dos lados, a primeira vez que a oposição teria voz em um veículo de comunicação desde o início da ditadura. O filme se centra na preparação da campanha da oposição, que dizia “não” ao governo de Pinochet e em René Saavedra, publicitário responsável por convencer a população chilena a também dizer não.

    A primeira coisa que chama atenção em No é a forma como o filme se relaciona com seu tema: a ditadura de Pinochet é um dos pontos mais escuros da história da América Latina, mas em momento nenhum se assume um tom de lamento, rancor ou amargura. No é uma comédia e a escolha de tom se reflete na campanha sendo montada: é preciso sim assumir e reverenciar a história, mas histórias melhores são contadas quando se abandona a necessidade de lamentar as atrocidades já cometidas.

    Além do tom inusitado, o filme é bem construído: bons diálogos, personagens carismáticos e uma atuação íntima e agradável de Gael García Bernal tornam a obra leve, engraçada, mas sempre muito inteligente. A fotografia lavada, com ares de polaroid ajuda a construir o tom de lembrança, de resgate de uma história que faz parte da infância de boa parte dos espectadores. Existem momentos tensos, principalmente quando o filme acompanha os efeitos que o envolvimento de Saavedra no movimento de oposição têm na vida do publicitário e, para quem desconhece a história do Chile, a tensão é angustiante, ainda assim a impressão final é de ironia e irreverência.

    No é um filme tão fluído, tão bem amarrado que se torna difícil apontar o que realmente faz dele um grande filme. Provavelmente a irreverência com que trata a seu tema e a si mesmo, e a despretensão com que foi feito. É um filme pequeno sobre um tema enorme e que acerta precisamente por isso. Atento às suas limitações, trabalha com e faz graça delas e isso se reflete na própria narrativa que é sobre uma campanha política para derrubar uma ditadura, mas poderia muito bem ser sobre fazer cinema em um país latino americano: sem recursos, comprando uma briga já dada como perdida.

    Larraín construiu um filme memorável, ainda que singelo, e deixou uma lição que o cinema brasileiro poderia aproveitar: é possível “desrespeitar” a história do país, mesmo os pontos mais obscuros dela e assim ser universal sendo nacional. E é possível chegar longe com um filme barato, mas bem feito.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.