Na época, as produções da Itália estavam deixando de atrair público aos cinemas de lá, fenômeno já visto no Brasil. Foi preciso então algo novo, um filme que fizesse sucesso ao ponto de virar referência. Antes de iniciar suas magnum opus tempo afora, Sergio Leone dirigiu e concebeu outros filmes, sem a metade do prestígio do que viria depois em sua prolífica carreira na almejada cadeira da direção. Falando mais um pouco de história, a origem dos western spaghetti (filmes que mostravam o velho-oeste de um jeito mais verdadeiro do que o jeito americano) foi meramente política, como uma subjetiva estratégica política em 1937. Mesmo assim, tudo se solidificou, se imortalizou, se estendeu para toda a Europa e se adequou também aos padrões geográficos do velho continente: Em 1957, o deserto de Almeria, a nordeste de Madri, na Espanha, serviu de cenário para O xerife de queixo quebrado, um spaghetti britânico.
O sentido de cenário externo deu certo, e a fronteira mexicana dos Estados Unidos serviu para gravar cenas da obra que iria se tornar parâmetro para o que iria vir, pelas mãos do maior nome do gênero: Leone, e seu Por um Punhado de Dólares. Este não foi o primeiro faroeste italiano, mas foi o primeiro a conseguir grande sucesso. Não é para menos… Mesmo sendo o mais fraco da Trilogia dos dólares, você com certeza já viu essa cena narrada a seguir: Homem estranho e sem personalidade clara chega em um lugar, e vira o lugar de ponta cabeça, involuntariamente ou não. É difícil imaginar outra pessoa que encarnaria tão bem esse papel quanto Clint Eastwood, na época totalmente desconhecido do grande público que hoje em dia o reverencia por inúmeras razões. Aqui, Clint vive o caçador de recompensas Joe, pistoleiro nem de todo mal, nem de todo bom que, solto no mundo com sua mula, sua pistola e seu inseparável cigarro, decide tirar proveito monetário de uma guerra entre duas gangues, em uma pequena cidade no meio de lugar nenhum.
É claro que isso rende muitas tramas e conflitos colaterais, e também é nítido um paralelo entre Por um Punhado de Dólares e Django, de outro grande diretor, Sergio Corbucci. Ambos usam como estopim um sujeito sem presente, passado ou futuro, e que se garante com sua esperteza e suas armas. Clint a partir daí virou a figura definitiva desse tipo de personagem no cinema, com seu rosto sério e suas expressões sistemáticas debaixo do velho chapéu de cowboy, e mesmo com todos os outros bons personagens coadjuvantes ao redor, fica difícil prestar atenção noutro alguém.
A genialidade de Leone em reger o filme é óbvia para quem sabe apreciar essa verdadeira obra de arte. Apesar dos excessos típicos do mestre e ainda em processo de lapidação de uma visão artística (Personagens em demasia diminuem o impacto das mortes), algo que seria aprimorado em Por uns Dólares a Mais, e elevados à perfeição em Três Homens em Conflito, Leone junto do seu diretor de arte criaram juntos um novo conceito para direção de arte, construindo verdadeiras cidades no set de filmagem, algo realista e incomum para os filmes de 1960. É impossível não acreditar no que está se vendo na tela, tamanho realismo contínuo para que o espectador possa sentir o senso de realidade que emana das locações.
Não apenas nos cenários, mas em figurinos, maquiagem, sons e outros aspectos técnicos, Leone também inovou, logo no primeiro exemplar da Trilogia dos Dólares, e influenciou gente do nível de Stanley Kubrick, Ridley Scott e George Lucas, em produções muito além do gênero faroeste. É claro que a genialidade e visionarismo do diretor não estão presentes somente nisso: Aqui, Leone promoveu um simples personagem coadjuvante (o homem dos caixões) como um exercício de dualidade, em meio aos estereótipos dos protagonistas e das paisagens áridas ao redor. Uma vez enxergando esses detalhes, vem a pergunta: Todas essas histórias são sobre o quê? Só por um punhado de dólares, ou existiria algo a mais, por trás?
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