Após um período trabalhando como co-diretor, Cavi Borges volta para a direção solo em seu Um Filme Francês, longa-metragem que finalmente encontra exibição no circuito brasileiro de cinema – seguido do recente Dois Casamentos, de Luiz Rosemberg Filho, também produzido pela Cavídeo. O roteiro de Cavi evoca as sensações típicas de um cinéfilo, apresentando uma história que mistura aspectos muito pessoais, enquanto amante do cinema, abarcando a universalidade de quem tem no ato de consumir filmes um vício constante.
A fotografia em preto e branco faz referências óbvias ao cinema de Jean Luc Godard, fazendo dele e de sua Novelle Vague o ponto alto de influência no argumento, além de simbolizar um marco de reverência dentro do ideário de seu diretor. As semelhanças com Acossado também são vistas dentro dos arquétipos físicos do trio de protagonistas Cleo (Patricia Nidermeier), Michel (Erom Cordeiro) e Patrícia (Juliana Terra) que, reunidos, começam a planejar um script, discutindo ideias a partir do mero acaso, seguido por uma filmagem que mescla ideias ainda brutas e muito improviso, em uma prática ensaísta a qual remete a um tipo de cinema tristemente ignorado pelo público e especialmente pela indústria.
Um Filme Francês passa a sensação de uma ode à sétima arte, se valendo apenas do talento dramatúrgico, da engenhosidade de quem carrega a câmera e da volúpia por contar uma história com imagens, ainda que os recursos para fazê-lo sejam bastante escassos, como era na época mais romântica do cinema.
As conversas e diálogos quase não têm significado além das alusões ao amor pela película e o fanatismo pelo celuloide. Nos pequenos detalhes filmados, nota-se uma entrega dos personagens à execução artística e seus derivados. É interessante notar que o mesmo mote utilizado por Borges em Mateus, O Balconista é reinventado em Um Filme Francês, ainda que o foco seja o cinema alternativo, dito preconceituosamente como “de arte”. A evolução do cineasta se percebe no tom mais sério e no claro amadurecimento na abordagem do tema.
A nudez e exploração do feminino são feitas e um modo delicado, sexualizado mas não comum, fugindo da pecha de sensualidade sem vulgarização. As curvas de Terra e Nidermeier são exploradas muito além das coxas, nádegas, seios e afins; os detalhes flagrados pela câmera têm um tom poético valorizando pessoas reais. Apesar de se enquadrarem nos padrões de beleza normativos, também possuem imperfeições físicas, não necessitando em se encaixar em neuras comuns da vida adulta.
O filme dentro do filme, Um Segundo, tem sua produção mostrada em detalhes mínimos, com todo o processo de brainstorm, captação e montagem analisados e bastante criticados. O comentário metalinguístico tem muito de Truffaut e dos outros mestres da Nouvelle Vague, e a extensão desta influência passa também pela percepção de quem assiste ao primeiro corte do trabalho de Cleo. O conjunto de sensações resulta em uma grande noite de gala, no Cine Odeon, o bravo sobrevivente dentre os cinemas de rua da Cinelândia, que resulta em mais uma das muitas homenagens ao cenário cênico tradicional carioca.
Tudo em Um Filme Francês possui um significado, desde os maiores e mais emblemáticos, até os mais modestos. Este aspecto remete ao emular da vida, o que deveria ser o principal papel do cinema, tantas vezes esquecido pelos cineastas. O fim, de análise do trabalho alheio, serve de ponte com o público, utilizando o ato de analisar e replicar um filme como exercício profundo, um papel poucas vezes valorizado no cenário audiovisual brasileiro, que ganha uma bela homenagem no longa de Cavi.