Se comer não é um dos maiores prazeres dessa vida cheia de boletos para pagar, e gente chata para aturar, tentemos então fazer um TOP 10 das melhores coisas da vida sem o maravilhoso ato renegado pelos gulosos. Isso porque eles sempre querem mais, e comer, desde um pão a um pernil recheado do natal, não merece ser levado aos extremos mais vulgares de sua prática. Manjare é bom demais para ser vulgarizado, ou banalizado por alguma gororoba que a vida urbana nos faz comer, e é por isso que, junto de viajar, transar, ouvir nossas músicas favoritas, e fazer parte de um grupo social, o regozijo do bom comer (e de beber, não se esqueça do néctar) é tão impagável quanto todas as outras maravilhas que fazem valer a pena nossos meros cem anos, esse século de vida reservado ao ser-humano. Não a todos!
Será que é algo que os japoneses comem? Tempo o bastante para provar todas as iguarias deste mundo, eles conseguem ter, como nenhum outro povo. E ao invés disso, alguns certamente preferem inventar robôs – o que é o certo e o errado, afinal? Fato é que cem anos não deve ser muita coisa nem para um vinho, não os de padaria, mas aqueles excelentes que melhoram com o tempo e nos fazem tomá-los de joelho, e agradecendo a Deus pelo paladar que tem a espécie. O escritor Luis. F. Veríssimo parece ser um desses casos, um sommelier natural, um glutão que nem taurino é para entender tanto assim de comidas e outros petiscos, mas que em A Mesa Voadora faz sua rendição: aqui, o prestigiado autor brasileiro revela sua ode bem-humorada a uma das melhores coisas que um homem (e uma mulher) podem fazer, sem terem a culpa de não entrarem numa calça 38.
Afinal, bem como fica explícito em uma de suas melhores crônicas desta irresistível publicação da editora Objetiva, cujo único defeito é ser curta demais, a bem da verdade, todo prazer será castigado pelas divindades que criamos. Veríssimo degusta, e vai longe aqui no uso cronical dos prazeres degustativos, associando, assim, a comida a inúmeras situações como se esta fosse um espectro a rondar a experiência humana, e fazer parte das nossas melhores e piores horas. Ganha pontos, muitos pontos quando se depara com a hilária condição de um provador de comidas, ou ao refletir, da forma mais perspicaz possível sobre a desgraça que uma salsinha representa para qualquer receita – diz até que uma de suas leitoras aprendeu como se diz ‘salsinha’ em todos os idiomas para, nas suas viagens mundo afora, negar o tal ingrediente aonde quer que esteja.
Antes prevenir, do que comer uma salsinha escondida, sorrateira, debaixo da carne. Além disso, Veríssimo, que provavelmente nunca irá experimentar a extraordinária canja de galinha da minha vó, e eu me sinto mal por ele e por qualquer um, nos lembra em meia-dúzia de palavras o quão triste e infantilóide são os norte-americanos. Ele pega pesado nessa análise, sempre com bom-humor, mas sendo aqui o mais ácido e corrosivo possível para falar da cultura dos hambúrgueres e dos baldes de pipoca no cinema. Devido a sua enorme sagacidade como escritor de grandes livros brasileiros, o autor de A Mesa Voadora se infiltra em mil e uma normalidades para salpicar um ingrediente extra, a cada uma delas: seja uma maçã, um champignon, um ovo, um pastel de beira de estrada (que tem o seu charme), ou até uma água mineral. Mas jamais salsinha. Isso é proibido, assim como deveriam ser os baldes de pipoca pingando manteiga. Os dedos ficam asquerosos. Se fossem só os dedos…