“Quem nasce pro sertão, não fica preso em gaiola.”
O tempo é generoso com as boas ideias – exceto se caírem nas mãos dos executivos de Hollywood. Em solo tupiniquim, Danilo Beyruth se fez nacional e criou com ótimos personagens e uma boa premissa uma história de retaliação com toques de redenção moral, não sendo superada desde que foi lançada em meados de 2010 em toda a sua intensidade, irreverência e charme indiscutíveis. Bando de Dois nos leva de volta ao cosmos aventuresco do cangaço de mentira, épico e à beira do surreal, em um diálogo livre e prazeroso com os gêneros de ação, e aventura.
Indo além, eis uma invenção mitológica e sanguinária com cheiro de homenagem lendária aos dramas do terceiro-mundo, aqui deliciosamente exagerados na alegoria atemporal que se torna o sertão, e que de verdade mesmo só tem as tropas militares que caçavam os “fora da lei” com a mesma fúria da PM nos bailes funk de São Paulo e Rio, sem contar a peixeira e o rifle encardidos usados pelo cabra duro na queda que ousava sobreviver dentre a miséria e o fanatismo religioso, encarando a morte sem medo da desova já que danação maior que aquele inferno vivido, eles sabiam, não poderia mais existir.
Não tem espaço para lágrimas nas vidas secas de Bando de Dois. Uma vez que todos do bando de Tinhoso e Cavêra foram mortos pela tropa do tenente Honório, vale agora só uma coisa: ir atrás das dezoito cabeças decapitadas dos membros do bando, prestes a ser expostas como troféu pelos militares que “livraram o mundo dos cangaceiros”. Cientes de serem os últimos representantes desse vulgo mal errante, e munidos da pouca honra que ainda lhes resta, os dois cachorros sem dono tentam impedir o plano de Honório em uma sequência de emboscadas digna dos clímaxes dos faroestes de Sérgio Leone, culminando o plano na pequena cidade (no meio do nada) de Nazaré.
Dispostos também a dar paz no descanso espiritual de seus ex-companheiros, os dois partem nessa missão provavelmente suicida com muita astúcia, e sem-vergonhice, mirando em Honório e acertando numa vingança com gosto de justiça, em meio a tantas outras injustiças históricas que tanto marcaram o nordeste brasileiro. É como se o cangaço na verdade fosse tão fértil ao nosso encanto quanto qualquer mundo de imaginação, mas sem dragões e naves espaciais. Queremos ver o ignorante Tinhoso e o ganancioso Cavêra em outras mil aventuras, vivendo e morrendo na conta da bala; um par de cangaceiros que podem estar lado a lado do António das Mortes de Glauber Rocha, ou do Django explosivo de Quentin Tarantino. Eles vivem.
A simplicidade em preto e branco nos traços expressivos, aqui, prova que nem toda HQ sobrevive em especial de suas cores mirabolantes para saltar aos olhos, e sim de uma ótima história contada da melhor forma possível, com todos os elementos equilibrados, como devem estar. Narrativa é tudo, Danilo entende isso com a naturalidade do vento, e fez de Bando de Dois uma das melhores e mais famosas novelas gráficas do Brasil dos anos 2010. E o que fica, é isso: uma obra completa, bem resolvida entre suas referências criativas de terror e fantasia, e presente em nosso apreço muito tempo após o término da adoração literária que merece.
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